O ato de compartilhar é sinérgico e melhora o relacionamento nas organizações e entre elas. Mas seu maior mérito é fazer emergir princípios, valores e capacidades que se espraiam na sociedade e ainda fortalecem as próprias empresas
As folhas grandes e prateadas da embaúba refletem os raios solares, contribuindo para manter o solo sombreado e úmido, ideal à germinação de outras variedades de plantas. De forma generosa, aclimata o solo para que outras plantas, “futuras competidoras”, também tenham a oportunidade de crescer. Começa assim, com colaboração e camaradagem, o processo de regeneração de uma floresta.
[1] A Cecropia pachystachya é uma árvore pioneira das matas secundárias
A forma como o sistema econômico tem evoluído desde a Revolução Industrial aproxima-se mais da teoria da seleção natural de Darwin, em que os mais eficientes prevalecem, do que com o princípio cooperativo da embaúba. Para sobreviver no mercado, as empresas concentram-se em melhorar a capacidade de superar os concorrentes por meio da diferenciação de seus produtos e serviços e da redução de custos, sempre com o objetivo de aumentar sua margem de lucro e disputar posições de liderança no mercado.
No entanto, essa página pode estar começando a ser virada, em decorrência da introdução de temáticas mais complexas na gestão das companhias. Entre elas, a necessidade de superar desafios de rejuvenescimento tecnológico inerentes ao próprio setor, caso das indústrias químicas e farmacêuticas; ou de inserir os vários temas relacionados à sustentabilidade, desde o fornecimento de matérias-primas até o pós-consumo, o que implica mudanças estruturais e de natureza comportamental.
Hannah Jones, vice-presidente de Negócios Sustentáveis e Inovação da Nike Inc., estava certa quando disse em entrevista a Página22, em 2010, que a próxima onda de competitividade global se daria em torno das soluções socioambientais, “que só podem ser alcançadas com o livre trânsito de ideias entre os mais diferentes atores”. Exemplos de competição e colaboração fundidos em uma só estratégia, como previu Hannah, podem ser encontrados hoje por toda parte.
NO MUNDO
Em esfera global, não há um único modelo de enfrentamento desses desafios, mas a ideia do compartilhamento já aparece com alguma frequência em universidades americanas que desempenham papel de protagonismo em pesquisa, desenvolvimento e inovação nas áreas de ponta do conhecimento. Um exemplo notável de como compartilhar conhecimentos para gerar o novo de maneira mais cooperativa encontra-se no MIT Media Lab, laboratório de pesquisas e criação do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês). O laboratório constituiu um modelo inédito de consórcio em que aproximadamente 30 grupos de pesquisa desenvolvem soluções inovadoras em um espaço arquitetônico convidativo à colaboração dos participantes. Para se associarem, as empresas precisam firmar um contrato de compartilhamento de propriedade intelectual.
A Natura é uma das participantes do projeto. As reuniões, segundo Victor Fernandes, diretor de ciência, tecnologia, ideias e conceitos da companhia brasileira, parecem quase uma brincadeira. Por sua arquitetura inspiradora e possibilidade de brincar com o novo e viver o futuro, o espaço é, para ele, um jeito ótimo de colaboração e compartilhamento entre as organizações. “Esses espaços de criação aberta e elaboração de protótipos de maneira lúdica poderiam ser replicados aqui no Brasil. Eles trazem o potencial de cocriar com outras empresas”, conta Fernandes.
Em solo europeu, a Unilever, uma das maiores empresas de bens de consumo do mundo, decidiu tornar pública a sua estratégia de marketing com os cinco passos que usa para envolver consumidores na adoção de hábitos saudáveis e ligados ao consumo consciente em relação aos seus produtos.
Segundo o presidente mundial da empresa, Paul Polman, a decisão de compartilhar dados que seriam mantidos em sigilo em um passado recente nasceu da constatação de que os impactos ambientais positivos serão enormes se a iniciativa for copiada. De acordo com a multinacional anglo-holandesa, estão associados ao consumidor dois terços dos impactos dos gases-estufa ao longo do ciclo de vida dos seus produtos e cerca de metade da pegada hídrica da companhia. “Estamos publicando a nossa abordagem porque, assim, ampliaremos os benefícios do nosso trabalho”, diz Polman.
ESPELHO NA NATUREZA
No Reino Unido, instituições como o Schumacher College estão se valendo da biomimética na formação de profissionais para encontrar soluções para questões socioambientais nos negócios. A biomimética, que significa imitação da natureza, é um método que busca inspiração na dinâmica natural para criar produtos, processos e lidar com situações no mundo corporativo. (Página22 abordou este tema já em 2008, na reportagem “O que a natureza faria?”)
A economista Maria Auxiliadora Moraes Amiden Robinson, diretora de educação da Symnetics Consultoria, passou por lá e aprendeu a enxergar na generosidade da embaúba e na engenhosidade do voo coletivo dos estorninhos da Escócia soluções para tornar mais harmônicos os processos produtivos das empresas. (Mais no vídeo ao lado)
Obter um processo eficiente, desde o recebimento dos insumos até o pós-consumo, é uma busca comum entre as empresas. Mas, na visão da economista, existe aí um paradoxo. Ao mesmo tempo que buscam uma visão sistêmica e harmônica do conjunto de processos, as empresas insistem em estruturas de gestão setorizadas, hierarquizadas e rígidas. “Esse modelo é incompatível com uma visão sistêmica de processo”, argumenta. A biomimética poderia tentar solucionar essa contradição buscando inspiração, por exemplo, no corpo humano, que opera uma sequência incalculável de processos ininterruptos na base do compartilhamento e da confiança.
“A célula do coração não se considera mais importante do que a célula do rim. Todas trabalham igualmente com o propósito de manter a vida, sem nenhuma lógica hierárquica”, explica Robinson. Enquanto isso, o tempo e o dinheiro gastos nas empresas com reuniões quase sempre infrutíferas para mediar conflitos gerados por ruídos na comunicação não são sequer valorados, pois já estão incorporados à rotina.
NO BRASIL
Se compartilhassem mais suas experiências empresariais, as organizações brasileiras aumentariam muito a diversidade de competências e, talvez, conseguiriam melhorar a qualidade da produção. No entanto, é difícil imaginar que gigantes que concorrem acirradamente em seus setores, como Natura e O Boticário, Vivo e Oi, Ecovias e Ecofrotas, Itaú e Bradesco, se reuniriam para confidenciar projetos estratégicos desenvolvidos sob sigilo. Mas… acredite: isso já acontece aqui no Brasil.
Profissionais de média e alta gerência dessas e de outras organizações encontram-se periodicamente para compartilhar suas iniciativas de gestão de emissões de gases de efeito estufa (GEE) em workshops promovidos pela plataforma Empresas pelo Clima (EPC), no Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV-Eaesp (GVces), em São Paulo.
“Como temos uma característica de contexto temático, somos como parênteses no cotidiano competitivo a que esses grupos estão acostumados”, afirma a coordenadora da plataforma EPC, Mariana Xavier Nicolletti. “Aqui, o que conta é o ganho pela cooperação”, reforça. Quando retornam às suas rotinas de trabalho, esses profissionais levam consigo, além de um modelo aperfeiçoado de gestão dos GEE, a crença de que situações de ganha-ganha são possíveis entre competidores. O objetivo desses encontros promovidos pela EPC e demais plataformas empresariais do GVces é construir, a partir da criação de metodologias, ferramentas e processos, de modo cooperativo e posteriormente atribuir a esses produtos uma dimensão de bem público. Para Paulo Branco, coordenador do Programa de Inovação na Criação de Valor do GVces, o tema da sustentabilidade na cadeia produtiva, de fato, insere todos – competidores ou não – em um patamar onde há muitos consensos possíveis.
Afinal, quem não gostaria de viver em um mundo mais justo e equilibrado? Ou quem não gostaria de poder contribuir para isso? Além disso, alguns desafios têm se mostrando extremamente complexos e, individualmente, as empresas não conseguiriam endereçá-los.
A logística reversa de produtos que requerem descarte ambientalmente adequado é um desses desafios em que o consenso entre empresas concorrentes, mais do que possível, é fundamental. Além do porte da operação logística em si, há que se vencer a dimensão territorial brasileira e seus graves problemas de mobilidade.
O setor de pilhas, por exemplo, já trabalha com responsabilidade compartilhada na operação de logística reversa para o cumprimento da Resolução 401 do Conama e da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei no 12.305/2010). “Nesse caso, posso dizer com tranquilidade que o compartilhamento entre as organizações viabilizou operacional e financeiramente todo o processo”, conta Ademir Brescansin, gerente de responsabilidade socioambiental da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). (leia mais sobre a logística reversa do setor de eletroeletrônicos em “Destino incerto”)
No total, quatro fabricantes e 12 importadoras compartilham o desafio de coletar pilhas usadas no País, com apoio institucional da Abinee. O programa, batizado de Abinee Recebe Pilhas, foi implementado no início do ano passado e tem quatro etapas: coleta, logística, triagem e destinação. Os supermercados Pão de Açúcar e Carrefour, que no mercado disputam a preferência dos consumidores, são ambos importadores de pilhas e têm um papel fundamental no programa. Suas lojas são os principais pontos de coleta de pilhas usadas – no ano passado foram recolhidas cerca de 120 toneladas de pilhas. O reaproveitamento é total.
Elas são moídas, passam por um processo de calcinação a 1.300 graus e geram dois subprodutos: sal metálico, matéria-prima para metalurgia, e óxido metálico, um corante usado em pisos, azulejos e louças sanitárias. O único do gargalo do programa é a dificuldade de envolver 100% dos consumidores de pilhas na campanha.
FOMENTAR A CONCORRÊNCIA
Há situações em que fomentar a concorrência pode até ser compensador para o negócio e, nesse caso, compartilhamento pode virar estratégia. A Atina Ativos Naturais é uma fornecedora sustentável de alfa-bisabolol natural, um princípio ativo anti-inflamatório da cadeia de matérias-primas de produtos de beleza e farmacêuticos. Para obter a substância, é preciso extrair árvores da espécie candeia, que na natureza ocorrem em algumas regiões de Minas Gerais.
Mas a Atina planta suas próprias florestas em Pouso Alegre (MG) e oferece no mercado o alfa-bisabolol certificado, que custa mais caro que o dos concorrentes que derrubam candeias nativas ou que trabalham com produtos sintéticos.
Hoje, os clientes da Atina no Brasil são Natura e O Boticário, os únicos dispostos a pagar um pouco mais caro para ter em sua cadeia de insumos um produto de maior pureza, natural e de procedência sustentável. A diretora-executiva da Atina, Cristina Saiani, crê que, se houvesse concorrentes trabalhando no mercado certificado, todos teriam uma estrutura de custos mais ou menos semelhante, de modo que os preços finais convergiriam a um patamar mais equilibrado – sem contar os enormes benefícios que isso traria para o meio ambiente.
Cristina diz que já propôs a concorrentes que trabalham com extração ilegal de candeia o compartilhamento de seu processo sustentável de produção certificada. Mas ninguém despertou ainda para essa oportunidade.[:en]O ato de compartilhar é sinérgico e melhora o relacionamento nas organizações e entre elas. Mas seu maior mérito é fazer emergir princípios, valores e capacidades que se espraiam na sociedade e ainda fortalecem as próprias empresas
As folhas grandes e prateadas da embaúba refletem os raios solares, contribuindo para manter o solo sombreado e úmido, ideal à germinação de outras variedades de plantas. De forma generosa, aclimata o solo para que outras plantas, “futuras competidoras”, também tenham a oportunidade de crescer. Começa assim, com colaboração e camaradagem, o processo de regeneração de uma floresta.
[1] A Cecropia pachystachya é uma árvore pioneira das matas secundárias
A forma como o sistema econômico tem evoluído desde a Revolução Industrial aproxima-se mais da teoria da seleção natural de Darwin, em que os mais eficientes prevalecem, do que com o princípio cooperativo da embaúba. Para sobreviver no mercado, as empresas concentram-se em melhorar a capacidade de superar os concorrentes por meio da diferenciação de seus produtos e serviços e da redução de custos, sempre com o objetivo de aumentar sua margem de lucro e disputar posições de liderança no mercado.
No entanto, essa página pode estar começando a ser virada, em decorrência da introdução de temáticas mais complexas na gestão das companhias. Entre elas, a necessidade de superar desafios de rejuvenescimento tecnológico inerentes ao próprio setor, caso das indústrias químicas e farmacêuticas; ou de inserir os vários temas relacionados à sustentabilidade, desde o fornecimento de matérias-primas até o pós-consumo, o que implica mudanças estruturais e de natureza comportamental.
Hannah Jones, vice-presidente de Negócios Sustentáveis e Inovação da Nike Inc., estava certa quando disse em entrevista a Página22, em 2010, que a próxima onda de competitividade global se daria em torno das soluções socioambientais, “que só podem ser alcançadas com o livre trânsito de ideias entre os mais diferentes atores”. Exemplos de competição e colaboração fundidos em uma só estratégia, como previu Hannah, podem ser encontrados hoje por toda parte.
NO MUNDO
Em esfera global, não há um único modelo de enfrentamento desses desafios, mas a ideia do compartilhamento já aparece com alguma frequência em universidades americanas que desempenham papel de protagonismo em pesquisa, desenvolvimento e inovação nas áreas de ponta do conhecimento. Um exemplo notável de como compartilhar conhecimentos para gerar o novo de maneira mais cooperativa encontra-se no MIT Media Lab, laboratório de pesquisas e criação do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês). O laboratório constituiu um modelo inédito de consórcio em que aproximadamente 30 grupos de pesquisa desenvolvem soluções inovadoras em um espaço arquitetônico convidativo à colaboração dos participantes. Para se associarem, as empresas precisam firmar um contrato de compartilhamento de propriedade intelectual.
A Natura é uma das participantes do projeto. As reuniões, segundo Victor Fernandes, diretor de ciência, tecnologia, ideias e conceitos da companhia brasileira, parecem quase uma brincadeira. Por sua arquitetura inspiradora e possibilidade de brincar com o novo e viver o futuro, o espaço é, para ele, um jeito ótimo de colaboração e compartilhamento entre as organizações. “Esses espaços de criação aberta e elaboração de protótipos de maneira lúdica poderiam ser replicados aqui no Brasil. Eles trazem o potencial de cocriar com outras empresas”, conta Fernandes.
Em solo europeu, a Unilever, uma das maiores empresas de bens de consumo do mundo, decidiu tornar pública a sua estratégia de marketing com os cinco passos que usa para envolver consumidores na adoção de hábitos saudáveis e ligados ao consumo consciente em relação aos seus produtos.
Segundo o presidente mundial da empresa, Paul Polman, a decisão de compartilhar dados que seriam mantidos em sigilo em um passado recente nasceu da constatação de que os impactos ambientais positivos serão enormes se a iniciativa for copiada. De acordo com a multinacional anglo-holandesa, estão associados ao consumidor dois terços dos impactos dos gases-estufa ao longo do ciclo de vida dos seus produtos e cerca de metade da pegada hídrica da companhia. “Estamos publicando a nossa abordagem porque, assim, ampliaremos os benefícios do nosso trabalho”, diz Polman.
ESPELHO NA NATUREZA
No Reino Unido, instituições como o Schumacher College estão se valendo da biomimética na formação de profissionais para encontrar soluções para questões socioambientais nos negócios. A biomimética, que significa imitação da natureza, é um método que busca inspiração na dinâmica natural para criar produtos, processos e lidar com situações no mundo corporativo. (Página22 abordou este tema já em 2008, na reportagem “O que a natureza faria?”)
A economista Maria Auxiliadora Moraes Amiden Robinson, diretora de educação da Symnetics Consultoria, passou por lá e aprendeu a enxergar na generosidade da embaúba e na engenhosidade do voo coletivo dos estorninhos da Escócia soluções para tornar mais harmônicos os processos produtivos das empresas. (Mais no vídeo ao lado)
Obter um processo eficiente, desde o recebimento dos insumos até o pós-consumo, é uma busca comum entre as empresas. Mas, na visão da economista, existe aí um paradoxo. Ao mesmo tempo que buscam uma visão sistêmica e harmônica do conjunto de processos, as empresas insistem em estruturas de gestão setorizadas, hierarquizadas e rígidas. “Esse modelo é incompatível com uma visão sistêmica de processo”, argumenta. A biomimética poderia tentar solucionar essa contradição buscando inspiração, por exemplo, no corpo humano, que opera uma sequência incalculável de processos ininterruptos na base do compartilhamento e da confiança.
“A célula do coração não se considera mais importante do que a célula do rim. Todas trabalham igualmente com o propósito de manter a vida, sem nenhuma lógica hierárquica”, explica Robinson. Enquanto isso, o tempo e o dinheiro gastos nas empresas com reuniões quase sempre infrutíferas para mediar conflitos gerados por ruídos na comunicação não são sequer valorados, pois já estão incorporados à rotina.
NO BRASIL
Se compartilhassem mais suas experiências empresariais, as organizações brasileiras aumentariam muito a diversidade de competências e, talvez, conseguiriam melhorar a qualidade da produção. No entanto, é difícil imaginar que gigantes que concorrem acirradamente em seus setores, como Natura e O Boticário, Vivo e Oi, Ecovias e Ecofrotas, Itaú e Bradesco, se reuniriam para confidenciar projetos estratégicos desenvolvidos sob sigilo. Mas… acredite: isso já acontece aqui no Brasil.
Profissionais de média e alta gerência dessas e de outras organizações encontram-se periodicamente para compartilhar suas iniciativas de gestão de emissões de gases de efeito estufa (GEE) em workshops promovidos pela plataforma Empresas pelo Clima (EPC), no Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV-Eaesp (GVces), em São Paulo.
“Como temos uma característica de contexto temático, somos como parênteses no cotidiano competitivo a que esses grupos estão acostumados”, afirma a coordenadora da plataforma EPC, Mariana Xavier Nicolletti. “Aqui, o que conta é o ganho pela cooperação”, reforça. Quando retornam às suas rotinas de trabalho, esses profissionais levam consigo, além de um modelo aperfeiçoado de gestão dos GEE, a crença de que situações de ganha-ganha são possíveis entre competidores. O objetivo desses encontros promovidos pela EPC e demais plataformas empresariais do GVces é construir, a partir da criação de metodologias, ferramentas e processos, de modo cooperativo e posteriormente atribuir a esses produtos uma dimensão de bem público. Para Paulo Branco, coordenador do Programa de Inovação na Criação de Valor do GVces, o tema da sustentabilidade na cadeia produtiva, de fato, insere todos – competidores ou não – em um patamar onde há muitos consensos possíveis.
Afinal, quem não gostaria de viver em um mundo mais justo e equilibrado? Ou quem não gostaria de poder contribuir para isso? Além disso, alguns desafios têm se mostrando extremamente complexos e, individualmente, as empresas não conseguiriam endereçá-los.
A logística reversa de produtos que requerem descarte ambientalmente adequado é um desses desafios em que o consenso entre empresas concorrentes, mais do que possível, é fundamental. Além do porte da operação logística em si, há que se vencer a dimensão territorial brasileira e seus graves problemas de mobilidade.
O setor de pilhas, por exemplo, já trabalha com responsabilidade compartilhada na operação de logística reversa para o cumprimento da Resolução 401 do Conama e da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei no 12.305/2010). “Nesse caso, posso dizer com tranquilidade que o compartilhamento entre as organizações viabilizou operacional e financeiramente todo o processo”, conta Ademir Brescansin, gerente de responsabilidade socioambiental da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). (leia mais sobre a logística reversa do setor de eletroeletrônicos em “Destino incerto”)
No total, quatro fabricantes e 12 importadoras compartilham o desafio de coletar pilhas usadas no País, com apoio institucional da Abinee. O programa, batizado de Abinee Recebe Pilhas, foi implementado no início do ano passado e tem quatro etapas: coleta, logística, triagem e destinação. Os supermercados Pão de Açúcar e Carrefour, que no mercado disputam a preferência dos consumidores, são ambos importadores de pilhas e têm um papel fundamental no programa. Suas lojas são os principais pontos de coleta de pilhas usadas – no ano passado foram recolhidas cerca de 120 toneladas de pilhas. O reaproveitamento é total.
Elas são moídas, passam por um processo de calcinação a 1.300 graus e geram dois subprodutos: sal metálico, matéria-prima para metalurgia, e óxido metálico, um corante usado em pisos, azulejos e louças sanitárias. O único do gargalo do programa é a dificuldade de envolver 100% dos consumidores de pilhas na campanha.
FOMENTAR A CONCORRÊNCIA
Há situações em que fomentar a concorrência pode até ser compensador para o negócio e, nesse caso, compartilhamento pode virar estratégia. A Atina Ativos Naturais é uma fornecedora sustentável de alfa-bisabolol natural, um princípio ativo anti-inflamatório da cadeia de matérias-primas de produtos de beleza e farmacêuticos. Para obter a substância, é preciso extrair árvores da espécie candeia, que na natureza ocorrem em algumas regiões de Minas Gerais.
Mas a Atina planta suas próprias florestas em Pouso Alegre (MG) e oferece no mercado o alfa-bisabolol certificado, que custa mais caro que o dos concorrentes que derrubam candeias nativas ou que trabalham com produtos sintéticos.
Hoje, os clientes da Atina no Brasil são Natura e O Boticário, os únicos dispostos a pagar um pouco mais caro para ter em sua cadeia de insumos um produto de maior pureza, natural e de procedência sustentável. A diretora-executiva da Atina, Cristina Saiani, crê que, se houvesse concorrentes trabalhando no mercado certificado, todos teriam uma estrutura de custos mais ou menos semelhante, de modo que os preços finais convergiriam a um patamar mais equilibrado – sem contar os enormes benefícios que isso traria para o meio ambiente.
Cristina diz que já propôs a concorrentes que trabalham com extração ilegal de candeia o compartilhamento de seu processo sustentável de produção certificada. Mas ninguém despertou ainda para essa oportunidade.