A filóloga e jornalista Yoani Sánchez não é bem a “filha” que os irmãos Castro pediram a Deus. Desde 2007, quando lançou seu blog, Generación Y, Yoani se tornou a representante mais notória de um movimento virtual cubano, que enxergou na internet um atalho para a fugir da repressão imposta pela ditadura no país.
Suas palavras sensibilizaram a comunidade internacional e jornalistas. Não precisou de muito tempo para que suas crônicas sobre a realidade e cotidiano cubano ganhassem o mundo e simpatizantes virtuais. “A internet se tornou minha praça cívica, aquela que não temos em Cuba”, disse recentemente em evento para convidados e jornalistas na sede do jornal O Estado de São Paulo.
As críticas que Yoani faz em seus textos, contudo, não são violentas ou amargas. Ela analisa e descreve com habilidade a realidade de sua nação, contando sobre a dificuldade para comprar um ovo, o elevador quebrado há 8 anos, a escassez de quase tudo, o tédio das férias escolares do filho, os roubos e malandragens sistêmicos, a internet lenta, cara e censurada e os privilégios da elite. Ler Yoani é como visitar uma Cuba cansada do fetichismo revolucionário e seus estereótipos. É ouvir (e sentir) o desabafo de uma intelectual, ou, como alguns preferem chamá-la, uma dissidente.
Sim, Yoani é uma dissidente. Ela discorda da forma como o governo existe e se faz existir em Cuba. Suas opiniões têm destino certo: a falta de liberdade de expressão, a inexistência de pluralismo partidário e democrático e a sufocante repressão que dura mais de meio século.
Intrigas e dólares
Desde que ganhou notoriedade e foi premiada pelo que escreve, Yoani viu sua vida virar de cabeça para baixo. “Saí da invisibilidade. Nada é mais como antes. Minhas palavras me custaram a ausência e a saudade de amigos queridos, que se separaram de mim por medo, mas ganhei muitos outros amigos, mesmo que virtuais. Essa é a minha luta, não posso parar. Desejo o pluralismo e a tolerância como valores políticos e sociais”.
Alvo de críticas por parte de simpatizantes de movimentos socialistas – que gostam de classificá-la como mercenária e/ou traidora – Yoani foi o centro de diversas investigações, dentre as quais, duas por meio de sequestros relatados em seu blog. Mas nem mesmo o serviço secreto cubano conseguiu descobrir qualquer ligação entre ela e suportas fontes de financiamento “imperialistas”. (Acreditem, ainda há quem, em pleno século XXI, chame os Estados Unidos de “império”, como nos tempos da Guerra Fria).
Tranquila, Yoani rebate as acusações. “Em meu país, ter opinião é ser um traidor. Não fiz nada de errado, sou contra o que se apresenta e proponho um debate sobre isso”. A propósito do dinheiro que ganhou por seus prêmios culturais, ela afirma que vai fundar um jornal independente quando voltar para casa, o Ley de Medios.
Hasta luego, Havana
Depois de quase 6 anos tentando sair de Cuba, Yoani ganhou novamente asas. Por quê? A própria blogueira não sabe dizer. Analistas acreditam que o custo de impedir sua saída tornou-se maior que deixá-la apresentar seu testemunho em uma viagem de 80 dias pelo mundo. Mas a autorização cubana gera algo entre a curiosidade e o alarmismo.
“O périplo de Yoani é um fato histórico em si mesmo”, avalia o jornalista Lourival Sant’Anna. “Nunca um cubano com sua capacidade de articulação intelectual, seu magnetismo de moça recatada e simples, seu autocontrole das emoções – forjado na necessidade de sobrevivência sob o totalitarismo – e, acima de tudo, sua destreza no uso da internet pôde levar seu testemunho ao mundo”, continua.
Nem tolerar, nem proibir, Yoani é um fenômeno que se tornou impossível para o governo cubano controlar. “Dizem que não há fogo sem faísca. Yoani é a faísca”, afirma Sant’Anna, sobre possíveis mudanças de rota no regime cubano.
Para Yoani – certamente contaminada por seu desejo – essa liberdade condicionada concedida pelos Castro, mostra que o fim da ditadura pode estar próximo. “Sei que ainda verei em minha Havana a representação do povo frente ao poder, não mais do poder frente ao povo”, dispara a faísca cubana.