Grain Brain, do neurologista e nutricionista David Perlemutter, é best-seller desde sua publicação em setembro e está sendo lançado em 15 países. Perlemutter é um guru multimídia, especialidade médica que prolifera nos Estados Unidos. Seu livro, acompanhado de um documentário especial de 90 minutos, produzido pelo canal público PBS, argumenta que uma dieta à base de grãos (que ele chama de “assassinos silenciosos do cérebro”) pode levar aos mais diversos distúrbios neurológicos, inclusive depressão, déficit de atenção e Mal de Alzheimer. Na avaliação de Perlemutter, os carboidratos provocam picos glicêmicos que elevam bruscamente a taxa de açúcar no sangue entre 1,5 e 2 horas após a ingestão e esses picos têm um impacto bastante dramático sobre o cérebro. Para ele, seria melhor se copiássemos a alimentação dos primeiros humanos, à base de muita proteína animal.
A cruzada de Perlemutter contra os carboidratos me faz lembrar um encontro bizarro que tive alguns anos atrás, quando morava no estado americano de New Mexico. Numa festa, puxei conversa com uma senhora acabrunhada num canto. Ela me contou que não podia comer absolutamente nada do que via ali – todos os pratos e guloseimas passaram por algum tipo de cozimento e ela se recusava a experimentar o que não fosse cru. De repente, a mulher começa a soluçar desconsolada (de fome e solidão, imagino eu).
Nesta minha década nos Estados Unidos, deparei várias vezes com obsessões alimentares que nada têm a ver com imposições médicas, éticas ou religiosas. A demonização de certos alimentos parece surgir do nada e se alastra mesmo sem provas consistentes. No Brasil e na França, onde também vivi, lembro de apenas uns poucos amigos que mencionaram uma alergia ou intolerância à lactose, amendoins ou glúten. Nos EUA, o assunto está sempre em pauta – difícil a festa em que alguém não faz alguma menção a respeito. Meu marido está convencido de que é intolerante a lactose e glúten, embora não tenha nenhuma evidência clínica nesse sentido. Seriam os americanos mais suscetíveis a esses distúrbios? Ou simplesmente mais suscetíveis a temer tais distúrbios?
Num artigo cáustico e divertido, James Hamblin, médico e editor sênior da The Atlantic, desmonta os argumentos de Perlemutter, mostrando que suas bases científicas não são suficientemente sólidas. O artigo enumera populações que têm boa saúde apesar de uma dieta quase que só baseadas em carboidratos – os Tukisenta, dos planaltos de Papua Nova Guiné; a população de Okinawa, no extremo sul do Japão; os Hadza, da Tanzânia; os Kuna, do Panamá. E o que dizer dos gregos, italianos e outros povos mediterrâneos e sua dieta elogiada por outros tantos gurus da saúde?
O epidemiologista David Katz, diretor fundador do Centro de Pesquisas sobre Prevenção da Universidade de Yale e autor de guias de nutrição para a prática da Medicina, diz à revista que até admira Perlemutter em outros departamentos, mas que as ideias do livro não se sustentam. “Ele está absolutamente certo quando diz que comemos açúcar e pão branco em excesso. Mas o resto do que escreveu é completamente fabricado para dar suporte à sua hipótese. E essa não é a forma correta de se fazer Ciência”.
Hamblin também se pergunta como é possível considerar os nossos ancestrais pré-históricos como exemplo de saúde se raramente ultrapassavam os 40 anos e, portanto, não estavam particularmente expostos a distúrbios associados à velhice, como o mal de Alzheimer e as doenças cardiovasculares.
Finalmente, ele cita um segundo livro lançado no ano passado, Do you Believe in Magic? (em português, Você Acredita em Mágica?, não disponível no Brasil) do pediatra Paul Offit, da University of Pennsylvania, que mostra como boa parte dos mitos associados à saúde que circulam por aí carecem de fundamentação científica. Hamblin, da The Atlantic, cutuca: “o livro de Offit passou zero semanas na lista de best-sellers“. Claro, ele não é tão bombástico quanto Grain Bain, não busca um bode espiatório e não alimenta o medo que os americanos têm da comida.
P.S. – Este post é inspirado pela excelente edição de dezembro sobre alimentação da Página 22. Parabéns à equipe![:en]
Grain Brain, do neurologista e nutricionista David Perlemutter, é best-seller desde sua publicação em setembro e está sendo lançado em 15 países. Perlemutter é um guru multimídia, especialidade médica que prolifera nos Estados Unidos. Seu livro, acompanhado de um documentário especial de 90 minutos, produzido pelo canal público PBS, argumenta que uma dieta à base de grãos (que ele chama de “assassinos silenciosos do cérebro”) pode levar aos mais diversos distúrbios neurológicos, inclusive depressão, déficit de atenção e Mal de Alzheimer. Na avaliação de Perlemutter, os carboidratos provocam picos glicêmicos que elevam bruscamente a taxa de açúcar no sangue entre 1,5 e 2 horas após a ingestão e esses picos têm um impacto bastante dramático sobre o cérebro. Para ele, seria melhor se copiássemos a alimentação dos primeiros humanos, à base de muita proteína animal.
A cruzada de Perlemutter contra os carboidratos me faz lembrar um encontro bizarro que tive alguns anos atrás, quando morava no estado americano de New Mexico. Numa festa, puxei conversa com uma senhora acabrunhada num canto. Ela me contou que não podia comer absolutamente nada do que via ali – todos os pratos e guloseimas passaram por algum tipo de cozimento e ela se recusava a experimentar o que não fosse cru. De repente, a mulher começa a soluçar desconsolada (de fome e solidão, imagino eu).
Nesta minha década nos Estados Unidos, deparei várias vezes com obsessões alimentares que nada têm a ver com imposições médicas, éticas ou religiosas. A demonização de certos alimentos parece surgir do nada e se alastra mesmo sem provas consistentes. No Brasil e na França, onde também vivi, lembro de apenas uns poucos amigos que mencionaram uma alergia ou intolerância à lactose, amendoins ou glúten. Nos EUA, o assunto está sempre em pauta – difícil a festa em que alguém não faz alguma menção a respeito. Meu marido está convencido de que é intolerante a lactose e glúten, embora não tenha nenhuma evidência clínica nesse sentido. Seriam os americanos mais suscetíveis a esses distúrbios? Ou simplesmente mais suscetíveis a temer tais distúrbios?
Num artigo cáustico e divertido, James Hamblin, médico e editor sênior da The Atlantic, desmonta os argumentos de Perlemutter, mostrando que suas bases científicas não são suficientemente sólidas. O artigo enumera populações que têm boa saúde apesar de uma dieta quase que só baseadas em carboidratos – os Tukisenta, dos planaltos de Papua Nova Guiné; a população de Okinawa, no extremo sul do Japão; os Hadza, da Tanzânia; os Kuna, do Panamá. E o que dizer dos gregos, italianos e outros povos mediterrâneos e sua dieta elogiada por outros tantos gurus da saúde?
O epidemiologista David Katz, diretor fundador do Centro de Pesquisas sobre Prevenção da Universidade de Yale e autor de guias de nutrição para a prática da Medicina, diz à revista que até admira Perlemutter em outros departamentos, mas que as ideias do livro não se sustentam. “Ele está absolutamente certo quando diz que comemos açúcar e pão branco em excesso. Mas o resto do que escreveu é completamente fabricado para dar suporte à sua hipótese. E essa não é a forma correta de se fazer Ciência”.
Hamblin também se pergunta como é possível considerar os nossos ancestrais pré-históricos como exemplo de saúde se raramente ultrapassavam os 40 anos e, portanto, não estavam particularmente expostos a distúrbios associados à velhice, como o mal de Alzheimer e as doenças cardiovasculares.
Finalmente, ele cita um segundo livro lançado no ano passado, Do you Believe in Magic? (em português, Você Acredita em Mágica?, não disponível no Brasil) do pediatra Paul Offit, da University of Pennsylvania, que mostra como boa parte dos mitos associados à saúde que circulam por aí carecem de fundamentação científica. Hamblin, da The Atlantic, cutuca: “o livro de Offit passou zero semanas na lista de best-sellers“. Claro, ele não é tão bombástico quanto Grain Bain, não busca um bode espiatório e não alimenta o medo que os americanos têm da comida.
P.S. – Este post é inspirado pela excelente edição de dezembro sobre alimentação da Página 22. Parabéns à equipe!