No scorecard da eficiência energética, o Brasil ficou para trás. A Aneel tenta mudar regras para ampliar investimentos voltados a projetos com maior potencial de economia de energia
O Brasil costuma se orgulhar de possuir a matriz energética mais renovável do mundo. No quesito eficiência energética, contudo, o País ainda tem muito o que fazer. No scorecard de eficiência energética publicado em julho pelo influente Conselho Americano para uma Economia Eficiente em Energia (ACEEE), o Brasil ocupa a décima posição. Só fica à frente de Canadá e Rússia, em uma lista das 12 maiores economias do mundo.
Um dos principais gargalos nas ações públicas de eficiência no Brasil é a ausência de uma política robusta de financiamento e incentivos às empresas, ator estratégico para o País economizar 5% na demanda por energia elétrica, conforme meta do Plano Nacional de Energia 2030.
Além de modesto, o dinheiro da principal fonte de recursos para projetos de eficiência é mal gasto, admitem especialistas no assunto, a indústria e a própria Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) – responsável pelo Programa de Eficiência Energética (PEE) e que tenta mudar suas regras para atrair mais investimentos do mercado.
Há dois problemas sérios nas regras que disciplinam a aplicação dos recursos do PEE – provenientes de uma parcela de 0,5% da receita operacional líquida (ROL) das distribuidoras, que na prática é bancada pelo consumidor ao pagar sua tarifa de energia. Foram alocados R$ 385 milhões para o PEE em 2011, informa a Aneel [1]. Por causa da Lei 12.212, de janeiro de 2010, ao menos 60% da verba do PEE precisa ser investida em residências de consumidores que pagam a tarifa social de energia.
[1] Desde o início do PEE, em 1998, os investimentos das distribuidoras somaram R$ 4,351 bilhões, que resultaram na economia de 7.674 GWh (equivalentes a quase 2% do consumo nacional em 2011). Mais detalhes no site.
Ocorre que tal vinculação engessa o programa de eficiência, diminui recursos para ações com impactos mais estruturais e de longo prazo e coloca na conta do PEE iniciativas que deveriam ser promovidas por programas sociais do Poder Público em parceria com empresas de energia. Até regularização de ligações elétricas em comunidades pobres tem sido realizada por distribuidoras com o dinheiro do PEE.
A Aneel tenta sensibilizar parlamentares para que modifiquem a lei, de modo a permitir uma aplicação mais flexível do recurso. “A regra tornou-se impraticável para algumas distribuidoras”, observa Sheila Damasceno, especialista em regulação da Aneel. Segundo ela, algumas distribuidoras não conseguem atingir esse percentual de 60% por não possuir participação expressiva de consumidores de baixa renda em sua carteira.
Outro nó refere-se à fatia restante de 40% dos recursos do PEE, cuja aplicação é definida pelas distribuidoras de energia. “Não é recomendável que o dinheiro da eficiência seja gerenciado pelas distribuidoras, cujo principal interesse é aumentar seu faturamento com a venda de energia”, questiona Gilberto Jannuzzi, professor associado em sistemas energéticos da Unicamp.
Um modelo mais adequado, sugere, é o do estado de Vermont, nos Estados Unidos, que criou em 1999 a Efficiency Vermont, uma companhia privada sem fins lucrativos que investe recursos pagos pelos consumidores na conta de energia em projetos exclusivamente de eficiência. No modelo brasileiro de financiamento à eficiência, setores estratégicos como o industrial – que responde por 40% do consumo nacional de energia elétrica – e o de comércio e serviços acabam representando uma minúscula parte dos investimentos das distribuidoras (2,7% e 1,4% respectivamente do montante destinado ao PEE entre 2008 e 2011).
Uma solução em estudo na Aneel é instituir uma regra que vincule os projetos ao perfil de consumo das distribuidoras. No estado de São Paulo, por exemplo, a indústria possui participação muito maior no fornecimento de energia das distribuidoras do que no Tocantins. Portanto, segundo a proposta da Aneel, as distribuidoras atuantes no território paulista precisariam investir na indústria uma proporção muito mais elevada de seus recursos no PEE em comparação com o que ocorre no modelo vigente.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) defende modificação ainda mais radical. No lugar das distribuidoras, seriam as próprias empresas que apresentariam projetos à Aneel. Mas o financiamento (reembolsável) continuaria alimentado pelo 0,5% da ROL das distribuidoras. “É a indústria que melhor conhece seus gargalos e onde pode gerar ganhos de eficiência mais relevantes”, justifica Rodrigo Sarmento Garcia, analista de políticas e indústria da CNI.
Inegavelmente, o tema da eficiência energética ganhou mais holofotes no País nesse início de década. Prova da maior relevância do assunto é o Plano Nacional de Eficiência Energética (PNEF), aprovado em outubro de 2011 pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Para tirar o plano do papel, um grupo de trabalho interministerial formulou uma série de propostas, em análise no Ministério de Minas e Energia, que não revela detalhes do programa de ações para o Brasil cumprir a meta de economizar 5% de energia elétrica até 2030. [2]
[2] Os 5% referem-se ao progresso induzido. Outros 5% seriam poupados com a evolução tecnológica.
“O PNEF é um elenco enorme de boas intenções e ideias. Mas falta amarrar financiamento e ações com a meta de eficiência”, comenta Jannuzzi, que enfatiza a necessidade de uma coordenação efetiva do tema no governo federal. “Falta um órgão, talvez uma agência, que coordene as diferentes iniciativas de incentivo à eficiência energética. O assunto atualmente está pulverizado em órgãos que nem sempre conversam entre si. Precisamos também conectar mais vigorosamente as políticas climática e de eficiência energética, como ocorre no Japão e nos Estados Unidos”, recomenda o pesquisador da Unicamp.[:en]No scorecard da eficiência energética, o Brasil ficou para trás. A Aneel tenta mudar regras para ampliar investimentos voltados a projetos com maior potencial de economia de energia
O Brasil costuma se orgulhar de possuir a matriz energética mais renovável do mundo. No quesito eficiência energética, contudo, o País ainda
tem muito o que fazer. No scorecard de eficiência energética publicado em julho pelo influente Conselho Americano para uma Economia Eficiente em Energia (ACEEE), o Brasil ocupa a décima posição. Só fica à frente de Canadá e Rússia, em uma lista das 12 maiores economias do mundo.
Um dos principais gargalos nas ações públicas de eficiência no Brasil é a ausência de uma política robusta de financiamento e incentivos às empresas, ator estratégico para o País economizar 5% na demanda por energia elétrica, conforme meta do Plano Nacional de Energia 2030.
Além de modesto, o dinheiro da principal fonte de recursos para projetos de eficiência é mal gasto, admitem especialistas no assunto, a indústria e a própria Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) – responsável pelo Programa de Eficiência Energética (PEE) e que tenta mudar suas regras para atrair mais investimentos do mercado.
Há dois problemas sérios nas regras que disciplinam a aplicação dos recursos do PEE – provenientes de uma parcela de 0,5% da receita operacional líquida (ROL) das distribuidoras, que na prática é bancada pelo consumidor ao pagar sua tarifa de energia. Foram alocados R$ 385 milhões para o PEE em 2011, informa a Aneel [1]. Por causa da Lei 12.212, de janeiro de 2010, ao menos 60% da verba do PEE precisa ser investida em residências de consumidores que pagam a tarifa social de energia.
[1] Desde o início do PEE, em 1998, os investimentos das distribuidoras somaram R$ 4,351 bilhões, que resultaram na economia de 7.674 GWh (equivalentes a quase 2% do consumo nacional em 2011). Mais detalhes no site.
Ocorre que tal vinculação engessa o programa de eficiência, diminui recursos para ações com impactos mais estruturais e de longo prazo e coloca na conta do PEE iniciativas que deveriam ser promovidas por programas sociais do Poder Público em parceria com empresas de energia. Até regularização de ligações elétricas em comunidades pobres tem sido realizada por distribuidoras com o dinheiro do PEE.
A Aneel tenta sensibilizar parlamentares para que modifiquem a lei, de modo a permitir uma aplicação mais flexível do recurso. “A regra tornou-se impraticável para algumas distribuidoras”, observa Sheila Damasceno, especialista em regulação da Aneel. Segundo ela, algumas distribuidoras não conseguem atingir esse percentual de 60% por não possuir participação expressiva de consumidores de baixa renda em sua carteira.
Outro nó refere-se à fatia restante de 40% dos recursos do PEE, cuja aplicação é definida pelas distribuidoras de energia. “Não é recomendável que o dinheiro da eficiência seja gerenciado pelas distribuidoras, cujo principal interesse é aumentar seu faturamento com a venda de energia”, questiona Gilberto Jannuzzi, professor associado em sistemas energéticos da Unicamp.
Um modelo mais adequado, sugere, é o do estado de Vermont, nos Estados Unidos, que criou em 1999 a Efficiency Vermont, uma companhia privada sem fins lucrativos que investe recursos pagos pelos consumidores na conta de energia em projetos exclusivamente de eficiência. No modelo brasileiro de financiamento à eficiência, setores estratégicos como o industrial – que responde por 40% do consumo nacional de energia elétrica – e o de comércio e serviços acabam representando uma minúscula parte dos investimentos das distribuidoras (2,7% e 1,4% respectivamente do montante destinado ao PEE entre 2008 e 2011).
Uma solução em estudo na Aneel é instituir uma regra que vincule os projetos ao perfil de consumo das distribuidoras. No estado de São Paulo, por exemplo, a indústria possui participação muito maior no fornecimento de energia das distribuidoras do que no Tocantins. Portanto, segundo a proposta da Aneel, as distribuidoras atuantes no território paulista precisariam investir na indústria uma proporção muito mais elevada de seus recursos no PEE em comparação com o que ocorre no modelo vigente.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) defende modificação ainda mais radical. No lugar das distribuidoras, seriam as próprias empresas que apresentariam projetos à Aneel. Mas o financiamento (reembolsável) continuaria alimentado pelo 0,5% da ROL das distribuidoras. “É a indústria que melhor conhece seus gargalos e onde pode gerar ganhos de eficiência mais relevantes”, justifica Rodrigo Sarmento Garcia, analista de políticas e indústria da CNI.
Inegavelmente, o tema da eficiência energética ganhou mais holofotes no País nesse início de década. Prova da maior relevância do assunto é o Plano Nacional de Eficiência Energética (PNEF), aprovado em outubro de 2011 pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Para tirar o plano do papel, um grupo de trabalho interministerial formulou uma série de propostas, em análise no Ministério de Minas e Energia, que não revela detalhes do programa de ações para o Brasil cumprir a meta de economizar 5% de energia elétrica até 2030. [2]
[2] Os 5% referem-se ao progresso induzido. Outros 5% seriam poupados com a evolução tecnológica.
“O PNEF é um elenco enorme de boas intenções e ideias. Mas falta amarrar financiamento e ações com a meta de eficiência”, comenta Jannuzzi, que enfatiza a necessidade de uma coordenação efetiva do tema no governo federal. “Falta um órgão, talvez uma agência, que coordene as diferentes iniciativas de incentivo à eficiência energética. O assunto atualmente está pulverizado em órgãos que nem sempre conversam entre si. Precisamos também conectar mais vigorosamente as políticas climática e de eficiência energética, como ocorre no Japão e nos Estados Unidos”, recomenda o pesquisador da Unicamp.