Quem conhece a política australiana sabe que ela é tão pródiga em “momentos absurdos” quando à política praticada aqui no Brasil. No começo desta semana, o público australiano assistiu a mais um desses momentos.
Imagine a cena: um excêntrico bilionário, que fez fortuna com mineração (inclusive de carvão), que usa seu dinheiro para coisas tão prosaicas como a construção de uma réplica do lendário transatlântico Titanic, e que há algum tempo se aventura na política australiana. Ao seu lado, um Prêmio Nobel da Paz, ex-senador e ex-vice-presidente dos Estados Unidos (e quase presidente eleito, em 2000), Al Gore, principal nome norte-americano na defesa de ações contra as mudanças do clima. James West, da revista Mother Jones, faz um paralelo: era como se Charles Koch, que, junto com o irmão David, lidera atualmente o esforço negacionista nos EUA, se juntasse num palco com o ambientalista e líder climático Bill McKibben. Na realidade brasileira, já que não temos exatamente uma liderança mobilizando o negacionismo climático, podemos pensar nesse mesmo paralelo, mas usando exemplos de outra seara temática: é como se a senadora Kátia Abreu, líder do agronegócio brasileiro, se unisse em palanque com a ex-senadora e ex-ministra Marina Silva, o principal nome político na luta ambientalista no Brasil.
Pois bem, essas duas pessoas, que para muitos representam mundos distantes um do outro, se uniram para uma ação política que pode representar o fim das pretensões anti-mitigação do atual governo australiano, liderado pelo primeiro-ministro conservador Tony Abbott.
Num pronunciamento à imprensa, com a presença de Gore, Palmer declarou que seu partido – Palmer Unity Party (sim, o partido carrega o nome dele!) – votará pelo fim da taxa sobre o dióxido de carbono (CO2) emitido pelas indústrias do país. Esta era uma das medidas defendidas por Abbott, mas deve ser a única que ele conseguirá aprovar no Parlamento. Para confrontar o projeto político do primeiro-ministro, Palmer anunciou que apresentará ao legislativo australiano uma proposta de esquema de comércio de emissões (ETS), alinhado às iniciativas de países como China, Estados Unidos, União Europeia, Japão e Coreia do Sul. Além da proposta, Palmer e seu partido votará contra o fechamento da Autoridade de Mudanças Climáticas e da Comissão de Financiamento de Energias Limpas, agências que faziam parte do esforço integrado do governo anterior para promover políticas públicas em clima (saiba mais na matéria do Portal Instituto Carbono Brasil sobre o anúncio).
O “dueto” Gore-Palmer transformou-se rapidamente numa polêmica política. Afinal, até pouco tempo atrás (pouco tempo mesmo, dois meses), Palmer rejeitava o consenso científico sobre as mudanças climáticas, sugerindo que o impacto humano não era tão relevante como apontado pelos cientistas.
Uma matéria do Guardian mostra que esse encontro foi antecedido por dez semanas de discussões entre auxiliares de Gore e de Palmer em torno de um canal de diálogo entre o ex-vice-presidente dos EUA e o bilionário australiano. Nesse período de conversas, Palmer, que fez parte importante da sua riqueza com a extração de carvão mineral, converteu-se na liderança climática mais notável no cenário político da Austrália.
Os planos anunciados por Palmer ainda não estão detalhados, o que impede especialistas e defensores de ações contra as mudanças climáticas de elaborar prognósticos e análises mais fundamentadas. O que está claro é que a taxa australiana do carbono deve ser derrubada, o que é evidentemente ruim, mas junto com ela vai o chamado Plano de Ação Direta, defendido pelo governo Abbott e bastante criticado pela imprensa e por cientistas.
A incerteza ainda marca as discussões sobre o futuro da política climática na Austrália. Não se sabe claramente qual será o encaminhamento das propostas apresentadas por Clive Palmer no começo da semana, nem se o seu ativismo climático terá algum futuro dentro do circo político australiano.
O que se sabe é que os australianos estão mais preocupados do que nunca com as mudanças climáticas, como aponta uma pesquisa recente. Cerca de 70% das pessoas entrevistadas pelo Climate Institute concorda que as mudanças climáticas estão acontecendo, sendo que 57% avalia que o governo da Austrália deveria levar a questão climática mais a sério.
Tudo isso nos leva a crer que a jornada australiana pelos caminhos da política climática continuará, à despeito do projeto político do atual governo. Como a jornalista Lenore Taylor conclui sua análise no Guardian sobre a parceria Palmer-Gore, “depois de contribuir para a queda de três primeiro-ministros, dois líderes de oposição e de sete anos de debate duro e amargo, a política do carbono agora apresenta alguns dilemas sérios a mais um primeiro-ministro”.
Post originalmente publicado no blog do Observatório do Clima
[:en]Quem conhece a política australiana sabe que ela é tão pródiga em “momentos absurdos” quando à política praticada aqui no Brasil. No começo desta semana, o público australiano assistiu a mais um desses momentos.
Imagine a cena: um excêntrico bilionário, que fez fortuna com mineração (inclusive de carvão), que usa seu dinheiro para coisas tão prosaicas como a construção de uma réplica do lendário transatlântico Titanic, e que há algum tempo se aventura na política australiana. Ao seu lado, um Prêmio Nobel da Paz, ex-senador e ex-vice-presidente dos Estados Unidos (e quase presidente eleito, em 2000), Al Gore, principal nome norte-americano na defesa de ações contra as mudanças do clima. James West, da revista Mother Jones, faz um paralelo: era como se Charles Koch, que, junto com o irmão David, lidera atualmente o esforço negacionista nos EUA, se juntasse num palco com o ambientalista e líder climático Bill McKibben. Na realidade brasileira, já que não temos exatamente uma liderança mobilizando o negacionismo climático, podemos pensar nesse mesmo paralelo, mas usando exemplos de outra seara temática: é como se a senadora Kátia Abreu, líder do agronegócio brasileiro, se unisse em palanque com a ex-senadora e ex-ministra Marina Silva, o principal nome político na luta ambientalista no Brasil.
Pois bem, essas duas pessoas, que para muitos representam mundos distantes um do outro, se uniram para uma ação política que pode representar o fim das pretensões anti-mitigação do atual governo australiano, liderado pelo primeiro-ministro conservador Tony Abbott.
Num pronunciamento à imprensa, com a presença de Gore, Palmer declarou que seu partido – Palmer Unity Party (sim, o partido carrega o nome dele!) – votará pelo fim da taxa sobre o dióxido de carbono (CO2) emitido pelas indústrias do país. Esta era uma das medidas defendidas por Abbott, mas deve ser a única que ele conseguirá aprovar no Parlamento. Para confrontar o projeto político do primeiro-ministro, Palmer anunciou que apresentará ao legislativo australiano uma proposta de esquema de comércio de emissões (ETS), alinhado às iniciativas de países como China, Estados Unidos, União Europeia, Japão e Coreia do Sul. Além da proposta, Palmer e seu partido votará contra o fechamento da Autoridade de Mudanças Climáticas e da Comissão de Financiamento de Energias Limpas, agências que faziam parte do esforço integrado do governo anterior para promover políticas públicas em clima (saiba mais na matéria do Portal Instituto Carbono Brasil sobre o anúncio).
O “dueto” Gore-Palmer transformou-se rapidamente numa polêmica política. Afinal, até pouco tempo atrás (pouco tempo mesmo, dois meses), Palmer rejeitava o consenso científico sobre as mudanças climáticas, sugerindo que o impacto humano não era tão relevante como apontado pelos cientistas.
Uma matéria do Guardian mostra que esse encontro foi antecedido por dez semanas de discussões entre auxiliares de Gore e de Palmer em torno de um canal de diálogo entre o ex-vice-presidente dos EUA e o bilionário australiano. Nesse período de conversas, Palmer, que fez parte importante da sua riqueza com a extração de carvão mineral, converteu-se na liderança climática mais notável no cenário político da Austrália.
Os planos anunciados por Palmer ainda não estão detalhados, o que impede especialistas e defensores de ações contra as mudanças climáticas de elaborar prognósticos e análises mais fundamentadas. O que está claro é que a taxa australiana do carbono deve ser derrubada, o que é evidentemente ruim, mas junto com ela vai o chamado Plano de Ação Direta, defendido pelo governo Abbott e bastante criticado pela imprensa e por cientistas.
A incerteza ainda marca as discussões sobre o futuro da política climática na Austrália. Não se sabe claramente qual será o encaminhamento das propostas apresentadas por Clive Palmer no começo da semana, nem se o seu ativismo climático terá algum futuro dentro do circo político australiano.
O que se sabe é que os australianos estão mais preocupados do que nunca com as mudanças climáticas, como aponta uma pesquisa recente. Cerca de 70% das pessoas entrevistadas pelo Climate Institute concorda que as mudanças climáticas estão acontecendo, sendo que 57% avalia que o governo da Austrália deveria levar a questão climática mais a sério.
Tudo isso nos leva a crer que a jornada australiana pelos caminhos da política climática continuará, à despeito do projeto político do atual governo. Como a jornalista Lenore Taylor conclui sua análise no Guardian sobre a parceria Palmer-Gore, “depois de contribuir para a queda de três primeiro-ministros, dois líderes de oposição e de sete anos de debate duro e amargo, a política do carbono agora apresenta alguns dilemas sérios a mais um primeiro-ministro”.
Bruno Toledo (post originalmente publicado no blog do Observatório do Clima)