O escritório de análise econômica dos EUA divulgou dias atrás uma revisão dos números do PIB americano de 1929 a 2012 que, entre outras coisas, passa a contabilizar pesquisa & desenvolvimento e produção de obras de arte e entretenimento como investimento. Parece uma tecnicalidade, mas a medida na prática significa que o governo americano passa dar valor para intangíveis gerados pela inovação e pela economia criativa.
O Bureau of Economic Analysis (BEA) criou a categoria “originais de entretenimento, literários e outras obras artísticas” para dar conta da produção de livros, filmes, shows de TV, música e fotos que geram receita durante anos. Itens como esses passam a ser contabilizados como investimentos em vez de gastos, com os custos de produção adicionados ao PIB, assim como a receita gerada toda a vez que são vendidos ou consumidos. O mesmo se aplica a gastos com pesquisa e desenvolvimento de produtos e serviços.
Como resultado, os números recentes do PIB mostram um crescimento econômico mais robusto do que o originalmente estimado. A revisão elevou a taxa de crescimento do PIB dos EUA no ano passado de 2,2% para 2,8% e tem impacto sobre toda a série de dados.
No caso de intangíveis artísticos ou criativos, não basta que sejam originais para entrar no PIB. Têm de receber remuneração e gerar valor comercial de longo prazo segundo o julgamento do BEA.
O seriado Seinfeld, por exemplo, tem valor comercial de longo prazo para o BEA, pois os episódios continuam a ser veiculados muito tempo depois de produzidos. Um jogo de futebol transmitido pela TV, uma coluna de jornal ou um post em um blog na internet, na análise do escritório, são produtos efêmeros e não entram na conta.
Além disso, vídeos no You Tube ou obras licenciadas via Creative Commons que não tenham sido comercializadas também ficam de fora.
“Nesse sentido, o que recebe valor aqui é o entretenimento protegido por copyright, que na era dos vídeos virais é na verdade uma parcela decrescente do que assistimos”, criticaram os economistas Jared Bernstein e Dean Baker em artigo no The New York Times.
Bernstein e Baker destacam que não só o valor atribuído a obras criativas é arbitrário, mas certos custos, em particular os ambientais, continuam de fora da conta do PIB.
“O fato de não contabilizar a degradação ambiental é uma falha séria do nosso sistema de medição”, escreveram. “Se usamos o faturamento hidráulico para alcançar reservatórios profundos de gás natural e o processo polui o lençol freático, contamos apenas o valor do gás. Não há subtração pela poluição da água subterrânea ou pela emissão de gases de efeito estufa quando o gás é queimado”.
Um estudo encomendado pela TEEB Business Coalition e divulgado em abril avaliou os custos das principais atividades econômicas e calculou o valor das externalidades ambientais em US$ 7,3 trilhões, ou 13% do PIB mundial em 2009.
A futurista Hazel Henderson aplaudiu as mudanças feitas pelo BEA, lembrando que mais de 70% da economia americana atualmente é dominada pela produção de intangíveis. Mas reforçou que o PIB ainda precisa de muito conserto.
“O investimento fundamental que todas as sociedades fazem em seu futuro é a educação de suas crianças”, escreveu. “O PIB ainda trata isso como ‘gasto’. Por décadas tenho defendido que toda a educação seja tratada como ‘investimento’”.
A revisão dos números do PIB americano mais uma vez mostra o caráter normativo da macroeconomia, lembra Hazel Henderson, com o peso e o valor de um conjunto de bens e serviços decididos arbitrariamente pelos economistas. Se toda a produção não remunerada fosse incluída no PIB, os países em desenvolvimento pareceriam mais ricos. E se além disso toda a degradação ambiental fosse contabilizada, os países ricos pareceriam mais pobres.