Com mentalidade de empresário, mais da metade dos doadores espera que seu investimento social tenha retorno significativo em um prazo de 10 anos
Os americanos são generosos – doam quase US$ 300 bilhões anuais [1] – e entendem que a filantropia é uma missão pessoal, uma espécie de via de diálogo entre o capitalista e a sociedade. Quem doa é a pessoa física, não a jurídica. Tanto é que, de cada US$ 100 doados, apenas US$ 5 provêm de empresas.
Segundo a última edição do Giving USA, o maior mapeamento da filantropia praticada no país, 73% das doações de 2011– o que equivale a US$ 217,8 bilhões – foram feitas em vida e US$ 24,4 bilhões, legados em testamento. Outros US$ 41,7 bilhões vieram de fundações, geralmente mantidas por famílias; enquanto parcos US$ 14,6 bilhões vieram de empresas.
[1] Quase um terço dessa dinheirama é destinado a projetos de caráter religioso; 13% vão para a educação; 12%, para projetos sociais, e 8%, para a saúde. O resto é repartido entre diversas causas – as questões ambientais e a defesa dos animais ficam na rabeira, com 3%
“Meus pais eram ricos, mas perderam tudo quando (Fidel) Castro tomou o poder em Cuba”, conta Jorge Perez, um grande incorporador da Flórida. “Eles sempre acharam que as pessoas com dinheiro precisavam redistribuir a riqueza para evitar revoluções.”
O sentimento é compartilhado por Stephen Ross, um bilionário do mercado imobiliário de Nova York. “Eu fui criado com a ideia de que é importante devolver à sociedade e não considerar nada como direito adquirido.” Ele planeja deixar mais da metade da sua herança para uma fundação. Ambos foram ouvidos pela revista Forbes, que fez uma pesquisa global de comportamento com 264 indivíduos que doaram ao menos US$ 1 milhão.
Curiosamente, a despeito de todo esse engajamento emocional, os grandes filantropos se inspiram, cada vez mais, na racionalidade e nos métodos do setor privado. Bill Gates, doador de quantias mirabolantes, sintetiza esse espírito no conceito de “filantropia catalisadora” – a participação ativa do filantropo, que utiliza ferramentas do capitalismo para criar mercados para inovações que tenham efetivo impacto social. No caso de Gates, inovações como uma vacina contra a malária ou vasos sanitários que dispensem o uso de água ou energia. “Eu acredito no poder que o capitalismo tem de melhorar vidas”, escreveu recentemente. “Quando se permite que o livre mercado atue, ele é ágil e criativo. Ele pode atender as demandas do planeta e desempenhar um papel central na elevação da qualidade de vida.”
Os grandes beneméritos americanos do início do século passado, como John D. Rockefeller e Andrew Carnegie, não pensavam nesses termos. Eles atiravam para todos os lados, pulverizando suas doações entre organizações locais, geralmente bibliotecas, museus e universidades. Depois, descerravam um monte de placas e torciam para que seus legados ficassem para a posteridade. Isso mudou drasticamente. Os bilionários atuais entendem, como Gates, que a filantropia é um investimento. Esses doadores pensam como empresários, monitoram resultados como acionistas e se associam como uma entidade de classe.
Para começar, cerca de 40% dos filantropos ouvidos pela Forbes, alguns na China, na Índia e até no Brasil, indicaram que mantêm parcerias com empresas – mas só 28% trabalham com não governamentais e 22% se associam ao governo.
Eles também dizem que querem resultados – e resultados rápidos. Mais da metade espera que seu investimento social tenha retorno significativo em um prazo de 10 anos. Por isso, monitoram de perto a evolução das iniciativas que patrocinam.
É o caso do empresário suíço Stephan Schmidheiny, da família que criou o grupo Eternit e um dos fundadores do Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável e da Fundação Avina. “Desde o início, nossos projetos continham descrições detalhadas de objetivos, frequentemente com metas intermediárias, e dos métodos e recursos que levariam a eles”, declarou à Forbes. “E as metas eram medidas e demonstradas.”
Os grandes doadores também encaram seus legados como capital de risco – metade deles investe em projetos em suas fases iniciais, em vez de apoiar organizações tradicionais, já estabelecidas. Preferem cometer erros e aprender com eles, para ganhar eficiência a longo prazo.
Essas tendências apontadas pela Forbes foram confirmadas no início do ano por outra pesquisa, feita com 310 doadores americanos jovens, na faixa entre 20 e 40 anos. Eles são parte de uma geração dourada que herdará mais de US$ 41 trilhões – 17 vezes o PIB brasileiro – e que doa ao menos US$ 250 mil anuais (embora a metade dos que foram ouvidos para este estudo distribua mais de US$ 1 milhão por ano).
Elaborada pelo Johnson Center for Philanthropy, da Grand Valley State University, em parceria com algumas ONGs, a pesquisa indica que essa nova geração insiste em participar ativamente da busca de soluções, pensa estrategicamente e dá preferência a organizações que atacam a raiz dos problemas, não apenas seus sintomas. Tem, enfim, massa crítica à altura de sua fortuna, e uma capacidade de transformação social sem precedentes, se bem direcionada.
*JORNALISTA ESPECIALIZADA EM MEIO AMBIENTE[:en]Com mentalidade de empresário, mais da metade dos doadores espera que seu investimento social tenha retorno significativo em um prazo de 10 anos
Os americanos são generosos – doam quase US$ 300 bilhões anuais [1] – e entendem que a filantropia é uma missão pessoal, uma espécie de via de diálogo entre o capitalista e a sociedade. Quem doa é a pessoa física, não a jurídica. Tanto é que, de cada US$ 100 doados, apenas US$ 5 provêm de empresas.
Segundo a última edição do Giving USA, o maior mapeamento da filantropia praticada no país, 73% das doações de 2011– o que equivale a US$ 217,8 bilhões – foram feitas em vida e US$ 24,4 bilhões, legados em testamento. Outros US$ 41,7 bilhões vieram de fundações, geralmente mantidas por famílias; enquanto parcos US$ 14,6 bilhões vieram de empresas.
[1] Quase um terço dessa dinheirama é destinado a projetos de caráter religioso; 13% vão para a educação; 12%, para projetos sociais, e 8%, para a saúde. O resto é repartido entre diversas causas – as questões ambientais e a defesa dos animais ficam na rabeira, com 3%
“Meus pais eram ricos, mas perderam tudo quando (Fidel) Castro tomou o poder em Cuba”, conta Jorge Perez, um grande incorporador da Flórida. “Eles sempre acharam que as pessoas com dinheiro precisavam redistribuir a riqueza para evitar revoluções.”
O sentimento é compartilhado por Stephen Ross, um bilionário do mercado imobiliário de Nova York. “Eu fui criado com a ideia de que é importante devolver à sociedade e não considerar nada como direito adquirido.” Ele planeja deixar mais da metade da sua herança para uma fundação. Ambos foram ouvidos pela revista Forbes, que fez uma pesquisa global de comportamento com 264 indivíduos que doaram ao menos US$ 1 milhão.
Curiosamente, a despeito de todo esse engajamento emocional, os grandes filantropos se inspiram, cada vez mais, na racionalidade e nos métodos do setor privado. Bill Gates, doador de quantias mirabolantes, sintetiza esse espírito no conceito de “filantropia catalisadora” – a participação ativa do filantropo, que utiliza ferramentas do capitalismo para criar mercados para inovações que tenham efetivo impacto social. No caso de Gates, inovações como uma vacina contra a malária ou vasos sanitários que dispensem o uso de água ou energia. “Eu acredito no poder que o capitalismo tem de melhorar vidas”, escreveu recentemente. “Quando se permite que o livre mercado atue, ele é ágil e criativo. Ele pode atender as demandas do planeta e desempenhar um papel central na elevação da qualidade de vida.”
Os grandes beneméritos americanos do início do século passado, como John D. Rockefeller e Andrew Carnegie, não pensavam nesses termos. Eles atiravam para todos os lados, pulverizando suas doações entre organizações locais, geralmente bibliotecas, museus e universidades. Depois, descerravam um monte de placas e torciam para que seus legados ficassem para a posteridade. Isso mudou drasticamente. Os bilionários atuais entendem, como Gates, que a filantropia é um investimento. Esses doadores pensam como empresários, monitoram resultados como acionistas e se associam como uma entidade de classe.
Para começar, cerca de 40% dos filantropos ouvidos pela Forbes, alguns na China, na Índia e até no Brasil, indicaram que mantêm parcerias com empresas – mas só 28% trabalham com não governamentais e 22% se associam ao governo.
Eles também dizem que querem resultados – e resultados rápidos. Mais da metade espera que seu investimento social tenha retorno significativo em um prazo de 10 anos. Por isso, monitoram de perto a evolução das iniciativas que patrocinam.
É o caso do empresário suíço Stephan Schmidheiny, da família que criou o grupo Eternit e um dos fundadores do Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável e da Fundação Avina. “Desde o início, nossos projetos continham descrições detalhadas de objetivos, frequentemente com metas intermediárias, e dos métodos e recursos que levariam a eles”, declarou à Forbes. “E as metas eram medidas e demonstradas.”
Os grandes doadores também encaram seus legados como capital de risco – metade deles investe em projetos em suas fases iniciais, em vez de apoiar organizações tradicionais, já estabelecidas. Preferem cometer erros e aprender com eles, para ganhar eficiência a longo prazo.
Essas tendências apontadas pela Forbes foram confirmadas no início do ano por outra pesquisa, feita com 310 doadores americanos jovens, na faixa entre 20 e 40 anos. Eles são parte de uma geração dourada que herdará mais de US$ 41 trilhões – 17 vezes o PIB brasileiro – e que doa ao menos US$ 250 mil anuais (embora a metade dos que foram ouvidos para este estudo distribua mais de US$ 1 milhão por ano).
Elaborada pelo Johnson Center for Philanthropy, da Grand Valley State University, em parceria com algumas ONGs, a pesquisa indica que essa nova geração insiste em participar ativamente da busca de soluções, pensa estrategicamente e dá preferência a organizações que atacam a raiz dos problemas, não apenas seus sintomas. Tem, enfim, massa crítica à altura de sua fortuna, e uma capacidade de transformação social sem precedentes, se bem direcionada.
*JORNALISTA ESPECIALIZADA EM MEIO AMBIENTE