Da banal salada às bolsas de valores, o fruto virou sinônimo de sofisticação, fez a maçã da Apple perder seu posto e os investidores saírem do vermelho
Xeque-tomate. A última jogada do frango xadrez, no tabuleiro da baiana ou na estratégia do enxadrista russo.
Na travessa de salada, fim da linha para o rubro fruto. Sinal vermelho. Pode sugerir ao restaurante que fez do alimento a base dos seus melhores pratos para dar férias coletivas – e deixar o cozinheiro de molho. Com o preço que se tem cobrado em qualquer mercado, fruto proibido no cardápio de quem leva a gastronomia na ponta do lápis. É inflação de corar as maçãs do rosto e fazer a cebola arder nos bolsos.
Imagina na Copa? Pimenta na língua do Messi é refresco, chute na canela do argentino. Os organizadores do torneio não vão entregar o troféu de ouro ao campeão. Ao vencedor, as batatas. Ou melhor, os tomates. Conservem-nos bem refrigerados, longe das mãos ladras que poderiam derretê-los qual uma Jules Rimet indefesa. Quem sabe até fatiá-los, temperá-los com sal e azeite, misturá-los ao leito de rúculas e saboreá-los no Paraguai?
Recomendação para zagueiro da seleção nacional: se a bola se aproximar da área, espirra longe, de qualquer jeito. Manda na Lua, na atmosfera, em Marte, o planeta mais tomate do universo, observado a olho nu em um céu assim, meio ovo estrelado. Chega a dar fome. Na política ambiental, o partido está verde. Na Venezuela, Nicolás, Maduro. Em algum lugar – se procurar encontra – os frutos estão podres. Nesta terra, tudo o que se planta dá. Estão querendo devorar a América Latina. Ou já devoraram? Ainda é tempo de dar no pé. Joga tomate no Feliciano. Joga não, que ele não merece.
Joga caqui que é parecido e mais barato. O tomate encareceu junto com as empregadas domésticas no orçamento do brasileiro. Está faltando tomate na cozinha e está faltando quem os prepare. Tomate a gente até troca por berinjela, cenoura, alho-poró, batata-doce, lasanha semipronta. Mas quem vai pendurar roupa no varal, lavar a louça, passar a vassoura na casa, botar a mesa do café, dar o beijinho de boa noite nas crianças?
É tempo de botar a mão na massa. Em julho, vamos receber o papa sem tomates. Apesar de ele não ser italiano, deve estar acostumado aos pratos de Roma, às azeitonas pretas, aos molhos ao sugo, à bolonhesa, à pizza napolitana. Movimenta a torre, o cavalo, põe o rei na barriga com o bispo e capricha no cardápio do papa. Xeque-tomate. Parcela no cartão de crédito, cadastra no débito automático. Na feira, estão aceitando carteirinha de estudante, embora a placa seja de um quilo a dez real. O que importa? Educação nunca foi o nosso forte.
Diminui o tamanho do produto para ver se o preço encolhe. Vai um tomate-cereja, freguesa? Alô, ervilha, alô, milho, alô, tomate? O fruto virou sinônimo de sofisticação. A maçã da Apple perdeu o posto. Os computadores, os smartphones, os tablets serão produzidos agora sob a marca do símbolo dos novos tempos. Think Tomato.
O tomate é chique, refinado. A alface está enciumada, também o pepino em rodelas, a cenoura em cubinhos, a maionese tradicional. O velho companheiro os trocou pelo caviar, pratos de escargot, goles de whisky escocês legítimo. Nos restaurantes
de São Paulo, os assaltantes fazem arrastão procurando pelas joias, o dinheiro e as dúzias de tomate na geladeira.
Mãos ao alto! Mate, não mate. Compaixão. Tomate tem as mesmas letras de “te amo”. É afrodisíaco na ortografia, subliminarmente poético. Embaralhe e desembaralhe as letras, segundas intenções ao sabor do dicionário. Levado ao forno, aquece o coração. Se bem preparado, a cozinheira ou o cozinheiro pode casar, costuma-se dizer. Há gente que serve o alimento na mesa, outros levam na cama.
Sobre o jogo americano ou sob os lençóis, vai depender de onde deseja chegar.
Se você ganhar um tomate do namorado, pode desconfiar de que seja declaração de amor, pedido de noivado. Periga valer mais
do que aliança cravejada de diamantes. É recomendado apenas não colocar no dedo, por ser pouco anatômico. O que as celebridades estão fazendo é sair por aí com tomates pendurados no pescoço para chamar a atenção da mídia. Melancia perdeu o espaço.
Os investidores têm trocado o hábito de poupar pela polpa, natural ou em caixinha. Dólar, imóveis, cabeças de gado, renda fixa e o Ibovespa ficaram de lado na carteira daqueles que almejam multiplicar o capital. Restou a ironia de o capitalismo recorrer ao puro vermelho para crescer. Xeque-mate.
Ah, agora que tudo voltou ao normal, o tomate vai sentir saudades daqueles dias de glória.
*EDUARDO SHOR É JORNALISTA[:en]Da banal salada às bolsas de valores, o fruto virou sinônimo de sofisticação, fez a maçã da Apple perder seu posto e os investidores saírem do vermelho
Xeque-tomate. A última jogada do frango xadrez, no tabuleiro da baiana ou na estratégia do enxadrista russo.
Na travessa de salada, fim da linha para o rubro fruto. Sinal vermelho. Pode sugerir ao restaurante que fez do alimento a base dos seus melhores pratos para dar férias coletivas – e deixar o cozinheiro de molho. Com o preço que se tem cobrado em qualquer mercado, fruto proibido no cardápio de quem leva a gastronomia na ponta do lápis. É inflação de corar as maçãs do rosto e fazer a cebola arder nos bolsos.
Imagina na Copa? Pimenta na língua do Messi é refresco, chute na canela do argentino. Os organizadores do torneio não vão entregar o troféu de ouro ao campeão. Ao vencedor, as batatas. Ou melhor, os tomates. Conservem-nos bem refrigerados, longe das mãos ladras que poderiam derretê-los qual uma Jules Rimet indefesa. Quem sabe até fatiá-los, temperá-los com sal e azeite, misturá-los ao leito de rúculas e saboreá-los no Paraguai?
Recomendação para zagueiro da seleção nacional: se a bola se aproximar da área, espirra longe, de qualquer jeito. Manda na Lua, na atmosfera, em Marte, o planeta mais tomate do universo, observado a olho nu em um céu assim, meio ovo estrelado. Chega a dar fome. Na política ambiental, o partido está verde. Na Venezuela, Nicolás, Maduro. Em algum lugar – se procurar encontra – os frutos estão podres. Nesta terra, tudo o que se planta dá. Estão querendo devorar a América Latina. Ou já devoraram? Ainda é tempo de dar no pé. Joga tomate no Feliciano. Joga não, que ele não merece.
Joga caqui que é parecido e mais barato. O tomate encareceu junto com as empregadas domésticas no orçamento do brasileiro. Está faltando tomate na cozinha e está faltando quem os prepare. Tomate a gente até troca por berinjela, cenoura, alho-poró, batata-doce, lasanha semipronta. Mas quem vai pendurar roupa no varal, lavar a louça, passar a vassoura na casa, botar a mesa do café, dar o beijinho de boa noite nas crianças?
É tempo de botar a mão na massa. Em julho, vamos receber o papa sem tomates. Apesar de ele não ser italiano, deve estar acostumado aos pratos de Roma, às azeitonas pretas, aos molhos ao sugo, à bolonhesa, à pizza napolitana. Movimenta a torre, o cavalo, põe o rei na barriga com o bispo e capricha no cardápio do papa. Xeque-tomate. Parcela no cartão de crédito, cadastra no débito automático. Na feira, estão aceitando carteirinha de estudante, embora a placa seja de um quilo a dez real. O que importa? Educação nunca foi o nosso forte.
Diminui o tamanho do produto para ver se o preço encolhe. Vai um tomate-cereja, freguesa? Alô, ervilha, alô, milho, alô, tomate? O fruto virou sinônimo de sofisticação. A maçã da Apple perdeu o posto. Os computadores, os smartphones, os tablets serão produzidos agora sob a marca do símbolo dos novos tempos. Think Tomato.
O tomate é chique, refinado. A alface está enciumada, também o pepino em rodelas, a cenoura em cubinhos, a maionese tradicional. O velho companheiro os trocou pelo caviar, pratos de escargot, goles de whisky escocês legítimo. Nos restaurantes
de São Paulo, os assaltantes fazem arrastão procurando pelas joias, o dinheiro e as dúzias de tomate na geladeira.
Mãos ao alto! Mate, não mate. Compaixão. Tomate tem as mesmas letras de “te amo”. É afrodisíaco na ortografia, subliminarmente poético. Embaralhe e desembaralhe as letras, segundas intenções ao sabor do dicionário. Levado ao forno, aquece o coração. Se bem preparado, a cozinheira ou o cozinheiro pode casar, costuma-se dizer. Há gente que serve o alimento na mesa, outros levam na cama.
Sobre o jogo americano ou sob os lençóis, vai depender de onde deseja chegar.
Se você ganhar um tomate do namorado, pode desconfiar de que seja declaração de amor, pedido de noivado. Periga valer mais
do que aliança cravejada de diamantes. É recomendado apenas não colocar no dedo, por ser pouco anatômico. O que as celebridades estão fazendo é sair por aí com tomates pendurados no pescoço para chamar a atenção da mídia. Melancia perdeu o espaço.
Os investidores têm trocado o hábito de poupar pela polpa, natural ou em caixinha. Dólar, imóveis, cabeças de gado, renda fixa e o Ibovespa ficaram de lado na carteira daqueles que almejam multiplicar o capital. Restou a ironia de o capitalismo recorrer ao puro vermelho para crescer. Xeque-mate.
Ah, agora que tudo voltou ao normal, o tomate vai sentir saudades daqueles dias de glória.
*EDUARDO SHOR É JORNALISTA