A questão de fundo que embala indignados nos cantos do mundo não está apenas na estrutura de pirâmide que domina a organização social, política e econômica. Mas também o fato de que está erguida sob bases naturais degradadas, ainda que esta seja uma percepção difusa.
O grito por uma maior horizontalidade – na participação política, no combate ao monopólio da representação dos partidos, no acesso mais equânime a oportunidades na vida e a serviços públicos de qualidade – é um libelo contra esse desenho piramidal, no qual 99% carregam os demais nos ombros.
Mas o problema vai além. Como afirma em um interessante artigo o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, colunista do Portal EcoDebate, “a pirâmide da riqueza humana tem crescido e se ampliado sobre uma base de pauperização dos ecossistemas. Não é improvável, que em algum momento, a pirâmide possa afundar por falta de sustentação ecológica ou possa implodir por falta de justiça redistributiva em sua arquitetura social”.
Como se sabe, a riqueza no mundo ainda é gerada e distribuída de forma extremamente desigual. Segundo o Credit Suisse Global Wealth Databook 2012, 69,3% dos adultos no mundo possuem apenas 3,3% da riqueza global, que é estimada em US$ 223 trilhões (em meados de 2012). Em contrapartida, nos alpes nevados dessa pirâmide, somente 0,6% detém nada menos que 39,3% (Não estamos falando de renda, e sim de patrimônio. Em uma simples analogia frequentemente usada, enquanto renda é o fluxo de um rio, o patrimônio é a represa. Inclui bens e pode ser corroído por dívidas.)
Pois bem, esse patrimônio, além de escandalosamente desigual – os adultos mais ricos não chegam nem mesmo a constituir 1%, como protesta o Occupy Wall Street – está em crescimento, mas sem sinais de redistribuição da riqueza.
Segundo Alves, que é professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence/IBGE), a riqueza global aumentou no passado e tende a aumentar nas próximas décadas: cresceu cerca de 50% no século XXI, passando de uma média per capita de US$ 30.700 no ano 2000, para US$ 43.800 em 2010 e para US$ 49.000 em 2012. Este crescimento, por sua vez, se dá com base na exploração, no sentido predatório, do capital natural. Calcado em aumento em consumo, mas não necessariamente em melhor qualidade de vida, o que tende a gerar frustrações.
Essa realidade talvez só mude quando uma nova contabilidade entrar em vigor, considerando como prejuízo ao patrimônio todo impacto social e ambiental negativo, e como ganho ao patrimônio todo impacto positivo – estimulando, assim, empresas e governos a ajustar a prática econômica à capacidade de suporte do planeta ao mesmo tempo em que leva em conta o bem estar das pessoas. É o que se chama no jargão de cálculo das externalidades.
A mensagem “verde” não apareceu claramente nas ruas durante as (provavelmente históricas) manifestações de junho, e a impressão é de que o movimento socioambiental apenas assistiu à banda passar, sem efetivamente protagonizá-lo. Mas, segundo alguns de seus representantes, o ambiente, na condição de mundo físico que dá suporte e perpassa todas as relações sobre a Terra, está presente, ainda que de forma transversal, sutil e difusa nas vozes de toda essa indignação.
E, se a pirâmide ruir, é o chão sobre qual uma organização social e política deve ser reorganizada, cada vez mais em rede, que é justamente como se organiza toda a biosfera.
*Post originalmente publicado no Blog da autora no Terra Magazine