Bastava um automóvel entrar no jogo da sedução para que ela mandasse embora qualquer um, sem nem anotar a placa
Carolina quis terminar com Pedro logo que o viu pela janela. Em casa, o seu pai, sentado na poltrona do estofado de couro e fumando cachimbo, não quis se intrometer. A mãe teve pena do garoto. “Mal se conheceram, é a primeira vez que vão sair e você não vai dar nem outra chance, minha filha?”
Não, não e não. Foi assim mesmo, em três negativas, que Carolina respondeu quando Pedro ligou no celular avisando que tinha acabado de chegar ao prédio, tendo as entradas para o teatro das 8 da noite em mãos. “Diga que não estou”, sugeriu a menina à mãe, que atendeu ao telefone. Pensando que a decisão pudesse ter sido precipitada, porém, dona Carla pediu para o garoto aguardar na portaria do prédio.
A razão de Carolina dispensar o pretendente era uma só: ele foi buscá-la de carro. Não foi o primeiro que pecou, digamos, pelo excesso de gasolina.
Houve pelo menos outra dúzia de casos em que a bela jovem partiu um coração ao volante. No mês passado, por exemplo, abandonou o carro de madrugada em plena avenida paulista e deixou o Don Juan da faculdade argumentando diante de um guarda da Blitz da Lei Seca. O rapaz acabou multado no Detran e no amor, pois ela voltou para casa de ônibus e cortou as relações com ele.
Carolina gostava de ganhar flores, caixas de bombom e perfumes. Agradavam-lhe até os cavalheiros à moda antiga, que escreviam poemas rebuscados e puxavam a cadeira dos restaurantes para a dama sentar.
Mas bastava um automóvel entrar no jogo da sedução para que ela mandasse embora qualquer um, sem nem anotar a placa. “Onde já se viu!? Não vai ser esse tipo de garoto que vai estacionar os lábios nos meus”, comentava com as amigas.
Assim os amores iam ficando pela beira da estrada. os pretendentes não entendiam muito bem o porquê, continuando suas vidas por aí, a 60 ou 80 por hora.
Carolina, de outro modo, sonhava com aqueles que a levariam ao cinema a pé. Que chegassem à sua casa de ônibus, bicicleta ou metrô, reduzindo o gás carbônico em seus pulmões, os engarrafamentos, a quantidade de veículos estacionados nos shopping centers, os cruzamentos fechados, os xingamentos no trânsito, as horas perdidas no tráfego lento da cidade.
Entre as baforadas do pai, que agora também lia o jornal enquanto prestava atenção ao que a filha falava, Carolina explicou seu pensamento à mãe. “Eu não espero um príncipe encantado sobre um cavalo. Mas até se chegasse no lombo de um jumento eu ficaria mais feliz do que dentro de um carro”, disse a menina.
Pedro não cansou de esperar. Encontrou uma vaga em local seguro e teve paciência. Depois de 40 minutos diante do prédio, pediu uma pizza no delivery e aguardou no próprio automóvel.
Deitou um pouco o banco, ligou um jazz no rádio para relaxar, abriu o teto solar para receber um vento e ficou vendo a vida passar pelo retrovisor.
Acordou com a manhã de segunda-feira incomodando as vistas e um flanelinha cobrando 5 reais.
*Jornalista[:en]Bastava um automóvel entrar no jogo da sedução para que ela mandasse embora qualquer um, sem nem anotar a placa
Carolina quis terminar com Pedro logo que o viu pela janela. Em casa, o seu pai, sentado na poltrona do estofado de couro e fumando cachimbo, não quis se intrometer. A mãe teve pena do garoto. “Mal se conheceram, é a primeira vez que vão sair e você não vai dar nem outra chance, minha filha?”
Não, não e não. Foi assim mesmo, em três negativas, que Carolina respondeu quando Pedro ligou no celular avisando que tinha acabado de chegar ao prédio, tendo as entradas para o teatro das 8 da noite em mãos. “Diga que não estou”, sugeriu a menina à mãe, que atendeu ao telefone. Pensando que a decisão pudesse ter sido precipitada, porém, dona Carla pediu para o garoto aguardar na portaria do prédio.
A razão de Carolina dispensar o pretendente era uma só: ele foi buscá-la de carro. Não foi o primeiro que pecou, digamos, pelo excesso de gasolina.
Houve pelo menos outra dúzia de casos em que a bela jovem partiu um coração ao volante. No mês passado, por exemplo, abandonou o carro de madrugada em plena avenida paulista e deixou o Don Juan da faculdade argumentando diante de um guarda da Blitz da Lei Seca. O rapaz acabou multado no Detran e no amor, pois ela voltou para casa de ônibus e cortou as relações com ele.
Carolina gostava de ganhar flores, caixas de bombom e perfumes. Agradavam-lhe até os cavalheiros à moda antiga, que escreviam poemas rebuscados e puxavam a cadeira dos restaurantes para a dama sentar.
Mas bastava um automóvel entrar no jogo da sedução para que ela mandasse embora qualquer um, sem nem anotar a placa. “Onde já se viu!? Não vai ser esse tipo de garoto que vai estacionar os lábios nos meus”, comentava com as amigas.
Assim os amores iam ficando pela beira da estrada. os pretendentes não entendiam muito bem o porquê, continuando suas vidas por aí, a 60 ou 80 por hora.
Carolina, de outro modo, sonhava com aqueles que a levariam ao cinema a pé. Que chegassem à sua casa de ônibus, bicicleta ou metrô, reduzindo o gás carbônico em seus pulmões, os engarrafamentos, a quantidade de veículos estacionados nos shopping centers, os cruzamentos fechados, os xingamentos no trânsito, as horas perdidas no tráfego lento da cidade.
Entre as baforadas do pai, que agora também lia o jornal enquanto prestava atenção ao que a filha falava, Carolina explicou seu pensamento à mãe. “Eu não espero um príncipe encantado sobre um cavalo. Mas até se chegasse no lombo de um jumento eu ficaria mais feliz do que dentro de um carro”, disse a menina.
Pedro não cansou de esperar. Encontrou uma vaga em local seguro e teve paciência. Depois de 40 minutos diante do prédio, pediu uma pizza no delivery e aguardou no próprio automóvel.
Deitou um pouco o banco, ligou um jazz no rádio para relaxar, abriu o teto solar para receber um vento e ficou vendo a vida passar pelo retrovisor.
Acordou com a manhã de segunda-feira incomodando as vistas e um flanelinha cobrando 5 reais.
*Jornalista