Em meio a guerras sangrentas, protestos populares, escândalos sobre invasão de privacidade pelos governos, persistentes crises econômicas e a urgência ambiental que a cada dia parece dar sinais mais claros, os chefes de Estado dos oito países mais ricos do mundo reúnem-se na Irlanda do Norte.
O evento ocorre neste final de semana e, em preparação, lojas vazias em algumas ruas das cidades próximas do resort onde os líderes se reunirão foram “maquiadas” para dar a impressão de que estão abertas e funcionando. Se os líderes não podem ver a realidade do dia-a-dia dos cidadãos, fica a pergunta: para que serve o G8?
O G8 é um fórum em que os líderes de Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Rússia, Estados Unidos e Reino Unido discutem assuntos internacionais e lidam com os desafios globais mais prementes. Nos anos setenta, quando foi criado o grupo (menos a Rússia), esses eram os países mais ricos e poderosos do mundo. Nos dias de hoje, é de se questionar quão relevantes são as discussões sem a presença de países como China, Índia, Brasil e África do Sul, entre outros.
As nações que compõem o G8 representam cerca de 15% da população global e 50% do PIB mundial, em termos nominais – percentual que vem caindo década a década. O que era um clube de ricos, composto pelas economias do norte que emprestavam dinheiro aos países “emergentes” via FMI e Banco Mundial, hoje abriga algumas das nações com mais alto endividamento no mundo.
A medida de riqueza que orienta o G8 é o PIB que, como se sabe, é um indicador que falha em capturar a realidade das economias em relação, por exemplo, à distribuição de renda, qualidade de vida, trabalho não remunerado, valores intangíveis e capital natural.
Como alternativa ao exclusivo Grupo dos Oito em 2008 formou-se o G20, grupo das 20 maiores economias do mundo, que também é criticado por deixar muita gente de fora. “Não vivemos mais no século XIX, um tempo em que as grande potências se reuniam e redesenhavam o mapa do mundo”, disse o ministro do exterior da Noruega, que não participa do G20 embora seja o país que mais concede ajuda internacional.
No século XXI não só não se redesenha o mapa do mundo, como há pouquíssimo acordo sobre coisa alguma. “Hoje há muitos países fortes o suficiente para bloquear a ação internacional, mas nenhum tem disposição ou capacidade para promover mudança positiva duradoura”, escreveu o cientista político americano Ian Bremmer. “Esse não é um mundo do G7, do G8 ou do G20. Essa é a era do G-Zero”.
Talvez a coisa mais interessante em torno da cúpula deste fim de semana na Irlanda seja justamente a maquiagem que antecede a reunião. Rob Hopkins, fundador do movimento Transition Towns, destacou o tipo de loja escolhido como “desejável”.
Os responsáveis pela empreitada, apontou Hopkins, não fizeram as lojas se parecer com filiais de grandes redes como Tesco ou Aldi. Tampouco maquiaram-nas como agências de um dos bancos que contribuíram para a crise financeira. “Ao contrário, eles deliberada e detalhadamente retrataram o tipo de negócio independente, vibrante e local que se tornou extinto ou sobrevive a despeito das políticas do G8”.
O comércio independente local hoje restringe-se a 3% da economia na Inglaterra, estima Hopkins.
“Imagino que todos buscam uma economia capaz de criar empregos, atividade econômica, comunidades mais fortes, felizes e resilientes, ao mesmo tempo em que reduz as emissões de carbono na escala necessária”, escreveu. “A questão dos nossos tempos, até onde sei, é se isso é melhor alcançado com a expansão dos 97% da economia hoje dominados por enormes supermercados – o tipo de empresa que o governo britânico e o G8 enxergam como motor do crescimento – ou com a proteção e melhoria dos 3%”.
A questão, muito provavelmente, não estará na pauta do G8.