Sob o Linhão Tucuruí-Manaus, comunidade vive sem luz elétrica. Na floresta, a energia com base em fontes fósseis mancha a imagem da Amazônia como peça-chave do clima global
Sem alternativas no Sertão nordestino, Antônio Martins dos Santos, 56 anos, conhecido pelo apelido de “Piauí”, optou aventurar-se no isolamento da Floresta Amazônica para tomar posse de um lugar sem dono e ganhar a vida cortando madeira. Antes de deixar a terra natal, há 39 anos, o migrante vendeu tudo, inclusive geladeira e televisão. Não fazia sentido tê-las na nova morada. E a razão era simples: o local que escolheu para fincar raízes, a comunidade São Raimundo, no município de Itacoatiara (AM), não tinha acesso à energia elétrica; vivia na escuridão – e assim permanece até hoje.
A sua história não seria muito diferente da saga que se repete por décadas na floresta, não fosse um pequeno detalhe, símbolo dos paradoxos amazônicos. O lote de terra ocupado pelo morador abriga uma torre do Linhão Tucuruí-Manaus – linha de transmissão de energia que foi inaugurada em julho deste ano, ao custo de R$ 3,5 bilhões, e cruza o povoado refém da lamparina. Naquele quinhão da Amazônia tão rica em recursos hídricos, a falta de eletricidade impede ligar bombas para puxar água dos rios. “Temos de carregar tambores nas costas por longa distância”, conta Piauí, satisfeito por pelo menos ter conseguido indenização de R$ 4 mil pela instalação da torre no seu terreno.
Na falta de refrigeração, carne e peixe são conservados no sal. E antigos projetos de criação de tambaqui e pirarucu em cativeiro permanecem na gaveta. Diante da dificuldade, recorre-se ao desmatamento para fazer carvão como subsistência. “Crianças sofrem com a fuligem dos fornos”, reclama Márcio Ribeiro, coordenador da associação local. A esperança de luz estaria no gerador a diesel da comunidade, mas o motor está sempre parado devido a defeitos ou porque não há dinheiro para pagar R$ 5 pelo litro do combustível.
Em cenário de pobreza, as famílias convivem com questões delicadas, como a gravidez na adolescência – “um meio de conseguir benefícios do governo, como o auxílio do Bolsa Família”, revela Elisvaldo Rodrigues, também morador da vila. Ele lamenta: “A energia passa aqui por cima e vai para os ricos”.
Com extensão de 1,5 mil quilômetros rasgando a floresta, o Linhão liga a Hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, a Macapá (AP) e Manaus (AM), onde se localiza o distrito industrial da Zona Franca, hoje em expansão. Para transpor o Rio Amazonas, entre o Pará e o Amapá, foram construídas em cada margem duas estruturas quase tão altas quanto a Torre Eiffel, em Paris. Ao interligar a Região Norte ao sistema elétrico nacional, a obra pretende sustentar o crescimento econômico da Amazônia, com menos apagões. Quando as redes de distribuição estiverem prontas, o plano é o desligamento das usinas térmicas que geram energia poluente e cara, subsidiada pela conta de luz paga por todos os brasileiros.
A dependência de fontes sujas, emissoras de gases-estufa, mancha a imagem da Amazônia e sua função estratégica para o equilíbrio do clima global. No Amazonas, a matriz energética é liderada por termelétricas abastecidas por cerca de 1 bilhão de litros de óleo por ano, além de gás natural. Há milhares de pequenos geradores movidos a combustível fóssil espalhados pela floresta.
Em localidades isoladas, as restrições de energia interferem no funcionamento de escolas e dificultam o beneficiamento da produção extrativista para que frutos, sementes e óleos naturais tenham maior valor de venda para indústrias de cosméticos ou medicamentos. O problema contribui para que a floresta apresente expressivo déficit social em relação ao resto do País, conforme levantamento recém-divulgado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Entre os 43 indicadores avaliados no Índice de Progresso Social para a Amazônia, o saneamento é um dos itens mais preocupantes.
A saída está em inovações como o sistema de desinfecção solar de água, idealizado pelo Instituto de Pesquisas da Amazônia (Ipam). Na Universidade Federal do Amazonas, a atenção dirige se à produção de biodiesel a partir do caroço do açaí. Pode ser uma boa ideia para a geração de energia renovável. Na última década, o consumo do fruto rompeu a fronteira da floresta e se disseminou por todo o Brasil. Se tudo der certo, quem aprecia a iguaria nas grandes capitais terá um motivo a mais para degustá-la.
*Jornalista[:en]Sob o Linhão Tucuruí-Manaus, comunidade vive sem luz elétrica. Na floresta, a energia com base em fontes fósseis mancha a imagem da Amazônia como peça-chave do clima global
Sem alternativas no Sertão nordestino, Antônio Martins dos Santos, 56 anos, conhecido pelo apelido de “Piauí”, optou aventurar-se no isolamento da Floresta Amazônica para tomar posse de um lugar sem dono e ganhar a vida cortando madeira. Antes de deixar a terra natal, há 39 anos, o migrante vendeu tudo, inclusive geladeira e televisão. Não fazia sentido tê-las na nova morada. E a razão era simples: o local que escolheu para fincar raízes, a comunidade São Raimundo, no município de Itacoatiara (AM), não tinha acesso à energia elétrica; vivia na escuridão – e assim permanece até hoje.
A sua história não seria muito diferente da saga que se repete por décadas na floresta, não fosse um pequeno detalhe, símbolo dos paradoxos amazônicos. O lote de terra ocupado pelo morador abriga uma torre do Linhão Tucuruí-Manaus – linha de transmissão de energia que foi inaugurada em julho deste ano, ao custo de R$ 3,5 bilhões, e cruza o povoado refém da lamparina. Naquele quinhão da Amazônia tão rica em recursos hídricos, a falta de eletricidade impede ligar bombas para puxar água dos rios. “Temos de carregar tambores nas costas por longa distância”, conta Piauí, satisfeito por pelo menos ter conseguido indenização de R$ 4 mil pela instalação da torre no seu terreno.
Na falta de refrigeração, carne e peixe são conservados no sal. E antigos projetos de criação de tambaqui e pirarucu em cativeiro permanecem na gaveta. Diante da dificuldade, recorre-se ao desmatamento para fazer carvão como subsistência. “Crianças sofrem com a fuligem dos fornos”, reclama Márcio Ribeiro, coordenador da associação local. A esperança de luz estaria no gerador a diesel da comunidade, mas o motor está sempre parado devido a defeitos ou porque não há dinheiro para pagar R$ 5 pelo litro do combustível.
Em cenário de pobreza, as famílias convivem com questões delicadas, como a gravidez na adolescência – “um meio de conseguir benefícios do governo, como o auxílio do Bolsa Família”, revela Elisvaldo Rodrigues, também morador da vila. Ele lamenta: “A energia passa aqui por cima e vai para os ricos”.
Com extensão de 1,5 mil quilômetros rasgando a floresta, o Linhão liga a Hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, a Macapá (AP) e Manaus (AM), onde se localiza o distrito industrial da Zona Franca, hoje em expansão. Para transpor o Rio Amazonas, entre o Pará e o Amapá, foram construídas em cada margem duas estruturas quase tão altas quanto a Torre Eiffel, em Paris. Ao interligar a Região Norte ao sistema elétrico nacional, a obra pretende sustentar o crescimento econômico da Amazônia, com menos apagões. Quando as redes de distribuição estiverem prontas, o plano é o desligamento das usinas térmicas que geram energia poluente e cara, subsidiada pela conta de luz paga por todos os brasileiros.
A dependência de fontes sujas, emissoras de gases-estufa, mancha a imagem da Amazônia e sua função estratégica para o equilíbrio do clima global. No Amazonas, a matriz energética é liderada por termelétricas abastecidas por cerca de 1 bilhão de litros de óleo por ano, além de gás natural. Há milhares de pequenos geradores movidos a combustível fóssil espalhados pela floresta.
Em localidades isoladas, as restrições de energia interferem no funcionamento de escolas e dificultam o beneficiamento da produção extrativista para que frutos, sementes e óleos naturais tenham maior valor de venda para indústrias de cosméticos ou medicamentos. O problema contribui para que a floresta apresente expressivo déficit social em relação ao resto do País, conforme levantamento recém-divulgado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Entre os 43 indicadores avaliados no Índice de Progresso Social para a Amazônia, o saneamento é um dos itens mais preocupantes.
A saída está em inovações como o sistema de desinfecção solar de água, idealizado pelo Instituto de Pesquisas da Amazônia (Ipam). Na Universidade Federal do Amazonas, a atenção dirige se à produção de biodiesel a partir do caroço do açaí. Pode ser uma boa ideia para a geração de energia renovável. Na última década, o consumo do fruto rompeu a fronteira da floresta e se disseminou por todo o Brasil. Se tudo der certo, quem aprecia a iguaria nas grandes capitais terá um motivo a mais para degustá-la.
*Jornalista