Na tramitação do “Novo Código Florestal”, ficou evidente a ampla, geral e irrestrita ignorância sobre o papel da biodiversidade para os interesses de longo prazo
A Lei no 12.651/12, que revogou o Novo Código Florestal de 1965, poderá ser tão prejudicial ao futuro do Brasil quanto foi a Lei de Terras de 1850. Por isso, é fundamental tirar lições do processo sociopolítico que engendrou resultado tão absurdo, o que certamente exigirá sistemático esforço analítico coletivo em 2013.
Para que a causa do desenvolvimento sustentável possa avançar, urge que uma coalizão de organizações socioambientais tome a iniciativa de propor a constituição de um grupo de reflexão composto de analistas de quatro segmentos: o científico, o jurídico, o empresarial e o do Terceiro Setor. São esses os quatro vetores-chave dos quais depende a preparação de um possível e desejável resgate em 2014.
Das muitas perguntas que certamente entrarão nos termos de referência para o trabalho de um grupo com esse perfil, há ao menos duas que já merecem prévio destaque: a) o que fazer para melhorar o entendimento público sobre o estratégico papel da biodiversidade? e b) o que fazer para desconstruir a profunda confusão cognitiva dominante entre produção agroalimentar e propriedade fundiária?
Nos três anos de tramitação legislativa da proposta de revogação do Novo Código Florestal, nada ficou mais evidente do que a ampla, geral e irrestrita ignorância sobre o papel da biodiversidade para os interesses de longo prazo, tanto da sociedade brasileira em seu conjunto como, com ainda mais razão, dos empreendedores em agronegócios.
É claro que o propósito de legitimar a recente ocupação devastadora do Centro-Oeste, da Pré-Amazônia e do Oeste Baiano é absolutamente racional para a minoria de grandes proprietários de terras nessas regiões. O problema é que a ocupação só foi viabilizada porque eles conquistaram o decisivo apoio da esmagadora maioria dos produtores agrícolas. Que, ironicamente, reproduziram a cegueira estratégica de seus nobres antecessores. Vantagens de curto prazo no mercado imobiliário rural os incitaram a aniquilar grandes oportunidades de êxito para as próximas gerações de empreendedores agrícolas.
Muito pior: o conjunto do mundo empresarial foi incapaz de perceber que essa vitória de imediatistas interesses patrimoniais contra a serena prudência ecológica exigida pelos mais legítimos interesses produtivos conseguiu amputar grande parte das vantagens competitivas que a economia brasileira poderia obter na segunda metade deste século.
Como o empresariado brasileiro pode ser tudo menos tacanho, a explicação talvez esteja em possível “rabo preso” com os interesses da propriedade imobiliária rural. Mas esta é tão somente uma verossímil hipótese, que precisa ser investigada pelo proposto trabalho analítico coletivo. Por mais que já tenha sido confirmada para o caso da chamada “classe política”, como evidencia o livro do jornalista Alceu Luís Castilho, intitulado Partido da Terra (ed. Contexto, 2012).
A segunda arguição, que, desde já, também deve ser destacada, refere-se mais a essa elite burocrática que tanto contribuiu aos grandes sucessos de 18 anos de governos de coalizões conduzidas por tucanos e lulistas, mas que levou a nossa querida presidenta Dilma a manchar sua heroica trajetória de dedicação aos interesses dos brasileiros menos favorecidos ao assumir um dos mais graves retrocessos da História da República.
O encantamento do governo e de uma grande fatia de sua base parlamentar pela tese que recebeu o apelido de “escadinha” ignora a imensa disparidade que existe entre os estratos de tamanho de estabelecimentos produtivos e aqueles da categoria que foi a preferida pela lei: os imóveis rurais. Com isso, saiu pela culatra a boa intenção de flexibilizar as regras de conservação das APP (Áreas de Preservação Permanente) em favor dos pequenos e médios produtores, pois não faz parte do setor produtivo um bom pedaço da área dos pequenos e médios imóveis rurais. Erro crasso que muito inchará a bolha do mercado imobiliário rural. Pior: induzindo a brutal redução da fertilidade desses solos, em decorrência da agora legalíssima aceleração da perda de biodiversidade.
Esses são apenas dois exemplos das indagações que merecem intensa reflexão do campo da sustentabilidade. Sem entender melhor as razões de tremendo contrassenso histórico, será impossível evitar mais atentados similares à ampliação das oportunidades de desenvolvimento sustentável para as próximas gerações. Sem isso, impossível alcançar qualquer tipo de remissão. Em 2014 ou depois.
*José Eli da Veiga é professor dos Programas de Pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP e (IRI/USO) do do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ)
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Na tramitação do “Novo Código Florestal”, ficou evidente a ampla, geral e irrestrita ignorância sobre o papel da biodiversidade para os interesses de longo prazo
A Lei no 12.651/12, que revogou o Novo Código Florestal de 1965, poderá ser tão prejudicial ao futuro do Brasil quanto foi a Lei de Terras de 1850. Por isso, é fundamental tirar lições do processo sociopolítico que engendrou resultado tão absurdo, o que certamente exigirá sistemático esforço analítico coletivo em 2013.
Para que a causa do desenvolvimento sustentável possa avançar, urge que uma coalizão de organizações socioambientais tome a iniciativa de propor a constituição de um grupo de reflexão composto de analistas de quatro segmentos: o científico, o jurídico, o empresarial e o do Terceiro Setor. São esses os quatro vetores-chave dos quais depende a preparação de um possível e desejável resgate em 2014.
Das muitas perguntas que certamente entrarão nos termos de referência para o trabalho de um grupo com esse perfil, há ao menos duas que já merecem prévio destaque: a) o que fazer para melhorar o entendimento público sobre o estratégico papel da biodiversidade? e b) o que fazer para desconstruir a profunda confusão cognitiva dominante entre produção agroalimentar e propriedade fundiária?
Nos três anos de tramitação legislativa da proposta de revogação do Novo Código Florestal, nada ficou mais evidente do que a ampla, geral e irrestrita ignorância sobre o papel da biodiversidade para os interesses de longo prazo, tanto da sociedade brasileira em seu conjunto como, com ainda mais razão, dos empreendedores em agronegócios.
É claro que o propósito de legitimar a recente ocupação devastadora do Centro-Oeste, da Pré-Amazônia e do Oeste Baiano é absolutamente racional para a minoria de grandes proprietários de terras nessas regiões. O problema é que a ocupação só foi viabilizada porque eles conquistaram o decisivo apoio da esmagadora maioria dos produtores agrícolas. Que, ironicamente, reproduziram a cegueira estratégica de seus nobres antecessores. Vantagens de curto prazo no mercado imobiliário rural os incitaram a aniquilar grandes oportunidades de êxito para as próximas gerações de empreendedores agrícolas.
Muito pior: o conjunto do mundo empresarial foi incapaz de perceber que essa vitória de imediatistas interesses patrimoniais contra a serena prudência ecológica exigida pelos mais legítimos interesses produtivos conseguiu amputar grande parte das vantagens competitivas que a economia brasileira poderia obter na segunda metade deste século.
Como o empresariado brasileiro pode ser tudo menos tacanho, a explicação talvez esteja em possível “rabo preso” com os interesses da propriedade imobiliária rural. Mas esta é tão somente uma verossímil hipótese, que precisa ser investigada pelo proposto trabalho analítico coletivo. Por mais que já tenha sido confirmada para o caso da chamada “classe política”, como evidencia o livro do jornalista Alceu Luís Castilho, intitulado Partido da Terra (ed. Contexto, 2012).
A segunda arguição, que, desde já, também deve ser destacada, refere-se mais a essa elite burocrática que tanto contribuiu aos grandes sucessos de 18 anos de governos de coalizões conduzidas por tucanos e lulistas, mas que levou a nossa querida presidenta Dilma a manchar sua heroica trajetória de dedicação aos interesses dos brasileiros menos favorecidos ao assumir um dos mais graves retrocessos da História da República.
O encantamento do governo e de uma grande fatia de sua base parlamentar pela tese que recebeu o apelido de “escadinha” ignora a imensa disparidade que existe entre os estratos de tamanho de estabelecimentos produtivos e aqueles da categoria que foi a preferida pela lei: os imóveis rurais. Com isso, saiu pela culatra a boa intenção de flexibilizar as regras de conservação das APP (Áreas de Preservação Permanente) em favor dos pequenos e médios produtores, pois não faz parte do setor produtivo um bom pedaço da área dos pequenos e médios imóveis rurais. Erro crasso que muito inchará a bolha do mercado imobiliário rural. Pior: induzindo a brutal redução da fertilidade desses solos, em decorrência da agora legalíssima aceleração da perda de biodiversidade.
Esses são apenas dois exemplos das indagações que merecem intensa reflexão do campo da sustentabilidade. Sem entender melhor as razões de tremendo contrassenso histórico, será impossível evitar mais atentados similares à ampliação das oportunidades de desenvolvimento sustentável para as próximas gerações. Sem isso, impossível alcançar qualquer tipo de remissão. Em 2014 ou depois.
*José Eli da Veiga é professor dos Programas de Pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP e (IRI/USO) do do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ)