Supor que a tecnologia seja capaz de superar indefinidamente os limites ambientais é um grande ponto de divergência entre economistas neoclássicos e ecológicos. Reconhecidas as lacunas da visão predominante, está na hora de ampliar o horizonte
As contestações sobre até que ponto a economia pode crescer se intensificaram na década de 1970, com a publicação do relatório Os Limites do Crescimento[1], que previa um cenário de colapso para o século XXI, se fossem mantidos os padrões de produção e consumo.
Naquela época, a tecnologia ainda era vista como a principal responsável pelos problemas ambientais. Mas, ao fim da década de 1980, uma mudança nessa percepção resgatou o progresso científico como uma alternativa para contornar os limites físicos e ambientais do planeta. Até que ponto, no entanto, podemos depositar nossas esperanças apenas nos avanços tecnológicos?
Essa questão é um divisor de águas entre as duas correntes em economia voltadas para questões do meio ambiente: a economia ambiental – alinhada ao mainstream neoclássico ou convencional – e a economia ecológica.
O sistema econômico abrange os processos de circulação de produtos, insumos e dinheiro entre empresas e indivíduos. Nesses processos são transacionados bens e serviços elaborados com fatores de produção, como capital, força de trabalho e recursos naturais.
A economia neoclássica sugere que tais trocas ocorrem ciclicamente, como um sistema autossuficiente. Se esse modelo traduzisse de forma fiel a realidade, a economia seria um “reciclador perfeito”, sem geração de resíduos ou efluentes e sem extração de matérias-primas para que o fluxo se mantenha constante.
Considerando-se que os recursos naturais são necessários aos processos produtivos, a possível escassez dessa fonte seria compensada pelo uso intensivo de qualquer um dos demais fatores de produção: capital ou trabalho. Além disso, a falta de recursos forçaria a busca de alternativas que surgiriam com os avanços tecnológicos.
Essas alternativas seriam impulsionadas por uma estrutura regulatória, baseada em incentivos econômicos, aumentando a eficiência no uso dos recursos naturais.
Os mecanismos de mercado têm, nesse caso, o papel de evitar a falta de recursos, uma vez que o preço subiria em períodos de escassez, forçando a busca de alternativas por meio da tecnologia. Assim, tais mecanismos forçariam os agentes econômicos a internalizar os impactos ambientais da sua atividade.
Mesmo com auxílio dos mecanismos de mercado, a preocupação neoclássica em manter crescentes os níveis de produção pertence a uma perspectiva de curto prazo, pois desconsidera os limites físicos do planeta e os impactos futuros para a sociedade. Os horizontes mais distantes vislumbrados pela economia mainstream não passam de 50 anos.
Reconhecer que há limites naturais intransponíveis e que as externalidades desses processos virão em algum momento, como fazem os economistas eco ecológicos, é incluir a variável do longo prazo nas projeções econômicas para buscar o equilíbrio entre consumo e recursos disponíveis. Portanto, o entendimento de que um crescimento ilimitado não se sustenta a longo prazo é a primeira divergência entre neoclássicos e ecológicos.
A segunda diferença é que a economia ecológica entende que o sistema econômico é um subsistema de outro bem maior, o planeta, que é finito. Já os neoclássicos veem a natureza como um setor ou subsistema da economia.
A tecnologia, peça-chave da teoria neoclássica na superação dos limites físicos, também é valorizada pela corrente ecológica. O processo científico pode aumentar significativamente a eficiência na utilização dos recursos naturais. Mas esse ganho representa apenas uma sobrevida à atividade econômica.
Além disso, a economia ecológica também acredita em uma estrutura regulatória capaz de aumentar os níveis de eficiência. Mas, novamente, trata-se apenas de uma melhora incremental e temporária. Por isso, assumir que o progresso científico não é suficiente para superar os limites físicos do planeta é a terceira principal divergência entre as duas correntes econômicas.
Um grupo de estudantes da Universidade de Manchester, no Reino Unido, redigiu um manifesto contra o monopólio da teoria neoclássica dentro dos cursos de economia. Grupos semelhantes têm sido criados em outras universidades, pois escolas de pensamento como o marxista, o evolucionista, o da economia pós-keynesiana e até mesmo o da economia ecológica são simplesmente ignoradas e consideradas inferiores ao mainstream convencional.
Reconhecidas as lacunas da visão predominante, é hora de ampliar o horizonte e buscar explicações em outras teorias econômicas.
*Pesquisadora do programa Finanças Sustentáveis do GVces e mestranda em Sustentabilidade pela USP[:en]Supor que a tecnologia seja capaz de superar indefinidamente os limites ambientais é um grande ponto de divergência entre economistas neoclássicos e ecológicos. Reconhecidas as lacunas da visão predominante, está na hora de ampliar o horizonte
As contestações sobre até que ponto a economia pode crescer se intensificaram na década de 1970, com a publicação do relatório Os Limites do Crescimento[1], que previa um cenário de colapso para o século XXI, se fossem mantidos os padrões de produção e consumo.
[1] Formulado, em 1972, pelo Massachusetts Institute of Technology sob encomenda do Clube de Roma
Naquela época, a tecnologia ainda era vista como a principal responsável pelos problemas ambientais. Mas, ao fim da década de 1980, uma mudança nessa percepção resgatou o progresso científico como uma alternativa para contornar os limites físicos e ambientais do planeta. Até que ponto, no entanto, podemos depositar nossas esperanças apenas nos avanços tecnológicos?
Essa questão é um divisor de águas entre as duas correntes em economia voltadas para questões do meio ambiente: a economia ambiental – alinhada ao mainstream neoclássico ou convencional – e a economia ecológica.
O sistema econômico abrange os processos de circulação de produtos, insumos e dinheiro entre empresas e indivíduos. Nesses processos são transacionados bens e serviços elaborados com fatores de produção, como capital, força de trabalho e recursos naturais.
A economia neoclássica sugere que tais trocas ocorrem ciclicamente, como um sistema autossuficiente. Se esse modelo traduzisse de forma fiel a realidade, a economia seria um “reciclador perfeito”, sem geração de resíduos ou efluentes e sem extração de matérias-primas para que o fluxo se mantenha constante.
Considerando-se que os recursos naturais são necessários aos processos produtivos, a possível escassez dessa fonte seria compensada pelo uso intensivo de qualquer um dos demais fatores de produção: capital ou trabalho. Além disso, a falta de recursos forçaria a busca de alternativas que surgiriam com os avanços tecnológicos.
Essas alternativas seriam impulsionadas por uma estrutura regulatória, baseada em incentivos econômicos, aumentando a eficiência no uso dos recursos naturais.
Os mecanismos de mercado têm, nesse caso, o papel de evitar a falta de recursos, uma vez que o preço subiria em períodos de escassez, forçando a busca de alternativas por meio da tecnologia. Assim, tais mecanismos forçariam os agentes econômicos a internalizar os impactos ambientais da sua atividade.
Mesmo com auxílio dos mecanismos de mercado, a preocupação neoclássica em manter crescentes os níveis de produção pertence a uma perspectiva de curto prazo, pois desconsidera os limites físicos do planeta e os impactos futuros para a sociedade. Os horizontes mais distantes vislumbrados pela economia mainstream não passam de 50 anos.
Reconhecer que há limites naturais intransponíveis e que as externalidades desses processos virão em algum momento, como fazem os economistas eco ecológicos, é incluir a variável do longo prazo nas projeções econômicas para buscar o equilíbrio entre consumo e recursos disponíveis. Portanto, o entendimento de que um crescimento ilimitado não se sustenta a longo prazo é a primeira divergência entre neoclássicos e ecológicos.
A segunda diferença é que a economia ecológica entende que o sistema econômico é um subsistema de outro bem maior, o planeta, que é finito. Já os neoclássicos veem a natureza como um setor ou subsistema da economia.
A tecnologia, peça-chave da teoria neoclássica na superação dos limites físicos, também é valorizada pela corrente ecológica. O processo científico pode aumentar significativamente a eficiência na utilização dos recursos naturais. Mas esse ganho representa apenas uma sobrevida à atividade econômica.
Além disso, a economia ecológica também acredita em uma estrutura regulatória capaz de aumentar os níveis de eficiência. Mas, novamente, trata-se apenas de uma melhora incremental e temporária. Por isso, assumir que o progresso científico não é suficiente para superar os limites físicos do planeta é a terceira principal divergência entre as duas correntes econômicas.
Um grupo de estudantes da Universidade de Manchester, no Reino Unido, redigiu um manifesto contra o monopólio da teoria neoclássica dentro dos cursos de economia. Grupos semelhantes têm sido criados em outras universidades, pois escolas de pensamento como o marxista, o evolucionista, o da economia pós-keynesiana e até mesmo o da economia ecológica são simplesmente ignoradas e consideradas inferiores ao mainstream convencional.
Reconhecidas as lacunas da visão predominante, é hora de ampliar o horizonte e buscar explicações em outras teorias econômicas.
*Pesquisadora do programa Finanças Sustentáveis do GVces e mestranda em Sustentabilidade pela USP