Por Luiz Fernando do Amaral*
Mesmo que evidências apontem ao contrário, o debate político sobre as mudanças climáticas perde força. Nas eleições americanas ele virou tabu. As metas para reduções de emissões estabelecidas pelo famoso Protocolo de Kyoto, após sucessivos fracassos nas negociações, terminam em 2012. Esse ano, em reunião do Catar (COP18), há alguma luz na fim do túnel. Entretanto, se aprovado, o novo “Kyotinho” deverá contar com um número muito reduzido de países: certamente não contará com Estados Unidos, Canadá, Japão e Rússia. Também não há perspectiva de metas como as do Kyoto original para países em desenvolvimento.
Com essa redução da ambição da agenda nas negociações climáticas internacionais, dado que países não tem se comprometido com metas nacionais, a ideia de “metas setoriais” ganha força. Alguns setores da economia mundial, independentemente do país, teriam metas específicas. Nessa proposta, seriam estabelecidos padrões de “intensidade de carbono”. Por exemplo, cada tonelada de minério de ferro produzido poderia emitir, no máximo, uma determinada quantidade de CO2. O que isso significaria para os negócios no Brasil?
Os setores de siderurgia e cimento são responsáveis por uma importante parcela das emissões mundiais. Por isso, essas duas indústrias extremamente estratégicas para o nosso país estão no centro desse debate. Obviamente, qualquer regulamentação que possa gerar aumento de custos sempre assusta o empresariado. É bem verdade que a adoção, em nível global, de metas setoriais de emissões poderia impactar custos de produção por aqui. Algumas empresas, por já se enquadrar nos padrões, nada teriam a fazer, mas também é possível que investimentos fossem necessários individualmente. Porém, a competitividade de uma empresa não depende apenas de seus custos absolutos, mas também dos preços relativos frente a seus competidores.
No caso de nossas competitivas indústrias siderúrgica e cimenteira, sempre vi essa regulamentação global como uma oportunidade. Independentemente de convicções pessoais ou do objetivo de combater o aquecimento global, considerando puramente estratégias empresariais, nunca entendi o porquê da resistência. Com o enorme risco de me aventurar em águas estranhas, uma vez que sempre trabalhei esses temas sob a perspectiva da agricultura, me explico.
Em um mercado commoditizado, de produtos de base e com poucos substitutos perfeitos – como o siderúrgico e de cimento – a demanda agregada global tende a ser pouco elástica com relação ao preço. Outras variáveis tendem a influenciar mais, como a saúde da economia global. Em outras palavras, mesmo que os preços subissem a demanda global não diminuiria na mesma magnitude. Assim, o tamanho do mercado se manteria muito próximo do mesmo.
Nesse contexto, a competitividade de uma indústria seria mais afetada por variações nas relações de preço entre ela e seu concorrente do que pelos seus custos absolutos. Ou seja, na medida em que o aumento de custo de seu concorrente for maior que o seu, sua competitividade aumenta e, consequentemente, seu market share global dado que o tamanho do “bolo” pouco mudou.
De acordo com estudos pesquisados a diferença nos níveis de emissão entre empresas dessas indústrias depende majoritariamente da fonte de energia utilizada. Ora, 46% da matriz energética brasileira é renovável. Desse modo, a indústria siderúrgica e cimenteira brasileira, em geral, possui uma intensidade de emissões bem menor do que seus principais concorrentes no mercado mundial. De fato, estudo de 2007 da Agencia Internacional de Energia apontava a produção brasileira de cimento como uma das com as menores intensidades de carbono do mundo, por volta de 30% menor que norte-americana. A China, principal produtora de aço e o principal mercado para o Brasil, por exemplo, possui uma matriz energética baseada no carvão mineral. A intensidade de carbono de nosso aço é quase 60% menor que o aço chinês.
Neste contexto, o estabelecimento de metas setoriais globais de emissões poderia beneficiar a indústria brasileira. Os custos de produção poderiam se manter ou até subir, porém a competitividade do Brasil frente seus concorrentes melhoraria na medida em que os custos relativos se alterariam em nosso favor.
As indústrias siderúrgicas e cimenteira são apenas um exemplo por serem importantes emissoras e estarem no centro desse debate. É bem possível que haja outros setores com características semelhantes. Desconfio, por exemplo, que a carne bovina brasileira produzida sem desmatamento possua uma intensidade de emissões bem menor que seus concorrentes.
O caso do etanol brasileiro de cana-de-açúcar já é emblemático: a Agência de Proteção Ambiental americana (EPA) o classificou como um “biocombustível avançado” em função de sua maior eficiência no combate ao aquecimento global, algo que nenhum de seus concorrentes (etanol de milho, trigo, etc) possui. Isso trouxe uma diferenciação competitiva que se traduz, inclusive, em prêmio sobre o preço.
Obviamente o diabo está nos detalhes. Toda racionalização pode ruir dependendo de como é feita a regulamentação. Além disso, a equação não fecha se um país apenas, especialmente a China, ficar de fora ou não implementar corretamente as metas. É certo também que, individualmente, há empresas brasileiras que seriam “perdedoras” nesse processo.
Não há duvida que a sociedade vai continuar demandando ações que visam maior sustentabilidade dos processos produtivos. Muitas delas não trarão benefícios econômicos para as empresas e isso deve ser incorporado aos planejamentos estratégicos coorporativos. Porém, há estratégias que podem parecer ousadas demais por gerar maiores custos, mas que também podem trazer ganhos comerciais para empresas do País. De quebra podem trazer impactos positivos para o meio ambiente e, mais importante: vice versa.
*Mestre em economia internacional e Conselheiro do Fundo Clima.