Entrevista com Steffen Boehm, professor e diretor do Instituto de Sustentabilidade da Universidade de Essex, no Reino Unido, ele questiona a governança no órgão de certificação
Problemas ambientais globais como o desmatamento não serão solucionados por esquemas de governança privada. A opinião é do professor Steffen Boehm, diretor do Instituto de Sustentabilidade da Universidade de Essex, no Reino Unido. Coautor de artigo – ainda em versão preliminar para discussão – que analisa suposta crise de governança no Conselho de Manejo Florestal (FSC, na sigla em inglês), Boehm esteve na FGV-Eaesp, em São Paulo, no fim de agosto, para discutir as conclusões de seu trabalho com representantes do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e da Suzano Papel e Celulose (acesse o texto preliminar do artigo). A seguir, leia a entrevista concedida a Página22 após o debate.
Por que o senhor critica a ausência dos governos em esquemas de governança como o FSC?
O FSC e outras certificações ecológicas são uma decorrência da falta de enfrentamento dos problemas do desmatamento e da produção florestal sustentável pelos governos nacionais. Como vozes críticas vêm argumentando, não temos visto suficiente progresso nos esquemas de governança privada, como o FSC, precisamente porque os governos estão fora desse processo. A governança privada não é suficiente. Precisamos da atuação dos governos para lidar com temas como a ampliação da escala do manejo sustentável e para definir padrões mínimos que possam transformar indústrias inteiras, mais do que mudar pequenos nichos de mercado.
Como os governos poderiam desempenhar papel mais ativo nas diferentes etapas da certificação?
Uma saída seria tornar o FSC a certificação dominante de fato no mercado, com a inclusão dos governos no processo, até mesmo em seu conselho, provendo maior legitimidade à organização. Outra opção seria o estabelecimento pelos governos de padrões mínimos para todas as certificações florestais.
Atualmente, há diferentes fóruns compostos por empresas e ONGs para estabelecer padrões sustentáveis voluntários para algumas cadeias de negócios. Como o senhor vê essas novas formas de governança?
Isso é parte de um processo mais amplo de esquemas de certificações criados para lidar com graves preocupações socioambientais. Pode haver um impacto positivo de curto prazo, mas as questões são tão graves que necessitamos de soluções que sejam implementadas em âmbito nacional e internacional. Mas isso não acontece porque os governos não assumem as suas responsabilidades. São muitas vezes controlados por interesses corporativos e seguem uma ideologia que prega menos governo, menos regulação.
Uma grande parte da certificação FSC é realizada por ONGs sem fins lucrativos, como o Imaflora. Mas o senhor critica o credenciamento de certificadores privados.
Algumas ONGs argumentam que as empresas certificadas dependem muito dos certificadores e estes também dependem delas, que pagam seus serviços. Isso é
um conflito de interesses. Seria muito melhor se o próprio FSC ou outras ONGs sem fins lucrativos fizessem a certificação. Os certificadores deveriam ser agências independentes.
Há ONGs com recursos técnicos e humanos para substituir as certificadoras privadas?
Reconheço que o tema da capacidade técnica é uma questão para as ONGs. Contudo, como algumas organizações mais críticas apontam, a certificação é uma parte muito importante do processo geral do FSC para ser executada por empresas orientadas pelo lucro.
CONTRAPONTO
Secretário do Imaflora diverge de especialista
É inadequado cobrar dos sistemas de certificação uma solução para o problema do desmatamento, opina o engenheiro florestal Maurício Voivodic, secretário-executivo do Imaflora, que foi um dos debatedores no evento na FGV-Eaesp sobre o esquema de governança do FSC com o professor britânico Steffen Boehm. Segundo Voivodic, a certificação florestal foi criada para oferecer opções de produtos sustentáveis ao consumidor. “O fim do desmatamento depende de muitas variáveis, incluindo políticas públicas e mudanças nos hábitos de consumo.”
O dirigente do Imaflora concorda com Boehm quanto à necessidade de aprimorar os mecanismos de controle de qualidade do trabalho das certificadoras. Mas diz que nunca viu evidências de desvio das regras do FSC por parte de certificadoras privadas em virtude da relação econômica com a empresa florestal ao auditar seu sistema de manejo. “O FSC está investindo recursos na melhoria de seus controles de qualidade sobre as certificadoras.”
Seria impossível, assinala o engenheiro florestal, eliminar o credenciamento de certificadoras privadas – com fins lucrativos, o que não é o caso do Imaflora, uma ONG –, dado o aumento expressivo na procura de empresas florestais pelo selo do FSC. “Falta capacidade nas ONGs para atender à demanda por certificação nos cerca de 80 países onde o FSC está hoje presente.” Para o FSC, a maior preocupação é com a qualidade do que faz a empresa certificadora e não se ela tem ou não fins lucrativos.
Sobre os governos, Voivodic esclarece que eles podem participar das assembleias do FSC na condição de observadores. “Não faz sentido incluir governos no conselho do FSC ou lhes conceder poder deliberativo. O FSC foi criado como uma iniciativa da sociedade civil”, lembra o secretário-executivo do Imaflora. Voivodic também analisou o sistema de governança do FSC durante seu mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da USP (Procam), que resultou na dissertação Os desafios da legitimidade em sistemas multissetoriais de governança: uma análise do Forest Stewardship Council (FSC), disponível no site.