Os jovens da periferia figuram pouco como protagonistas nos noticiários: são associados em grande parte a fatos negativos e têm poucas oportunidades para expressar suas próprias visões de mundo sem o julgamento do restante da sociedade. Por isso, queremos ouvir o que eles têm a dizer sobre o seu lugar. Em uma tentativa de compreender o significado de periferia, questionamos como eles a definem e de que forma ela se relaciona com suas vidas?
Deixamos essa missão a cargo de integrantes da Agência Jovem de Notícias, iniciativa de comunicação colaborativa da ONG Viração Educomunicação em parceria com outras organizações de todo o Brasil. Os depoimentos revelam muito de como a elite maltrata seus conterrâneos das bordas.
Gizele Martins, Rio de Janeiro, RJ
“Periferia, favela, ao lembrar dessas palavras eu lembro a resistência diária do povo que mora nelas. Lembro de como é viver num local em que a ausência do Estado já é moda e o quanto nós periféricos e favelados lutamos para modificar os problemas mais pontuais que existem nelas. Falar da periferia e da favela é lembrar do quanto nós temos que lutar para valorizar e afirmar todos os dias o que nós somos, e o que somos é parte da cidade e não margem, como o Estado e a sociedade afirmam todos os dias.
Ser favelado e periférico é mostrar que nossa cultura é cultura como outra qualquer, que nós somos cidadãos, que nosso maior problema, por exemplo, é a falta de moradia e que sinônimo de favela e periferia não é violência e sim resistência, luta, alegria, cultura, música, sobrevivência.
Ser favelado é defender todos os dias a nossa identidade local. Na Maré nós temos, por exemplo, a palavra mareense, com a ideia de fazer com que nós e os moradores nos sintamos parte dela. É importante terminar este texto dizendo que nós, enquanto favelados, não somos criminosos como afirmam, nós somos criminalizados; nós não somos violentos como a mídia também afirma, nós somos violentados; nós não somos marginais, o que somos é marginalizados por um Estado que nos mata todos os dias.”
Luiz Felipe Bessa, Recife, PE
“É o local onde fui criado, a comunidade onde as pessoas não precisam esconder quem são, onde todos são amigos e irmãos, e podemos contar nas horas de necessidade e festejar nos momentos de alegria. Acredito que a periferia é a parte esquecida das cidades, mas é onde as pessoas de garra, batalhadoras e trabalhadoras vivem. Vejo muitas vezes o medo dentro delas, mas não me vejo deixando-a. Sinto-me mais seguro aqui dentro, nesses 8 anos que fui criado na periferia. Minha comunidade é tranquila, vejo tudo, sei onde fica tudo, conheço quase todos e não quero sair daqui!”
Jean Mello, São Paulo, SP
“Hoje a favela é moda nas ‘tela’
Cidade de Deus, Tropa de Elite, novela…
‘Nóis’ grava disco, lança livro, faz até “sarau”
‘Nóis’ ‘lava’ a alma e depois põe pra secar no varal
(Inquérito)
A epígrafe desse texto, trecho do som “Poucas Palavras”, do grupo de rap Inquérito, manda a mensagem do quanto hoje em dia existe outro olhar a respeito das regiões periféricas. Inclusive, em alguns aspectos, até incomodo aos militantes chamados mais radicais.
Mesmo quem nunca pisou em uma quebrada consegue perceber, em partes, o que acontece nos becos. A genialidade de Sérgio Vaz coloca essas paradas em suas poesias e crônicas; não podemos deixar de lado a acidez de Ferréz, em seus textos cortantes, alguns até proibidos pela censura, nos mostra o passado, o presente e o futuro que cercam os extremos das grandes metrópoles. Também a ousadia de Alessandro Buzo. Edi Rock, com verdades que ninguém quer ver, infelizmente ainda é atual, principalmente quando pensamos em seu som intitulado “Rapaz Comum”. Como esquecer “O Homem na Estrada”?. Essa é apenas uma das crônicas de pura realidade de Mano Brown.
Agora, pra mim periferia é uma multidão acordando cedo para trabalhar e chegando em casa tarde para oferecer o mínimo de conforto para família. Trata-se de gente que nunca perde a esperança, mesmo com todo tipo de injustiça nas costas, remando contra a maré das desigualdades sociais. Periféricos, moradores de quilombos da modernidade, são a nova roupagem da resistência histórica. Resumindo, periferia é, sem sombra de dúvidas, perseverança existencial. Identidade, com lutas das mais diversas, presente na consciência e na inconsciência das pessoas.”
Webert da Cruz Elias, Ceilândia, DF
“Periferia é margem, mas não em um contexto apenas de localização, e sim num contexto edificado e marcado pela precariedade, falta de saneamento básico e políticas públicas. Ausência muitas vezes justificada pela irregularidade de ocupação dessas áreas, fazendo assim com que as pessoas moradoras desses locais tenham uma qualidade de vida baixíssima. Não se leva em conta que essas pessoas sobraram de uma urbanização feita para poucos, e que é direito de todos terem o mínimo para sobreviver, um lugar para morar. Entretanto, também existem pessoas com condições financeiras altas em áreas irregulares, que, portanto, cria um novo contexto e formato de ocupação desses espaços (muitas vezes processos regulatórios caminham mais ligeiros aí do que em áreas mais empobrecidas). Mas exclusão social é o que se sobressai.
Para mim, enquanto morador da maior favela da América Latina, Sol Nascente e Pôr do Sol, em Ceilândia, um lugar que está em constante ascensão, e trabalhador em Brasília, para sobreviver e lidar com a desigualdade escancarada que é o DF, é essencial abrir a mente e perceber as causas e porquês dessa realidade, para poder transformá-la.
A periferia é muito estigmatizada e sempre é encarada com maus olhos. A abordagem na mídia é em grande parte negativa, feita por pessoas que muitas vezes não ajudam a transformá-la e nem percebem aspectos positivos de resistência e labuta diária das pessoas que ali moram, por exemplo. O tratamento que se dá ao morador da favela é sempre recheado de estigmas ruins, de preconceito e até de dó. Porém ali pessoas trabalham e lutam por uma vida melhor. Não é fácil, mas a periferia resiste.”