O desenvolvimento sustentável da Amazônia depende de novos modelos de investimento capazes de conciliar riscos iniciais e demandas de longo prazo para impulsionar negócios de impacto ambiental e social positivo
A arte de saber esperar, respeitar o tempo necessário aos projetos de vida e parar quando a ocasião exige é uma virtude que vai além das práticas budistas. Marca também o mundo dos negócios, em especial os nascentes, baseados em tecnologias e ideias inovadoras, às vezes disruptivas, que precisam de maturidade para dizer a que vieram e emplacar no mercado. A questão, porém, esbarra no apetite de investidores nem sempre pacientes, ávidos por retorno financeiro de curto prazo, sem os riscos inerentes a quem está começando. Demanda nada compatível com o mundo dos negócios de impacto social e ambiental positivo que despontam na Amazônia e exigem novos modelos de investimento capazes de conciliar dois elementos aparentemente contraditórios: a calma para prosperar de maneira sólida e a urgência diante das ameaças à floresta – e das oportunidades que surgem no sentido de conservá-la.
No meio do caminho está o chamado “financiamento híbrido”, mecanismo discutido como solução para a realidade desses negócios na Amazônia por combinar o empurrão inicial dos recursos de filantropia ao investimento de fundos privados, que seguem a lógica de mercado e buscam ganhos de capital junto aos benefícios socioambientais.
“Esse mix permite maior impacto, atuando junto ao governo, setor privado, agências multilaterais e ecossistema financeiro, dentro de um esforço coletivo e inteligente que olha de forma sistêmica para os desafios desses negócios e da região”, destacou Ana Carolina Szklo, gerente de sustentabilidade do Instituto Humanize, no webinar “Financiamento Híbrido: Como Alavancar Investimentos para Negócios de Impacto” – o terceiro de um ciclo de cinco encontros virtuais planejados pelo Idesam para o debate sobre uma nova economia da Amazônia.
O desafio de aumentar a escala
Na análise de Szklo, na busca por uma economia mais inclusiva e sustentável, são necessárias soluções financeiras destinadas à estruturação e preparação dos negócios com esse perfil a receber investimentos de curto, médio e longo prazo. “Na Amazônia, precisamos sair da escala de milhões para bilhões, e o que se coloca é que muitas vezes esses primeiros milhões são os mais difíceis porque embutem um grau elevado de risco”, afirmou.
Segundo ela, “a filantropia entra no início e prepara o terreno, apoiando o planejamento estratégico e a prototipação de modelos de negócios que gerem impacto e sejam perenes e sustentáveis – ou seja, funciona como uma semente para que esses empreendimentos possam, posteriormente, ser atrativos para o investimento privado”. Atenção especial, na análise de Szklo, deve ser dada a negócios nascentes de ótimo potencial de impacto positivo, que precisam se desenvolver para ampliar benefícios, com reflexos na conservação da Amazônia.
O Instituto Humanize investe capital filantrópico em iniciativas que estimulam o desenvolvimento sustentável e promovem a geração de renda, de modo a criar ambiente favorável para negócios. “Informação e educação precisam ser trabalhadas de modo que os negócios de impacto ganhem escala no Brasil, impulsionados por movimentos em rede conectando diversas iniciativas para encurtar caminhos e acelerar o passo dessa jornada”, afirmou Szklo, durante o webinar. Ela lembrou a existência de instrumentos de regulação e incentivo que começam a ser implantados por instâncias estaduais a favor de negócios com produtos e serviços que valorizam a floresta em pé, no campo da bioeconomia: “Estamos falando de recursos biológicos renováveis e fluxos de resíduos que se convertem em produtos de valor agregado, por exemplo, comida, ração e energia”.
De olho na bioeconomia
“A filantropia tem papel estratégico na pauta da bioeconomia, principalmente na Amazônia”, concluiu Szklo, durante o webinar. Em sua análise, setores baseados na natureza têm grande potencial de inovação porque utilizam tanto tecnologias de uso industrial como conhecimento local. “Desta forma, a bioeconomia coloca-se como a alternativa mais interessante de desenvolvimento sustentável para a Amazônia, dada a alta disponibilidade de recursos da sociobiodiversidade cujas cadeias produtivas podem ser melhor estruturadas, como a do açaí, cacau e andiroba. Para isso, é preciso investir em capacitação, transformando ativos ambientais em negócios, de forma inclusiva, sustentável e responsável, com base nas vocações locais”.
Na visão de Gustavo Pinheiro, coordenador do portfólio de economia de baixo carbono do Instituto Clima e Sociedade (iCS), o momento impõe reflexões: Como investir nas diferentes etapas da curva de desenvolvimento de negócios? Como mensurar impactos positivos no cenário de riscos em torno do “ESG washing”? “O desafio não é apenas diminuir impactos negativos, como também fazer com que cada investimento traga externalidades positivas”.
Entre as iniciativas de referência na região, citadas por Pinheiro, está o Programa Prioritário de Bioeconomia (PPBio), política pública da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) que diversifica os investimentos de contrapartida industrial pelos incentivos fiscais. Coordenada pelo Idesam, a iniciativa faz a ponte entre as startups, as instituições de ciência e tecnologia e as empresas que repassam obrigatoriamente 5% do faturamento para projetos de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D), conforme manda a Lei de Informática. Até o momento, foram captados R$ 9,5 milhões em tecnologias inovadoras de saúde, agricultura sustentável e produção de cosméticos, entre outros setores.
No caso da Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA), responsável pelo maior programa de aceleração de negócios de impacto da região, foram investidos até o momento R$ 6 milhões em 30 empreendimentos – o que demonstra a importância da combinação de esforços entre diferentes setores para aumentar os ganhos ambientais e sociais.
Na região, de acordo com Pinheiro, a distância entre a oferta de negócios e a disposição dos investidores tradicionais diante dos riscos amazônicos abre espaço de ação para os três modelos: o investimento puramente filantrópico, o investimento social privado e o investimento de impacto. “Há um gap de capital humano após o primeiro estágio, onde a filantropia no sentido clássico entra para capacitar a gênese empreendedora”, apontou Pinheiro.
O segundo ponto de atenção é a diferença entre a escala da filantropia e a escala necessária para os fundos de investimento viabilizarem custos de gestão e compliance. Muitos empreendedores de impacto que estão começando a operar na Amazônia não têm estrutura capaz de absorver tickets de R$ 5 milhões, por exemplo. “Há o risco de queimar a largada por não ter capacidade instalada para entregar todo o crescimento que o investimento demanda”, explicou Pinheiro.
Migração para a lógica dos negócios
“Estamos aprendendo em temas centrais, como a questão da escala”, afirmou Patrícia Daros, diretora de operações do Fundo Vale, que há dez anos iniciou as ações na Amazônia com ênfase no fortalecimento de áreas protegidas, governança e políticas públicas, entre outras frentes apoiadas por investimentos sem retorno financeiro.
“Buscávamos modelos produtivos alternativos como soluções sustentáveis, e depois de alguns anos percebemos o potencial de projetos se desdobrarem em negócios, com capacidade de escala na bioeconomia, juntando impacto social e ambiental positivo”, contou Daros. “Foi um processo de aprendizado: demos um passo adiante junto a parceiros, como o Fundo Amazônia, no sentido de financiar esses negócios como lastro para acesso a recursos no mercado tradicional.”
“O desafio estava em continuar apoiando o surgimento desses novos negócios e pensar em instrumentos financeiros mais justos para uma mudança de escala, em conjunto com outras organizações”, acrescentou Daros. Além de apoiar o mapeamento de 1.040 empreendimentos baseados na sociobiodiversidade brasileira, dos quais 402 na Amazônia, realizado pelo Desafio Conexsus, o Fundo Vale financiou a Climate Ventures na prospecção de soluções de baixo carbono e integrou-se ao PPA, que à época surgia com a proposta de acelerar negócios de impacto na região. “Vimos que não adiantavam instrumentos financeiros de aval para acesso a novos investimentos e a programas de políticas públicas, sem a existência de negócios bem estruturados para ganhar escala”.
Desta forma, com base nessas lições, “migramos de um lugar que era só da filantropia para um contexto de blended finance, investindo sem retorno financeiro no fortalecimento do ecossistema e ao mesmo tempo olhando as possibilidades de investimento real, na lógica do capital paciente, como cotistas em outros fundos para atrair maior número de investidores, por exemplo”, revelou Daros. Na Covid-19, apoiamos o Fundo Conexsus para a sobrevivência de cooperativas da agricultura familiar: “As coisas vão acontecendo e a gente vai testando e aprendendo no meio do caminho”.
O desafio mais recente do Fundo Vale é o plano de restaurar 100 mil hectares na Amazônia por meio de negócios agroflorestais, com retorno financeiro e impacto socioambiental positivo. “Para atingir uma escala neste patamar, é necessário olhar para cadeias produtivas, como a do cacau e açaí”, disse Daros. Foram mapeadas 139 startups florestais, das quais e seis mostraram-se aptas na perspectiva de mercado. “Percebemos a necessidade de diferentes modelos de investimento, conforme o momento de desenvolvimento de cada negócio”.
Capital híbrido garante sobrevivência
“Temos ainda muita escala para perseguir quanto se trata de negócios de impacto na Amazônia, sobretudo da cadeia da sociobiodiversidade”, completa Daros. Uma difícil missão é encontrar empreendimentos, investir, conseguir impacto que seja mensurável e extrair o retorno que os investidores almejam.
“Na Amazônia, é um jogo que exige paciência e muito tempo, no horizonte de até oito ou doze anos, para alcançar metas financeiras”, ressaltou Paulo Belotti, diretor-executivo da MOV Investimentos, gestora de fundos privados com atuação em negócios socioambientais.
Como investidor tradicional que busca retorno e procura novos investimentos para reduzir as desigualdades e reverter a degradação ambiental, Belotti reúne experiência de mercado para apontar caminhos. “Precisamos usar capital híbrido para capacitar empreendedores e incentivar gestores a olharem para mais oportunidades na Amazônia”, recomendou o investidor. Em sete anos, a MOV mapeou 1.490 empresas, das quais apenas seis receberam investimento, no total de R$ 60 milhões, além de mais R$ 460 milhões, à medida que foram amadurecendo, para alcançar escala. “À primeira vista, esse processo se mostra altamente ineficiente”, avaliou Belotti, para quem esses números são emblemáticos das dificuldades inerentes ao empreendedorismo de impacto.
“O nível de incerteza e risco nesses mercados ainda é grande e dificulta o cumprimento dos planos de negócios”, observou. Apenas três das seis empresas alcançaram metas de impacto no terceiro ano de operações. Além disso, a expectativa é de que também três delas conseguirão chegar, em 2022 ou 2023, ao patamar desejável de retorno financeiro. O quadro de dificuldades, vivenciadas neste caso por negócios maduros, indica o tamanho dos desafios para as iniciativas nascentes. E expõe uma questão provavelmente atrelada à maioria das mais de 1 mil empresas mapeadas e não atendidas por investimento da MOV. “Como trazer recursos para negócios promissores que ainda não conseguiram se desenvolver?”
“O capital híbrido teve grande importância para sobrevivência neste período em que nenhuma empresa alcançou o faturamento projetado”, analisou Belotti. Foi o caso da Origo – empresa de energia solar que obteve capital inicial para P&D, exemplo do potencial de políticas públicas como o PPBio, voltado a investimento em tecnologias e inovação como impulso para negócios em bioeconomia decolarem. “Também tivemos o capital híbrido no pós-investimento, na forma de paciência, como no exemplo da Biofílica, que opera projetos de compensação de carbono e desenvolveu resiliência no tempo, à espera de uma maior aceleração do mercado”.
Para Belotti, o principal conselho aos empreendedores é estudar e segmentar seus mercados, entender os clientes e desenvolver proposta de valor. “Isso é base para o negócio ganhar escala e mostrar a investidores a capacidade de suportar esse crescimento”, enfatizou. Além de habilidade em vender, para além do conhecimento técnico, um dos principais atributos de um empreendedor, segundo ele, é o perfil para relacionamento de longo prazo, o que inclui a capacidade de diálogo construtivo.
Risco e oportunidade
Apesar das barreiras, o investidor se diz otimista com as oportunidades de investimento na Amazônia e anunciou o lançamento de um novo fundo da MOV, com corte específico na região e ticket de até R$ 80 milhões. “Negócios preparados para o escalonamento, apoiados por iniciativas como o PPA, terão crescente aumento de procura por investidores ao longo do tempo”, previu Belotti, durante o seminário virtual do Idesam.
Riscos políticos, como o aumento do desmatamento, são fatores influenciadores do apetite. “A conjuntura ambiental na Amazônia é chave para ampliar o volume de investimentos”, ressaltou Belotti, ao lembrar que as oportunidades da região estão no potencial de conservar os ativos da biodiversidade e rentabilizá-los. Por outro lado, a perspectiva de risco – e perdas para toda a sociedade – pode turbinar com mais energia o capital filantrópico.
Para o investidor, o cenário da mudança climática, com o carbono sendo mais valorizado e a crescente demanda por rastreabilidade de produtos, por exemplo, abre possibilidades. “Mas uma melhora institucional em torno de questões como o desmatamento favoreceria em muito o ambiente de negócios e nisso a reação da sociedade civil tem sido decisiva”, afirmou. “Há uma consciência cada vez maior para a importância da manutenção das florestas e da cultura de povos originários, e a melhor forma de lidar com isso é por meio de um processo de transparência e governança, com interlocução entre empresas e organizações, para que o Brasil não fique de costas para a Amazônia”.
No webinar, Ana Carolina Szklo, do Humanize, destacou, por sua vez, que a estratégia da filantropia, na busca de instrumentos financeiros alternativos, não é somente prover recurso financeiro, mas “chegar junto, entender, ajudar, orientar; preparar negócios para atingir outro patamar, também por meio do fortalecimento das organizações da sociedade civil, para tirar as rodinhas e colocá-las de pé”. E concluiu: “Para o efetivo desenvolvimento sustentável é necessário fazer a gestão de pessoas e olhar para questões como saúde e educação, em modelos de parceria entre as instituições”.
Para Patrícia Daros, do Fundo Vale, a conjuntura política é preocupante, mas traz novos espaços diante da “cobrança de investidores internacionais para que grandes cadeias de valor se ajustem a uma lógica mais sustentável, pressão que também recai sobre o governo e que fortalece a marca Amazônia”.
O cenário da economia global traz outro elemento relevante que reforça a importância de arranjos de financiamento híbrido, na análise de Gustavo Pinheiro, do iCS: o paradoxo entre o atual montante mundialmente alocado em títulos públicos com rendimento negativo e a demanda por investimento na economia de baixo carbono, no âmbito do Acordo de Paris.
Segundo ele, estudo do Green Climate Fund, voltado ao financiamento da mitigação climática, mostra a existência de US$ 23 trilhões alocados nas economias avançadas em títulos públicos, com taxas de juros negativas, no cenário de crise internacional devido à Covid-19. “É preciso fazer o encontro entre a oferta desse precioso capital que está parado e empreendimentos para mitigação climática que poderiam receber esses ativos”, afirmou Pinheiro.
De acordo com o International Finance Corporation (IFC), há oportunidades de baixo carbono que somam US$ 17 trilhões para atração de investimentos nos países em desenvolvimento. “Mas as medidas de resposta à crise estão causando aumento de liquidez nas economias avançadas e aprofundando o paradoxo”, lamentou Pinheiro. Ao mesmo tempo, países emergentes como Brasil passam por momento de estresse fiscal e piora das contas públicas, com imagem internacional negativa. “Assim, quem tem os maiores volumes de capital no mundo, alocados em rendimento negativo, tende a olhar para a nossa potencialidade no baixo carbono e enxergar risco ainda maior”.
De toda forma, enfatizou Pinheiro, “estou cada vez mais convencido de que o caminho mais interessante está nos negócios de impacto, coma superação de barreiras”. Às vezes, completou, “é necessário voltar atrás para dar um salto quântico à frente: estamos plantando hoje uma semente que leva tempo para se transformar em árvore. Não será amanhã, mas os resultados vão se construindo ao longo do tempo”.
[Foto: Sementes de Bacabinha / Idesam]