Uma agenda consistente de trabalho e o compromisso para apresentar metas no ano que vem são o melhor resultado que podemos esperar de uma conferência que corre o risco de entrar para a História como a CoP do carvão.
Perto do fim da primeira semana da CoP19, a sensação de dejá vú é inevitável. Mais uma vez, o negociador filipino foi o responsável pelo discurso mais emocionante. Mais uma vez, o Germanwatch divulga que os países pobres são os mais vulneráveis aos eventos climáticos extremos. Mais uma vez, aliás, temos um evento climático vitimando milhares de pessoas enquanto acontece a conferência. Mais uma vez, temos a divulgação de que estamos vivendo os anos mais quentes da história recente do planeta, de que a quantidade de gases causadores do efeito estufa na atmosfera já está em níveis alarmantes, de que o certo seria deixar as reservas de combustíveis fósseis intocadas…
Mesmo o novo relatório do IPCC chega com um certo gosto de notícia velha. Pois apesar da maior gama de detalhes e da maior certeza científica, basicamente o AR5 confirma que estamos seguindo em uma trajetória que esgotará já em 2030 todo o carbono que poderemos queimar neste século sem alterar perigosamente o clima do planeta. Da mesma forma, a Agência Internacional de Energia (IEA) confirma o exposto por uma forte campanha feita na CoP18 contra os subsídios aos combustíveis fósseis. Segundo a IEA, os governos gastaram US$ 523 bilhões em subsídios aos combustíveis fósseis em 2011 – uma completa inversão de prioridades, do ponto de vista da mudança climática: para cada US$ 1 em apoio às energias renováveis, outros US$ 6 estão promovendo combustíveis intensivos em carbono. Parte dos subsídios aos combustíveis fósseis estão acontecendo em países emergentes e em desenvolvimento, haja vista os subsídios à gasolina impostos pelo governo brasileiro à Petrobrás. Mas talvez sejam mais importantes nos países ricos. Pesquisa do Overseas Development Institute, do Reino Unido, mostrou que os subsídios ao consumo de combustíveis fósseis em 11 países da OCDE alcançam o total de US$ 72 bilhões dólares, ou cerca de US$ 112 por habitante adulto destes países.
Essa perversidade econômica estrangula, no nascimento, as inovações tecnológicas que podem contribuir para evitarmos a colisão iminente entre a economia global (e o seu sistema energético) e os limites ecológicos do nosso planeta. Os recentes desenvolvimentos em energia eólica, solar, bio-combustíveis , geotermia, marés, células de combustível e eficiência energética estão aumentando as possibilidades de construção de um cenário energético de baixo carbono. Além de poderem afastar a crise climática, estas tecnologias poderiam abrir novas oportunidades de investimento, fornecer energia a preços acessíveis e sustentar o crescimento. Mas este potencial somente será realizado se os governos perseguirem ativamente políticas industriais sustentáveis. É necessário alinhar o objetivo de mitigação da crise climática com desincentivos para as fontes de energia intensivas em carbono por meio de impostos e apoio a alternativas sustentáveis.
O fim dos subsídios aos combustíveis fósseis precisa ser acompanhado por políticas que favoreçam a transferência de tecnologias limpas. Não podemos deixar de lado o exemplo da China, da Índia e também do Brasil, para onde multinacionais historicamente enviam plataformas de produção sujas e energo-intensivas. Infelizmente, as negociações sobre tecnologia estão entre as mais emperradas – tanto no formato anterior, estabelecido pelo Caminho de Bali, como agora, na chamada Plataforma Durban. Simultaneamente, tomamos conhecimento, pelo WikiLeaks, da Parceria Trans-Pacífica (TPP) referente a patentes e proteção intelectual – acordo que vem sendo negociado secretamente entre líderes de 12 países que concentram 40% do PIB e um terço do comércio global e que visa impor medidas mais agressivas para coibir a quebra de propriedade intelectual.
A discrepância entre o que a ciência recomenda e o que os governos estão promovendo permanece, independente do formato das negociações climáticas. Saímos dos dois trilhos estabelecidos em Bali para a Plataforma Durban, mas os compromissos financeiros ou metas mais agressivas de mitigação não vieram. Na primeira semana da CoP19, os discursos dos negociadores reviveram posicionamentos arcaicos e obstrutivos ao processo. Sim, é certo que já sabíamos que esta não seria uma conferência de grandes resultados. Mas o fato é que os bad guys resolveram ser realmente bad sob a condução complacente de uma presidência que não se constrange em explicitar sua conduta em prol do carvão e demais combustíveis fósseis. Tanto que a Rússia abriu mão de atravancar o processo, guardando suas queixas sobre o processo da UNFCCC para outra ocasião.
Esta outra ocasião pode ser a CoP20, no Peru, para onde as esperanças de negociações mais produtivas se voltam. Antes, porém, haverá a cúpula de Ban Ki Moon, para a qual as lideranças dos países estão convidadas. O objetivo é gerar a sensibilidade política que faltou em Copenhague e tentar definir metas antes da reta derradeira do acordo, em Paris. Esse encontro deve ser precedido e seguido de várias reuniões interseccionais para que os delegados avancem na costura do acordo e para que os itens críticos, como metas de mitigação e financiamento, comecem a adquirir contornos mais concretos.
Em outras palavras, uma agenda consistente de trabalho e o compromisso para apresentar metas no ano que vem são o melhor resultado que podemos esperar de uma conferência que corre o risco de entrar para a História como a CoP do carvão.
(*) Délcio Rodrigues é especialista em Mudanças Climáticas do Vitae Civilis. Silvia Dias, membro do Conselho Deliberativo do Vitae Civilis, acompanha as negociações climáticas desde 2009.