Tendências são vistas a olho nu. Mas imaginar o tempo mais distante e estar preparado para “o que der e vier” pede, além de metodologias rigorosas, muita intuição
O craque recebe a bola ainda no meio de campo, olha em todas as direções e, em segundos, constrói vários cenários possíveis antes de optar pela jogada que o conduzirá ao gol – ou não, pois uma partida de futebol, assim como quase tudo na vida, está sujeita a imprevistos. Mas o que faz a diferença nessa cena é a capacidade de imaginar reações possíveis, como que rompendo a barreira do tempo futuro por um breve instante. Pode estar aí a razão pela qual uns poucos se sobressaem aos seus pares, seja no futebol, seja na arte, na ciência, no design, na empresa etc.
Esses “iluminados”, segundo a britânica WGSN, a maior empresa de pesquisa de tendências de comportamento do mundo, não passam de 2% a 5% do total da população mundial. São eles que vão mudando o planeta com frequentes doses de inovação.
A fonte que alimenta de dados uma empresa que pesquisa tendências, no entanto, não são os inovadores propriamente, mas sim os chamados early adopters, um grupo populacional superantenado, composto por 5% a 20% dos habitantes do globo, que adota para si o que há de mais atual no mundo em um determinado setor. A diretora de pesquisa e planejamento da Mindset/WGSN, Letícia Abraham Malta, explica que essas pessoas, cujo comportamento acaba causando um certo estranhamento por ser vanguardista, funcionam como uma ponte entre o ente inovador e a empresa que pesquisa tendências no mundo.
Embora fundamental para indústrias da moda, decoração e beleza, e também muito usada na construção de marcas nos mais diversos segmentos empresariais, a análise de tendências diz respeito a um futuro que já foi escrito. Do early adopter ao mainstream, no campo da moda, por exemplo, é só uma questão de se cumprirem algumas poucas etapas.
Outros exemplos de tendências podem ser o envelhecimento da população, o acesso da mulher a postos de comando, o aquecimento global. “Tendências são vistas a olho nu, basta ‘abrir a janela’ e prestar atenção”, resume Rosa Alegria, diretora da Perspektiva, consultoria de cenários e estratégias, e vice-presidente do Núcleo de Estudos do Futuro da PUC-SP.
Mas o que dizer do futuro mais longínquo, para o qual ainda não se delinearam tendências e só há imprevisibilidade? Esse ninguém consegue enxergar. Imaginá-lo, porém, não só é possível como já se tornou um exercício corriqueiro em grandes corporações. Principalmente depois que o Clube de Roma [1], com suas lentes sempre mirando o longo prazo, alertou o mundo para a finitude dos recursos naturais a manter-se o cenário business as usual – ressalve-se que em 1968 essa premissa não era tão óbvia quanto hoje.
[1] Associação internacional fundada para discutir os problemas mundiais sob uma ótica multidisciplinar e perspectiva de longo prazo
Aparentemente as grandes empresas não deram muita bola para as prospecções alarmantes do Clube de Roma. Mas, na década de 1970, a Shell, exploradora de um recurso natural não renovável, convidou o executivo francês Pierre Wack para chefiar o seu recém-criado departamento de planejamento nos seus escritórios de Londres.
No livro A Arte da Visão de Longo Prazo, o futurista Peter Schwartz [2] conta que Wack e sua equipe examinaram a situação da petrolífera anglo-holandesa muito detalhadamente, contextualizando-a em um ambiente histórico e econômico. Apuraram que, estranhamente, o preço do petróleo não se alterava desde o término da Segunda Guerra Mundial, em 1945, embora os árabes tivessem motivos de sobra para aumentá-lo.
[2] Futurista e presidente da Global Business Network, empresa dedicada à exploração do futuro, fundada em 1987, na Califórnia
Wack expôs sua preocupação com o risco de uma alta no preço do petróleo, mas a diretoria da Shell não esboçou reação. Sem desanimar, o francês buscou nos Estados Unidos uma metodologia de estudos de cenários, desenvolvidos para fins militares estratégicos durante a Segunda Guerra, que já estavam sendo usados comercialmente com algum sucesso. Aprimorou-a e construiu vários cenários possíveis para a empresa.
O executivo francês deixou as versões mais otimistas na gaveta e tratou de envolver o maior número possível de departamentos da empresa – das equipes de gerentes aos engenheiros perfuradores de petróleo e marqueteiros – na pior das projeções: que decisões poderiam ser tomadas diante de um possível aumento nos preços do petróleo por parte da Opep, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo?
Foi bem a tempo. “Em outubro de 1973, depois da Guerra do Yom Kippur no Oriente Médio, houve uma alta no preço e a crise de energia abateu-se sobre o mundo”, lembra Schwartz. Menor entre as sete grandes petroleiras do mundo, a Shell era a única preparada para enfrentar aquele “pesadelo”. Resultado: a petrolífera cresceu em plena crise do petróleo, tornou-se a segunda maior no setor e a mais rentável de todas durante o período, de acordo com Schwartz.
A Shell nunca mais abandonou o uso de cenários nas grandes decisões e alardeia em seu site: “As organizações que usam cenários têm mais facilidade de reconhecer problemas iminentes no seu próprio ambiente operacional, tais como mudanças políticas, transformações demográficas ou recessões. Os cenários também aumentam a resiliência em relação a mudanças repentinas causadas por crises inesperadas, como desastres naturais ou conflitos armados”.
A metodologia desenvolvida por Pierre Wack ganhou fama. Ao descrever o seu estudo de cenários em um artigo na Harvard Business Review, ele explicou que, para operar em um ambiente de incertezas, as pessoas precisam ser capazes de “reperceber” a forma como o mundo funciona, a fim de poder enxergá-lo mais claramente. Ou seja, não se trata de prever o futuro, mas de estar preparado para tomar as melhores decisões, aconteça o que acontecer.
E, para Peter Schwartz, que na década de 1980 trabalhou com Wack na Shell, o objetivo dos cenários também não é escolher um futuro preferido. Tampouco trabalhar para criá-lo, mesmo que agir para tornar o futuro melhor seja uma função útil dos cenários em algumas situações. “O maior objetivo é poder tomar decisões estratégicas que sejam plausíveis para todos os futuros possíveis”, diz.
CENÁRIOS E NARRATIVAS
Das várias metodologias que se desenvolveram no mundo de lá para cá, duas têm sido predominantes, segundo Andrea Belfort, consultora sênior da Macroplan, empresa especializada em cenários prospectivos: a escola francesa e a anglo-saxônica. A primeira caracteriza-se por um alto nível de sofisticação e de estruturação, forte rigor metodológico e pelo uso de diversos sistemas analíticos no processo de elaboração de cenários.
Na segunda, predominam métodos intuitivos e criativos na geração dos cenários. “Comparando as duas metodologias no tocante aos instrumentos utilizados, a da escola francesa pode ser considerada hard, enquanto a da escola anglo-saxônica é dita soft”, avalia a consultora. “Ambas cumprem o papel de elaborar cenários plausíveis, coerentes, qualitativamente contrastantes e úteis para o processo estratégico”, diz. Foi o teatro, aliás, que inspirou o uso do termo cenário. Andrea explica que, não coincidentemente, um cenário é construído a partir de uma história imaginada. A narrativa precisa ter coerência e o máximo de inflexões ao longo do tempo para gerar cenas finais diferentes. Os cenários partem do momento atual e se desenrolam até uma determinada data no futuro, seguindo por caminhos distintos. Cada caminho é um roteiro.
Para criar histórias coerentes com uma estrutura bem “amarrada”, Rosa, do Núcleo de Estudos do Futuro, revela que gosta de incluir jornalistas em suas equipes. “São profissionais com prática em dar um sentido lógico às narrativas, prerrogativa essencial para se obter um cenário plausível”, explica. Outras categorias profissionais que não podem faltar na equipe são engenheiros, administradores de empresas, economistas, sociólogos, antropólogos, entre outros, dependendo da empresa e do que se quer prospectar. Quanto mais diversidade na equipe, mais cenários alternativos surgirão. “Se forem poucas pessoas ou se houver muito consenso, só haverá um futuro possível”, ressalta.
Outro pré-requisito para vestir esses “óculos” multidimensionais, sistêmicos e “antimiopia” de curto prazo, que alonga o olhar para além do mercado competidor, é saber encontrar fontes privilegiadas. De preferência que ainda não entraram no radar da grande mídia. As melhores informações para construir cenários em geral estão em teses de doutorado, em registro de patentes, em blogs. “Se dez anos atrás um profissional confessasse usar blogs como fonte de pesquisa seria motivo de zombaria. Mas hoje todo cientista tem um blog no qual sinaliza a direção das suas pesquisas”, diz a futurista da Perspektiva.
Apurar o senso de observação no dia a dia também é um exercício importante para a atividade. Por exemplo, quando se nota a predominância de carrinhos duplos de bebê nas ruas e nos shopping centers, isso significa uma tendência à inseminação artificial. Esse dado seguramente poderá ser útil na construção de um cenário.
CURTO PRAZO EMBAÇA O OLHAR
Apesar de todas as incertezas e riscos, o futuro está repleto de oportunidades. Mas o curto-prazismo dos governos e do sistema privado, centrado fundamentalmente em um tipo de crescimento associado ao aumento da desigualdade e do desemprego, embaça o olhar e prejudica o enfrentamento de desafios globais, como a mudança climática.
Esse é o teor do relatório Now for the Long Term, de 86 páginas, lançado no fim de 2013 pela Universidade de Oxford e pela Comissão Oxford Martin para Futuras Gerações, e que apresenta um estudo de megatendências nos seguintes setores da sociedade: geopolítica, tecnologia, mobilidade, sustentabilidade, saúde e demografia (mais em “O mundo depois de amanhã“).
A Comissão Oxford Martin para Futuras Gerações, autora do relatório, é formada por um grupo de líderes mundiais, no qual figuram o Nobel de Economia Amartya Sen, a presidente eleita do Chile, Michelle Bachelet, e o editor do Financial Times Lionel Barber, entre outras personalidades que compartilham da ideia de que a humanidade está atualmente em uma espécie de encruzilhada: este poderá ser o nosso melhor século, ou o nosso pior.
O resultado vai depender da capacidade do homem de compreender e aproveitar as oportunidades extraordinárias que estão postas, bem como gerir as incertezas e os riscos sem precedentes. O relatório aponta vários destinos possíveis para a sociedade. Qual deles vamos escolher? Só rompendo a barreira do tempo para saber. Mas, como mostram os especialistas e também os craques de futebol, imaginar o futuro aumenta a chance de gol.
Leia mais:
As principais tendências globais para os próximos anos, em “O mundo depois de amanhã“
A agenda de temas quentes no Brasil em 2014, em “Radar ligado“
[:en]Tendências são vistas a olho nu. Mas imaginar o tempo mais distante e estar preparado para “o que der e vier” pede, além de metodologias rigorosas, muita intuição
O craque recebe a bola ainda no meio de campo, olha em todas as direções e, em segundos, constrói vários cenários possíveis antes de optar pela jogada que o conduzirá ao gol – ou não, pois uma partida de futebol, assim como quase tudo na vida, está sujeita a imprevistos. Mas o que faz a diferença nessa cena é a capacidade de imaginar reações possíveis, como que rompendo a barreira do tempo futuro por um breve instante. Pode estar aí a razão pela qual uns poucos se sobressaem aos seus pares, seja no futebol, seja na arte, na ciência, no design, na empresa etc.
Esses “iluminados”, segundo a britânica WGSN, a maior empresa de pesquisa de tendências de comportamento do mundo, não passam de 2% a 5% do total da população mundial. São eles que vão mudando o planeta com frequentes doses de inovação.
A fonte que alimenta de dados uma empresa que pesquisa tendências, no entanto, não são os inovadores propriamente, mas sim os chamados early adopters, um grupo populacional superantenado, composto por 5% a 20% dos habitantes do globo, que adota para si o que há de mais atual no mundo em um determinado setor. A diretora de pesquisa e planejamento da Mindset/WGSN, Letícia Abraham Malta, explica que essas pessoas, cujo comportamento acaba causando um certo estranhamento por ser vanguardista, funcionam como uma ponte entre o ente inovador e a empresa que pesquisa tendências no mundo.
Embora fundamental para indústrias da moda, decoração e beleza, e também muito usada na construção de marcas nos mais diversos segmentos empresariais, a análise de tendências diz respeito a um futuro que já foi escrito. Do early adopter ao mainstream, no campo da moda, por exemplo, é só uma questão de se cumprirem algumas poucas etapas.
Outros exemplos de tendências podem ser o envelhecimento da população, o acesso da mulher a postos de comando, o aquecimento global. “Tendências são vistas a olho nu, basta ‘abrir a janela’ e prestar atenção”, resume Rosa Alegria, diretora da Perspektiva, consultoria de cenários e estratégias, e vice-presidente do Núcleo de Estudos do Futuro da PUC-SP.
Mas o que dizer do futuro mais longínquo, para o qual ainda não se delinearam tendências e só há imprevisibilidade? Esse ninguém consegue enxergar. Imaginá-lo, porém, não só é possível como já se tornou um exercício corriqueiro em grandes corporações. Principalmente depois que o Clube de Roma [1], com suas lentes sempre mirando o longo prazo, alertou o mundo para a finitude dos recursos naturais a manter-se o cenário business as usual – ressalve-se que em 1968 essa premissa não era tão óbvia quanto hoje.
[1] Associação internacional fundada para discutir os problemas mundiais sob uma ótica multidisciplinar e perspectiva de longo prazo
Aparentemente as grandes empresas não deram muita bola para as prospecções alarmantes do Clube de Roma. Mas, na década de 1970, a Shell, exploradora de um recurso natural não renovável, convidou o executivo francês Pierre Wack para chefiar o seu recém-criado departamento de planejamento nos seus escritórios de Londres.
No livro A Arte da Visão de Longo Prazo, o futurista Peter Schwartz [2] conta que Wack e sua equipe examinaram a situação da petrolífera anglo-holandesa muito detalhadamente, contextualizando-a em um ambiente histórico e econômico. Apuraram que, estranhamente, o preço do petróleo não se alterava desde o término da Segunda Guerra Mundial, em 1945, embora os árabes tivessem motivos de sobra para aumentá-lo.
[2] Futurista e presidente da Global Business Network, empresa dedicada à exploração do futuro, fundada em 1987, na Califórnia
Wack expôs sua preocupação com o risco de uma alta no preço do petróleo, mas a diretoria da Shell não esboçou reação. Sem desanimar, o francês buscou nos Estados Unidos uma metodologia de estudos de cenários, desenvolvidos para fins militares estratégicos durante a Segunda Guerra, que já estavam sendo usados comercialmente com algum sucesso. Aprimorou-a e construiu vários cenários possíveis para a empresa.
O executivo francês deixou as versões mais otimistas na gaveta e tratou de envolver o maior número possível de departamentos da empresa – das equipes de gerentes aos engenheiros perfuradores de petróleo e marqueteiros – na pior das projeções: que decisões poderiam ser tomadas diante de um possível aumento nos preços do petróleo por parte da Opep, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo?
Foi bem a tempo. “Em outubro de 1973, depois da Guerra do Yom Kippur no Oriente Médio, houve uma alta no preço e a crise de energia abateu-se sobre o mundo”, lembra Schwartz. Menor entre as sete grandes petroleiras do mundo, a Shell era a única preparada para enfrentar aquele “pesadelo”. Resultado: a petrolífera cresceu em plena crise do petróleo, tornou-se a segunda maior no setor e a mais rentável de todas durante o período, de acordo com Schwartz.
A Shell nunca mais abandonou o uso de cenários nas grandes decisões e alardeia em seu site: “As organizações que usam cenários têm mais facilidade de reconhecer problemas iminentes no seu próprio ambiente operacional, tais como mudanças políticas, transformações demográficas ou recessões. Os cenários também aumentam a resiliência em relação a mudanças repentinas causadas por crises inesperadas, como desastres naturais ou conflitos armados”.
A metodologia desenvolvida por Pierre Wack ganhou fama. Ao descrever o seu estudo de cenários em um artigo na Harvard Business Review, ele explicou que, para operar em um ambiente de incertezas, as pessoas precisam ser capazes de “reperceber” a forma como o mundo funciona, a fim de poder enxergá-lo mais claramente. Ou seja, não se trata de prever o futuro, mas de estar preparado para tomar as melhores decisões, aconteça o que acontecer.
E, para Peter Schwartz, que na década de 1980 trabalhou com Wack na Shell, o objetivo dos cenários também não é escolher um futuro preferido. Tampouco trabalhar para criá-lo, mesmo que agir para tornar o futuro melhor seja uma função útil dos cenários em algumas situações. “O maior objetivo é poder tomar decisões estratégicas que sejam plausíveis para todos os futuros possíveis”, diz.
CENÁRIOS E NARRATIVAS
Das várias metodologias que se desenvolveram no mundo de lá para cá, duas têm sido predominantes, segundo Andrea Belfort, consultora sênior da Macroplan, empresa especializada em cenários prospectivos: a escola francesa e a anglo-saxônica. A primeira caracteriza-se por um alto nível de sofisticação e de estruturação, forte rigor metodológico e pelo uso de diversos sistemas analíticos no processo de elaboração de cenários.
Na segunda, predominam métodos intuitivos e criativos na geração dos cenários. “Comparando as duas metodologias no tocante aos instrumentos utilizados, a da escola francesa pode ser considerada hard, enquanto a da escola anglo-saxônica é dita soft”, avalia a consultora. “Ambas cumprem o papel de elaborar cenários plausíveis, coerentes, qualitativamente contrastantes e úteis para o processo estratégico”, diz. Foi o teatro, aliás, que inspirou o uso do termo cenário. Andrea explica que, não coincidentemente, um cenário é construído a partir de uma história imaginada. A narrativa precisa ter coerência e o máximo de inflexões ao longo do tempo para gerar cenas finais diferentes. Os cenários partem do momento atual e se desenrolam até uma determinada data no futuro, seguindo por caminhos distintos. Cada caminho é um roteiro.
Para criar histórias coerentes com uma estrutura bem “amarrada”, Rosa, do Núcleo de Estudos do Futuro, revela que gosta de incluir jornalistas em suas equipes. “São profissionais com prática em dar um sentido lógico às narrativas, prerrogativa essencial para se obter um cenário plausível”, explica. Outras categorias profissionais que não podem faltar na equipe são engenheiros, administradores de empresas, economistas, sociólogos, antropólogos, entre outros, dependendo da empresa e do que se quer prospectar. Quanto mais diversidade na equipe, mais cenários alternativos surgirão. “Se forem poucas pessoas ou se houver muito consenso, só haverá um futuro possível”, ressalta.
Outro pré-requisito para vestir esses “óculos” multidimensionais, sistêmicos e “antimiopia” de curto prazo, que alonga o olhar para além do mercado competidor, é saber encontrar fontes privilegiadas. De preferência que ainda não entraram no radar da grande mídia. As melhores informações para construir cenários em geral estão em teses de doutorado, em registro de patentes, em blogs. “Se dez anos atrás um profissional confessasse usar blogs como fonte de pesquisa seria motivo de zombaria. Mas hoje todo cientista tem um blog no qual sinaliza a direção das suas pesquisas”, diz a futurista da Perspektiva.
Apurar o senso de observação no dia a dia também é um exercício importante para a atividade. Por exemplo, quando se nota a predominância de carrinhos duplos de bebê nas ruas e nos shopping centers, isso significa uma tendência à inseminação artificial. Esse dado seguramente poderá ser útil na construção de um cenário.
CURTO PRAZO EMBAÇA O OLHAR
Apesar de todas as incertezas e riscos, o futuro está repleto de oportunidades. Mas o curto-prazismo dos governos e do sistema privado, centrado fundamentalmente em um tipo de crescimento associado ao aumento da desigualdade e do desemprego, embaça o olhar e prejudica o enfrentamento de desafios globais, como a mudança climática.
Esse é o teor do relatório Now for the Long Term, de 86 páginas, lançado no fim de 2013 pela Universidade de Oxford e pela Comissão Oxford Martin para Futuras Gerações, e que apresenta um estudo de megatendências nos seguintes setores da sociedade: geopolítica, tecnologia, mobilidade, sustentabilidade, saúde e demografia (mais em “O mundo depois de amanhã“).
A Comissão Oxford Martin para Futuras Gerações, autora do relatório, é formada por um grupo de líderes mundiais, no qual figuram o Nobel de Economia Amartya Sen, a presidente eleita do Chile, Michelle Bachelet, e o editor do Financial Times Lionel Barber, entre outras personalidades que compartilham da ideia de que a humanidade está atualmente em uma espécie de encruzilhada: este poderá ser o nosso melhor século, ou o nosso pior.
O resultado vai depender da capacidade do homem de compreender e aproveitar as oportunidades extraordinárias que estão postas, bem como gerir as incertezas e os riscos sem precedentes. O relatório aponta vários destinos possíveis para a sociedade. Qual deles vamos escolher? Só rompendo a barreira do tempo para saber. Mas, como mostram os especialistas e também os craques de futebol, imaginar o futuro aumenta a chance de gol.
Leia mais:
As principais tendências globais para os próximos anos, em “O mundo depois de amanhã“
A agenda de temas quentes no Brasil em 2014, em “Radar ligado“