O desempregado do Velho Continente ainda raciocina como se não estivesse à beira da exclusão social
Enquanto os brasileiros comemoram (como sempre com certo exagero [1] ) a chamada ascensão social rumo à criação de um país da classe média, na Europa, o temor é de que esteja surgindo uma nova classe: a classe média desempregada.
[1] No Brasil, considera-se como classe média (ou classe C) quem tem renda familiar acima de R$ 1.539. Quem tiver renda superior a R$ 4.345 é considerado classe AB. Esse critério exclusivamente econômico me parece insuficiente para marcar as diferentes classes sociais
A capacidade das populações grega, espanhola ou portuguesa de suportar cortes sociais está à beira de um esgotamento. A mobilização do dia 14 de novembro, data marcada para uma greve “ibérica”, atingiu setores da França, Itália, chegando à Bélgica. E, claro, à Grécia.
O objetivo dos organizadores do chamado “gran paro ibérico” era imobilizar pelo menos os dois países da Península. A adesão foi enorme, mas não chegou a atingir todos os que reclamam das medidas de austeridade. Entrevistado por uma agência internacional, um cidadão português reagiu: “Como posso parar o país? Eu estou parado há quase um ano”.
Assim, o maior esforço dos que estimularam a greve foi dirigido a quem tinha uma forma de subsistência, ou seja, aqueles que ainda tinham um emprego. No geral, são funcionários públicos, pensionistas do governo ou indivíduos que muitas vezes mantêm seus cargos nas grandes corporações em razão dos subsídios que elas recebem.
Enfim, foi uma greve de quem ainda tem algo a perder. E isso graças ao Estado. Na atual crise, o desempregado europeu é uma figura totalmente diversa do tradicional operário com as mãos sujas de graxa. Ele pode ser (ou ter sido) um cidadão classe média, seu nível de formação é alto, já pode ter ocupado cargos de responsabilidade e, claro, jamais cogitou a hipótese que essa situação fosse ocorrer com ele.
Ele ainda raciocina como se não estivesse à beira da exclusão social. Recorda-se que até pouco tempo se comovia ao ver um engenheiro ucraniano limpando um bar em Madri. Para os sindicatos, no entanto, continua sendo um estranho, um “colarinho-branco”. Não o consideram um “companheiro”.
O governo, por sua vez, já percebeu que seu nível de violência é pequeno, que não é um extremista, que não invadirá o Parlamento. Mesmo mal alimentado, dificilmente saqueará um supermercado.
Esse novo tipo de desempregado repete sempre, com amargura, que durante anos pagou seus impostos em dia, contribuiu para a previdência social e, agora, é visto com escárnio pelos que dizem “se pagou muito é porque tinha muito”.
Talvez tivesse, realmente. Na Espanha, a Justiça suspendeu a retomada dos imóveis por parte de compradores inadimplentes. Gente da classe média. A lei do financiamento de imóveis é de 1909. Graças a ela, 400 mil famílias perderam suas casas para os bancos e as financeiras, desde 2007. Grande parte desses imóveis continua desocupada. Em janeiro, a Corte Suprema promete se manifestar sobre o assunto, que tem provocado inclusive suicídios de pessoas que imaginavam, pelo menos, ter um teto para se abrigar.
Enfim, sobreviver na Europa está cada vez mais complicado. E não apenas nos países mais atingidos pela crise. Na Alemanha, por exemplo, que se orgulha de índices de desemprego bem modestos (em torno de 5% ante 25% da recordista Espanha), está se tornando cada vez mais comum um novo tipo de exportação. O de velhos.
Isso mesmo. Alemães da classe média descobriram uma fórmula original de economizar. Estão exportando seus velhos. Uma velhinha, para ter um tratamento classe A num asilo alemão, custa entre 2.900 a 3.000 euros (em torno de R$ 8 mil), alimentação incluída. Na Eslováquia ou na Polônia, um atendimento semelhante – nunca igual ao alemão, claro – sai por 1.100 euros.
Os velhinhos e velhinhas ficam a mil quilômetros das suas casas, mas a distância não parece ser um problema. Há asilos confortáveis, alguns dirigidos por alemães, no sul da Espanha, na Itália, nas Ilhas Canárias ou na de Lanzarote, onde viveu e morreu o escritor José Saramago. O clima mais ameno no inverno de certa forma compensa a solidão e o distanciamento dos familiares.
O que sugere que poderíamos ter verdadeiras colônias de alemães por todo o Nordeste brasileiro. Teríamos para oferecer um produto raro na Europa, o sol permanente. Um elemento que só traz benefícios aos idosos. Sem falar, é claro, na possibilidade de algum vovozinho se arranjar com uma afro-brasileira cheia de dengo. Ou vice-versa, ao contrário.
*Tão Gomes Pinto é jornalista, foi um dos fundadores do Jornal da Tarde e trabalhou nas revistas Veja, Isto É e Manchete