Entrevista com Maria Julia Oliva, assessora-sênior da União para o Biocomércio Ético (UEBT
A ratificação do Protocolo de Nagoya pela Índia em outubro durante a 11a Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP 11) foi de grande relevância política, avalia Maria Julia Oliva, assessora-sênior da União para o Biocomércio Ético (UEBT). A adesão poderá acelerar sua ratificação por outros países fundamentais no tema do acesso aos recursos genéticos e repartição de benefícios (ABS). Nagoya precisa de 50 ratificações para entrar em vigor, o que é previsto para 2015 – nove países já o fizeram. Especialista em ABS, Maria Julia falou a Página22.
Como o Protocolo de Nagoya poderá ajudar as empresas a utilizar recursos genéticos sem cair na zona de perigo da biopirataria?
As normas de Nagoya são claras e práticas. Por isso, espera-se que sejam mais efetivas. Uma regra que vale mencionar é a que trata das medidas dos usuários no contexto do ABS. Quer dizer que não só os provedores precisam de normas, como também os países onde ocorrem as pesquisas e o desenvolvimento de produtos.
Nagoya fomenta posições menos proibitivas por parte de países provedores de recursos genéticos?
Durante anos se falou de ABS sob uma postura muito defensiva, uma vez que os países temiam perder direitos, então suas legislações eram proibitivas. Mas a discussão que culminou no Protocolo se deu conta de que a biodiversidade precisa ser valorizada e usada para gerar benefícios que possam ser compartilhados para gerar incentivos ao seu uso sustentável e fundos para a conservação.
Como será a implementação do tratado
nos países?
Dependerá de como os países o adaptam às suas legislações nacionais. Interessante que a União Europeia tenha apresentado um projeto de legislação para implementá-lo. Ele trata de constituir um sistema que facilita a distribuição de benefícios.
O Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) simulou perdas superiores a R$ 600 milhões anuais com Nagoya, tomando como base o ano de 2009 e a cobrança de royalties de 1% sobre a produção de cana, soja e carnes. A preocupação procede?
Dois pontos importantes. Primeiro, o Protocolo de Nagoya valerá a partir de sua vigência,
não será retroativo. Segundo, a distribuição
de benefícios do Protocolo não será apenas monetária. Há um reconhecimento de que
os benefícios não monetários são os mais importantes para realizar os objetivos da CDB. No contexto das cadeias de valor, podemos falar de benefícios como capacitação e transferência de tecnologia.
O tratado, então, implicaria pagamento de benefícios se uma empresa desenvolvesse uma nova variedade de milho a partir de linhagens silvestres do México?
Isso estaria coberto pelo Protocolo. O que não estaria contemplado seria uma variedade plantada hoje no Brasil que foi desenvolvida nos anos 1960. Há, também, que se levar em conta que Nagoya reconhece a agricultura como situação particular, tanto pela forma com que se realiza, ao usar diversas variedades para desenvolver uma nova planta, como por sua importância para a humanidade. O tratado permite aos países instituir normas específicas para o uso de recursos genéticos na agricultura.
Como a UEBT estimula o biocomércio ético?
As empresas associadas à UEBT se comprometem com nosso padrão voluntário, que inclui requisitos específicos sobre distribuição de benefícios. É uma experiência interessante para alcançar benefícios de forma tal que promovam o desenvolvimento local sustentável. Nossos membros trabalham com outros atores de suas cadeias de valor que necessitam de negociações baseadas no diálogo, em preços equitativos e no consentimento informado prévio.