Todo mês de novembro na Austrália começam a aparecer bigodes por toda a parte. Há quase seis anos, quando cheguei por aqui, achei que era uma coincidência que tantos homens curtiam um bigode, mas com o tempo e a imersão na cultura local percebi que se trata de um evento relevante para os australianos.
É o Movember, um movimento para elevar a consciência sobre assuntos de saúde masculina – especificamente o câncer de próstata e a depressão – e arrecadar fundos para educação e pesquisa.
No começo de novembro, rapazes, homens e senhores se inscrevem, de cara limpa, para participar do Movember – junção de moustache e November – e começam a deixar crescer o bigode. A ideia é cultivar um bigode frondoso ou extravagante para atrair o máximo em doações.
O dinheiro arrecadado vai para a Movember Foundation, que financia iniciativas de apoio a homens – e suas famílias – afetados por câncer de próstata e depressão, além de encorajar mais conversa, compreensão e pesquisa sobre estes tópicos. No final de novembro, os participantes organizam festas para exibir seus bigodes e celebrar os resultados da campanha.
A ideia do Movember nasceu em 2003 com um grupo de amigos em Melbourne que, ao praticar a mais australiana das atividades – tomar cerveja no pub –, comentava o fato de os bigodes terem saído de moda. Dois deles decidiram convencer seus amigos a deixar crescer o bigode e, inspirados pela mãe de um conhecido que arrecadava fundos para a pesquisa sobre o câncer de mama, optaram por associar o desafio à saúde masculina.
Desde então, a iniciativa cresceu e se tornou global. Esse ano, houve campanhas de Movember em mais de 20 países. O líder em arrecadação de recursos foi o Canadá, com mais de 30,6 milhões de dólares australianos. A Austrália ficou em terceiro lugar, com quase 21 milhões de dólares australianos.
Em geral, o estado de saúde dos homens australianos é pior do que das mulheres, em especial nos cantos mais remotos do país e entre as populações tradicionais. Os homens tendem a usar menos os serviços de saúde e demoram a buscar assistência médica. Eles passam menos tempo com o médico do que as mulheres e, como um todo, recebem menos orientação. Quando usam os serviços de saúde, tendem a focar em questões físicas e raramente discutem problemas mentais ou emocionais.
O Movember trata da questão de uma maneira divertida, mas bem masculina – um belo bigode. E não é a única iniciativa pela saúde masculina na Austrália. Outra é um movimento de base chamado Men’s Sheds, que oferece locais para que homens – em geral mais velhos, aposentados ou desempregados, com pouca educação e vindos das camadas sócio-econômicas menos privilegiadas – façam atividades em conjunto.
As Men’s Shed nasceram espontaneamente ao redor da Austrália para dar conta da perda de um espaço importante para os homens, a shed – galpão ou garagem no quintal das casas em que os homens consertam coisas e escapam das pressões do dia-a-dia e da família. Com a maior densidade nas cidades e a pressão do setor imobiliário, cada vez menos há espaço para a shed nos quintais. Desde os anos 90 começaram a surgir sheds comunitárias para que os homens desfrutem da companhia de outros e mantenham-se física e mentalmente ativos. Hoje há mais de mil Men’s Shed ao redor do país.
Um estudo mostrou que os benefícios para os homens que participam de uma shed incluem mais auto-estima e amizades e menos isolamento, além de um renovado sentido para a vida. Por causa de seu efeito benéfico para a saúde masculina, as Men’s Shed hoje recebem ajuda direta do governo federal.
As Men’s Shed funcionam também como laboratórios de onde saem os mais diversos produtos. Na Tasmânia, por exemplo, os membros de uma Men’s Shed transformaram uma velha máquina de lavar roupa em uma turbina para a geração de energia eólica.