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A coluna de ontem do Sergio Abranches no Ecopolítica trouxe uma análise sobre a crise político-institucional na Ucrânia a partir de uma variável muito importante nas estratégias políticas dos atores em cena: a dependência energética dos países europeus com relação ao gás natural russo. A Rússia é responsável pelo abastecimento de ¼ do consumo europeu de gás natural, sendo que boa parte desse gás chega ao continente através de gasodutos que passam pelo território ucraniano. Além disso, como Abranches aponta em sua coluna, a maior economia da Europa, a Alemanha, depende especialmente do gás russo para suprir suas necessidades energéticas e para apoiar a moratória nuclear que o governo Merkel decretou depois do acidente nuclear de Fukushima.
A dependência europeia já foi maior: em 2009, devido a uma crise entre a Gazprom (estatal russa) e autoridades ucranianas, boa parte do Leste Europeu acabou ficando desabastecida durante o auge do inverno, causando a paralisação de fábricas e afetando o fornecimento para calefação. Desde então, muitos países do bloco definiram metas para diminuir essa dependência e garantir maior segurança energética – muitos desses projetos, no entanto, focam seus investimentos em fontes fósseis, como é o caso polonês, bastante criticado durante a última Conferência do Clima (COP19), em Varsóvia. Mesmo assim, o gás russo ainda continua sendo uma opção relativamente barata para os europeus (isso sem considerar as relações promíscuas entre Gazprom e diversas empresas energéticas europeias, berço de inúmeros casos de corrupção em países como Grécia, Hungria, Itália e, obviamente, Ucrânia).
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Essa dependência tem sido um elemento fundamental na orientação do bloco europeu no contexto da crise ucraniana: diferentemente dos Estados Unidos, que vêm criticando abertamente a intervenção russa na Crimeia, a União Europeia tem se contido bastante nos pronunciamentos e no seu posicionamento nas conversas em Bruxelas e Paris.
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O governo russo sabe da importância dessa “carta” no pôquer ucraniano: em dezembro passado, Moscou já tinha oferecido anistia às dívidas ucranianas à Gazprom e uma nova diminuição nas tarifas do gás para a Ucrânia como uma contrapartida pela recusa em continuar as negociações para aderir à UE. Porém, com a queda do governo de Viktor Yanukovich, ex-presidente aliado de Vladimir Putin, a Rússia endureceu com as novas autoridades de Kiev: a Gazprom anunciou hoje que cortará o fornecimento de gás para a Ucrânia caso o país não pague as suas dívidas de quase 1,9 bilhão de dólares.
Na Europa, a crise ucraniana resultou numa disparada considerável do preço do gás no mercado, e muitos países temem que possíveis efeitos das tensões entre Ucrânia e Rússia possam afetar novamente o abastecimento de gás para o continente. Os Estados Unidos também estão pensando nessa possibilidade e já desenham possíveis alternativas para atender o mercado europeu no caso de desabastecimento (o que também serviria como um apoio para Washington pressionar os europeus em torno de sanções e medidas mais duras contra a Rússia).
Em suma, esta é uma leitura interessante para entender um dos aspectos mais importantes da crise atual na Ucrânia/Crimeia/Rússia e mostra como a “política internacional” ainda está na era da diplomacia do carbono.
Atualização: A revista norte-americana Mother Jones publicou um artigo interessante de James West, do Climate Desk, que aborda os efeitos da crise na Ucrânia sobre a indústria energética na Europa e nos Estados Unidos. Esse texto dialoga bem com a coluna do Sergio Abranches.
Bruno Toledo