O movimento Occupy – que começou com a ocupação de Wall Street há pouco mais de um ano – desapareceu das manchetes de jornais mas não está morto. Uma de suas mais recentes encarnações anda chamando a atenção: uma campanha para comprar, com desconto, dívidas de indivíduos inadimplentes e perdoá-las.
“Dívida é o que une os 99%, de recém-formados que todos os meses pagam centenas de dólares em juros sobre empréstimos estudantis a idosos cujas propriedades valem menos do que suas hipotecas, a professores e bombeiros cujos salários são cortados porque suas cidades estão quebradas, a países que precisam reduzir orçamentos escolares e hospitalares para pagar detentores de bônus”, diz a Strike Debt, uma coalizão de grupos do Occupy por trás da campanha.
A Strike Debt organizou em 15 de novembro o “Resgate do Povo”, um show de música e entretenimento em Nova York, para levantar recursos para a campanha. Os ingressos esgotaram-se dias antes do evento e o Strike Debt informava que quem pagasse $ 25 estaria contribuindo para abolir cerca de $500 em dívidas. Se o pagante quisesse contribuir com $ 250 estaria ajudando a extinguir dívidas no valor de $ 5000. A meta do evento era levantar $ 50 mil para cancelar dívidas no total de $ 1 milhão.
A dívida total dos consumidores americanos está em torno de US$ 2,74 trilhões, enquanto a dívida das famílias – que inclui hipotecas e empréstimos estudantis – ronda os US$ 13 trilhões, quase um PIB nacional. Segundo a Strike Debt, 77,5% das famílias americanas estão endividadas.
Quando um consumidor ou uma família não consegue pagar e se torna inadimplente, os bancos vendem duplicatas para terceiros, cobrando apenas alguns centavos por dólar. Em geral, esses terceiros são coletores de dívida que vão atrás do tomador para recuperar o montante original.
A Strike Debt, ao contrário, pretende usar o dinheiro arrecadado no “Resgate do Povo” e com doações pela internet para comprar dos bancos dívidas vencidas com o objetivo de perdoar os tomadores. Os beneficiados serão informados por carta de que suas dívidas foram perdoadas e receberão o Manual de Operações da Resistência à Dívida, que oferece “táticas para entender e lutar contra o sistema de endividamento”.
A redução do alto endividamento das famílias americanas é vista como peça-chave para a recuperação econômica após a crise financeira iniciada em 2007 com o estouro da bolha imobiliária. Contraditoriamente, os esforços do governo para que a economia volte a crescer centram-se em facilitar o crédito para esquentar o consumo.
Enquanto a campanha da Strike Debt foi bem recebida em locais insuspeitados, como a revista Forbes, há quem considere a iniciativa como uma instância de “ativismo populista” que corre o risco de ser visto como caridade em vez de gerar mobilização política contra problemas maiores na sociedade.
A questão do endividamento, enfatiza a Strike Debt, ocorre no contexto de um sistema que desmantela os bens públicos e os substitui com arranjos privados que beneficiam poucos. “Acreditamos que as pessoas não devem se endividar para satisfazer necessidades básicas como educação, saúde e moradia”, diz a organização.
A Strike Debt não está sozinha em centrar fogo no sistema financeiro, em particular na questão do endividamento. Na Inglaterra, a campanha Positive Money chama atenção para o fato de que 97% do dinheiro em circulação no mundo hoje existe na forma de dívidas emitidas pelos bancos comerciais.
“Só ao compreender a natureza do dinheiro é que começaremos a ser capazes de lidar com os urgentes problemas econômicos, sociais e ambientais que enfrentamos hoje”, diz um dos slogans da Positive Money, que defende o fim do sistema bancário de reservas fracionadas.