O aguçamento da crise ambiental global é um dos principais elos entre as várias ondas de protesto que eclodiram nos últimos três anos, da Primavera Árabe e a guerra civil na Síria, aos protestos no Brasil e na Turquia. O noticiário sobre a deposição do presidente egípcio, Mohamed Morsi, é mais uma evidência de que o comprometimento dos recursos hídricos, o esgotamento do modelo energético à base de combustíveis fósseis e as mudanças climáticas têm condições de desestabilizar países e derrubar governos.
Os fatos:
- O conflito sírio remete a uma seca particularmente intensa que assolou o país entre 2006 e 2010 e deslocou 1,5 milhão de camponeses para as cidades, como foi discutido aqui previamente;
- O estopim dos violentos protestos de junho na Turquia foi a defesa da última área verde de Istambul que o governo pretendia remover para dar lugar a um shopping center;
- Quanto à Primavera Árabe, vários acadêmicos associaram a série de revoluções que mudou a cena política na Tunísia, no Egito, na Líbia e no Iêmen ao aquecimento global, um risco importante numa região de escassos recursos hídricos e temperaturas já muito elevadas. Essa conexão é discutida numa publicação recente do thinktank Center for American Progress, The Arab Spring and Climate Change, que você pode baixar, em inglês;
- E, claro, os recentes protestos nas ruas brasileiras começaram com o grande drama da mobilidade urbana em São Paulo.
A queda do presidente egípcio vai na mesma direção.
- Em artigo publicado dias atrás pelo diário inglês The Guardian, Nafeez Ahmed, diretor do Institute for Policy Research & Development, outro think tank especializado em questões geopolíticas, lembra que a produção de petróleo do Egito já caiu 26% desde 1996 e o país, que era auto-suficiente em produção de alimentos nos anos 60, desenvolveu uma grande dependência de exportações subsidiadas pela venda do petróleo. Esses dois fatores tornam o Egito muito vulnerável aos impactos das mudanças climáticas nas regiões de onde vêm seus alimentos, sobretudo os Estados Unidos, a Rússia e a China. As secas dos últimos anos dobraram o preço global do trigo – o Egito importa 75% do volume desse cereal que consome. Essa tendência teve, segundo Ahmed, influência tanto na Primavera Árabe, que derrubou Hosni Mubarak, quanto agora na queda de Morsi;
- Além disso, Morsi apoiou a construção da Grande Barragem do Renascimento, na vizinha Etiópia, com a ambição de ser a maior hidrelétrica africana. O projeto, criticado por grupos nacionalistas egípcios, poderá mudar o balanço hídrico na região, uma vez que a usina operará no Nilo Azul, o maior tributário do rio Nilo, essencial à sobrevivência no Egito.
A grande questão aqui é: como é que a ONU e os países que são protagonistas na mediação de conflitos internacionais estão enxergando essa questão? Será que o Itamaraty já tem uma dimensão dos impactos geopolíticos da crise ambiental global?[:en]O aguçamento da crise ambiental global é um dos principais elos entre as várias ondas de protesto que eclodiram nos últimos três anos, da Primavera Árabe e a guerra civil na Síria, aos protestos no Brasil e na Turquia. O noticiário sobre a deposição do presidente egípcio, Mohamed Morsi, é mais uma evidência de que o comprometimento dos recursos hídricos, o esgotamento do modelo energético à base de combustíveis fósseis e as mudanças climáticas têm condições de desestabilizar países e derrubar governos.
Os fatos:
- O conflito sírio remete a uma seca particularmente intensa que assolou o país entre 2006 e 2010 e deslocou 1,5 milhão de camponeses para as cidades, como foi discutido aqui previamente;
- O estopim dos violentos protestos de junho na Turquia foi a defesa da última área verde de Istambul que o governo pretendia remover para dar lugar a um shopping center;
- Quanto à Primavera Árabe, vários acadêmicos associaram a série de revoluções que mudou a cena política na Tunísia, no Egito, na Líbia e no Iêmen ao aquecimento global, um risco importante numa região de escassos recursos hídricos e temperaturas já muito elevadas. Essa conexão é discutida numa publicação recente do thinktank Center for American Progress, The Arab Spring and Climate Change, que você pode baixar, em inglês;
- E, claro, os recentes protestos nas ruas brasileiras começaram com o grande drama da mobilidade urbana em São Paulo.
A queda do presidente egípcio vai na mesma direção.
- Em artigo publicado dias atrás pelo diário inglês The Guardian, Nafeez Ahmed, diretor do Institute for Policy Research & Development, outro think tank especializado em questões geopolíticas, lembra que a produção de petróleo do Egito já caiu 26% desde 1996 e o país, que era auto-suficiente em produção de alimentos nos anos 60, desenvolveu uma grande dependência de exportações subsidiadas pela venda do petróleo. Esses dois fatores tornam o Egito muito vulnerável aos impactos das mudanças climáticas nas regiões de onde vêm seus alimentos, sobretudo os Estados Unidos, a Rússia e a China. As secas dos últimos anos dobraram o preço global do trigo – o Egito importa 75% do volume desse cereal que consome. Essa tendência teve, segundo Ahmed, influência tanto na Primavera Árabe, que derrubou Hosni Mubarak, quanto agora na queda de Morsi;
- Além disso, Morsi apoiou a construção da Grande Barragem do Renascimento, na vizinha Etiópia, com a ambição de ser a maior hidrelétrica africana. O projeto, criticado por grupos nacionalistas egípcios, poderá mudar o balanço hídrico na região, uma vez que a usina operará no Nilo Azul, o maior tributário do rio Nilo, essencial à sobrevivência no Egito.
A grande questão aqui é: como é que a ONU e os países que são protagonistas na mediação de conflitos internacionais estão enxergando essa questão? Será que o Itamaraty já tem uma dimensão dos impactos geopolíticos da crise ambiental global?