Enquanto o debate político em torno das mudanças climáticas continua inerte, a ciência indica que se esvaem as chances de evitar efeitos catastrófico
Há até pouco tempo parecia haver consenso de que a humanidade dispunha de uma janela de oportunidade para agir e mitigar as mudanças climáticas. Não mais. A ciência começa a indicar que se esvaem as chances de conter o aumento das temperaturas em 2 graus centígrados e evitar efeitos catastróficos. Um estudo britânico afirma que isso só seria possível se houvesse ação imediata, global e coordenada. Ou, como disse o assessor científico do governo britânico e ex-presidente do IPCC, Bob Watson, a meta de 2 graus “já era”.
Os ideólogos que negam a existência e as causas das mudanças climáticas fazem ouvidos moucos. Uma catástrofe de proporções bíblicas parece necessária para que haja um tipping point no debate político sobre o clima, preso à retórica de que não há certeza sobre as mudanças e, portanto, razão para agir.
A ciência, entretanto, começa a descrever os tipping points físicos. Um dos mais dramáticos está no Ártico, o topo do mundo, onde a área coberta de gelo neste verão caiu pela metade em relação à década de 1970 e chegou a um mínimo nunca antes registrado.
“No começo da minha carreira, costumávamos usar a frase ‘à velocidade
de uma geleira’ para descrever mudanças muitos lentas, mas esse não é mais o caso”, disse o reconhecido paleoclimatologista Lonnie Thompson.
Em agosto, cientistas americanos e russos publicaram artigo em que descrevem a rápida retração e diminuição da cobertura de gelo do Ártico ao longo das últimas décadas como “uma das manifestações mais impressionantes da mudança climática”.
A perda de gelo no Ártico é consequência do aquecimento global e também alimenta o fenômeno. A calota polar atua como imenso ar condicionado, refletindo a luz do sol de volta para a atmosfera. Menos gelo significa menos reflexão e mais energia absorvida pelo oceano, o que desestabiliza o hidrato de metano estocado no fundo do mar e gera a emissão desse potente gás de efeito estufa, contribuindo para o aquecimento.
A maior absorção de raios do sol pelo oceano no Ártico tem o efeito equivalente a cerca de 20 anos de emissões de CO2 pelo homem, estima Peter Wadhams, da Universidade de Cambridge.
O pesquisador britânico John Day atribui apenas 30% da redução do gelo do Ártico a variações naturais e diz que o restante se deve a alguma outra força, “muito provavelmente à mudança global feita pelo homem”. Há previsões de que o Ártico estará totalmente livre de gelo durante o verão em 2015.
ARQUIVO NAS ROCHAS
Para mostrar que a situação é mais complicada do que se previa, James Hansen, diretor do Instituto Goddard de Estudos Espaciais, da Nasa, recorreu não
a modelos do que será o clima no futuro, mas às temperaturas globais nas últimas seis décadas. Sua conclusão é de que é possível atribuir eventos extremos recentes à mudança climática.
As chances de que eventos como as ondas de calor na Europa em 2003 e na Rússia em 2010, assim como a seca catastrófica no Texas e em Oklahoma em 2011, tenham sido causados por variabilidade natural, diz Hansen, são minúsculas. Contar com elas seria como “abandonar seu emprego e jogar na loteria todas as manhãs para pagar as contas”, escreveu.
A análise de Hansen foi revisada por pares e publicada na prestigiosa revista Proceedings of the National Academy of Sciences, mas causou controvérsia. Alguns pesquisadores dizem que Hansen e seus colegas exageram a conexão entre o aquecimento global e eventos extremos. Muita gente, porém, confia em suas previsões e lembra que ele foi o primeiro cientista a soar o alarme sobre as mudanças climáticas – em depoimento ao Congresso americano em 1988.
O passado remoto, registrado nas rochas, também pode servir de guia, segundo pesquisadores de Stanford e da Universidade da Califórnia que exploram as causas da extinção em massa no fim do período Permiano.
Ocorrida há cerca de 252 milhões de anos, foi a maior perda de biodiversidade da história da vida animal e é conhecida entre os paleontólogos como a “grande morte”. A análise das rochas do período não permite fazer previsões específicas sobre as mudanças por vir, mas os cientistas alertam que as evidências são de que a “grande morte” tenha sido precipitada pela rápida liberação de CO2 na atmosfera.
Especialmente nos oceanos, os insights que emergem do estudo da extinção em massa no Permiano podem servir como uma importante analogia para o século XXI, dizem os pesquisadores.[:en]Enquanto o debate político em torno das mudanças climáticas continua inerte, a ciência indica que se esvaem as chances de evitar efeitos catastrófico
Há até pouco tempo parecia haver consenso de que a humanidade dispunha de uma janela de oportunidade para agir e mitigar as mudanças climáticas. Não mais. A ciência começa a indicar que se esvaem as chances de conter o aumento das temperaturas em 2 graus centígrados e evitar efeitos catastróficos. Um estudo britânico afirma que isso só seria possível se houvesse ação imediata, global e coordenada. Ou, como disse o assessor científico do governo britânico e ex-presidente do IPCC, Bob Watson, a meta de 2 graus “já era”.
Os ideólogos que negam a existência e as causas das mudanças climáticas fazem ouvidos moucos. Uma catástrofe de proporções bíblicas parece necessária para que haja um tipping point no debate político sobre o clima, preso à retórica de que não há certeza sobre as mudanças e, portanto, razão para agir.
A ciência, entretanto, começa a descrever os tipping points físicos. Um dos mais dramáticos está no Ártico, o topo do mundo, onde a área coberta de gelo neste verão caiu pela metade em relação à década de 1970 e chegou a um mínimo nunca antes registrado.
“No começo da minha carreira, costumávamos usar a frase ‘à velocidade
de uma geleira’ para descrever mudanças muitos lentas, mas esse não é mais o caso”, disse o reconhecido paleoclimatologista Lonnie Thompson.
Em agosto, cientistas americanos e russos publicaram artigo em que descrevem a rápida retração e diminuição da cobertura de gelo do Ártico ao longo das últimas décadas como “uma das manifestações mais impressionantes da mudança climática”.
A perda de gelo no Ártico é consequência do aquecimento global e também alimenta o fenômeno. A calota polar atua como imenso ar condicionado, refletindo a luz do sol de volta para a atmosfera. Menos gelo significa menos reflexão e mais energia absorvida pelo oceano, o que desestabiliza o hidrato de metano estocado no fundo do mar e gera a emissão desse potente gás de efeito estufa, contribuindo para o aquecimento.
A maior absorção de raios do sol pelo oceano no Ártico tem o efeito equivalente a cerca de 20 anos de emissões de CO2 pelo homem, estima Peter Wadhams, da Universidade de Cambridge.
O pesquisador britânico John Day atribui apenas 30% da redução do gelo do Ártico a variações naturais e diz que o restante se deve a alguma outra força, “muito provavelmente à mudança global feita pelo homem”. Há previsões de que o Ártico estará totalmente livre de gelo durante o verão em 2015.
ARQUIVO NAS ROCHAS
Para mostrar que a situação é mais complicada do que se previa, James Hansen, diretor do Instituto Goddard de Estudos Espaciais, da Nasa, recorreu não
a modelos do que será o clima no futuro, mas às temperaturas globais nas últimas seis décadas. Sua conclusão é de que é possível atribuir eventos extremos recentes à mudança climática.
As chances de que eventos como as ondas de calor na Europa em 2003 e na Rússia em 2010, assim como a seca catastrófica no Texas e em Oklahoma em 2011, tenham sido causados por variabilidade natural, diz Hansen, são minúsculas. Contar com elas seria como “abandonar seu emprego e jogar na loteria todas as manhãs para pagar as contas”, escreveu.
A análise de Hansen foi revisada por pares e publicada na prestigiosa revista Proceedings of the National Academy of Sciences, mas causou controvérsia. Alguns pesquisadores dizem que Hansen e seus colegas exageram a conexão entre o aquecimento global e eventos extremos. Muita gente, porém, confia em suas previsões e lembra que ele foi o primeiro cientista a soar o alarme sobre as mudanças climáticas – em depoimento ao Congresso americano em 1988.
O passado remoto, registrado nas rochas, também pode servir de guia, segundo pesquisadores de Stanford e da Universidade da Califórnia que exploram as causas da extinção em massa no fim do período Permiano.
Ocorrida há cerca de 252 milhões de anos, foi a maior perda de biodiversidade da história da vida animal e é conhecida entre os paleontólogos como a “grande morte”. A análise das rochas do período não permite fazer previsões específicas sobre as mudanças por vir, mas os cientistas alertam que as evidências são de que a “grande morte” tenha sido precipitada pela rápida liberação de CO2 na atmosfera.
Especialmente nos oceanos, os insights que emergem do estudo da extinção em massa no Permiano podem servir como uma importante analogia para o século XXI, dizem os pesquisadores.