Haverá tempo para o Brasil explorar e queimar todo o petróleo do pré-sal antes que o mundo faça a transição para uma matriz energética renovável? E como ficam as emissões de gases de efeito estufa?
O fato de o movimento pelo desinvestimento em combustíveis fósseis, iniciado há cerca de dois anos em universidades europeias, começar a ganhar o reforço de grupos como o Rockefeller Brothers Fund [1], da lendária família americana cuja fortuna foi construída sobre poços de petróleo , pode ser sinal de que o recurso natural mais cobiçado do planeta começa a perder o seu reinado.
[1] Instituição Filantrópica que anunciou a retirada de US$ 50 bilhões de seus Investimentos em exploração de petróleo
Ainda que exista um componente de marketing na decisão dos Rockefeller, haverá tempo de os brasileiros usufruírem do potencial de riqueza que hoje repousa no fundo do mar entre o Espírito Santo e Santa Catarina? Ou, para tentar impedir o aumento além dos 2 graus na temperatura média da Terra, o mundo fará a transição para a energia renovável mais rápido do que se pensa e, sem demanda para os cerca de 15 bilhões de barris de petróleo da camada do pré-sal, morreremos na praia?
Segundo os especialistas, o timing está a favor do pré-sal, embora bem perto do limite da transição. Se não tivesse sido descoberto ainda em 2006, talvez o País não tivesse tempo de desenvolver e instalar toda a infraestrutura necessária para buscar petróleo em meio a rochas a mais de 7 mil metros de profundidade. “Se esse petróleo fosse descoberto 20 anos mais tarde é possível que não valesse a pena investir na sua exploração”, afirma Roberto Schaeffer, professor de planejamento energético da Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Afinal, por volta dos anos 2050, os países estarão em plena transformação de suas matrizes energéticas para fontes renováveis.
O artigo “Oil and natural gas prospects in South America: Can the petroleum industry pave the way for renewables in Brazil?”, de José Goldemberg, professor da USP, e coautores, publicado no jornal internacional Energy Policy, defende a ideia de usar os recursos do petróleo para construir um mundo sem carbono.
Mas até lá, presumindo-se que o pré-sal comece a produzir a plena capacidade em 2021, o ciclo dos campos petrolíferos já descobertos deverão estar em declínio. E o petróleo restante das jazidas exploradas, segundo Schaeffer, poderá ser usado para a confecção de bens duráveis, indústria química, entre outros usos não energéticos.
Na opinião do secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl, essa conta não fecha. Por volta dos anos 2040, o mundo já terá reduzido as emissões a fim de evitar o caos: perda de biodiversidade, processos ecológicos, bancarrota de empresas, impactos econômicos e centenas de milhões de pessoas afetadas pelo aquecimento global. “E, em consequência desse caos, eclodirão conflitos como a Primavera Árabe [2]”, prevê Rittl. “Cientistas políticos que tratam do cenário geopolítico internacional já começaram a fazer a leitura de que, entre os fatores que levam à insurgência de movimentos populares, consta o componente climático.” Esses movimentos seriam um importante fator de aceleração da transição das matrizes energéticas.
[2] Como se denominaram os movimentos populares contra as ditaduras que se estenderam por vários países do Oriente Médio e do Norte da África, após as manifestações na Tunísia em dezembro de 2010
Se em economia as coisas funcionam de acordo com preços relativos [3], como afirma o economista e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), José Mauro de Morais, a tese de Rittl faz sentido. “Mudanças capazes de mudar a matriz energética de um país em geral decorrem de grandes impactos que compensem novos investimentos. O Proálcool [4], por exemplo, foi provocado pela crise do petróleo na economia global dos anos 1970. “E essa solução não demorou muito a aparecer”, diz o economista.
[3] É o preço de uma mercadoria ou serviço em relação a outro
[4] O Programa Nacional do Álcool, financiado pelo governo brasileiro a partir de 1975, promoveu a substituição em larga escala da gasolina por álcool
Mesmo que Rittl esteja correto, os investimentos do pré-sal caminham a todo vapor e a possibilidade de interferir nos planejamentos é cada vez menor. A partir de 2021, segundo o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, o pré-sal começará a encher quase 5 milhões de barris por dia, dos quais mais de 2 milhões serão destinados à exportação e o restante complementará a atual demanda interna. Como o mundo todo ainda é grande consumidor de petróleo, o Brasil não necessariamente precisará criar novas demandas na economia para absorver essa oferta. Assim, as emissões de gases de efeito estufa não aumentarão por causa do pré-sal. “Será uma fonte de recursos sem nenhuma incompatibilidade com a manutenção da nossa matriz renovável, diz Tolmasquim. “Adicionalmente, terá o nobre papel de alavancar a educação [5].”
[5] A chamada Lei dos Royalties (nº 12.858/2013) prevê a destinação de 75% dos royalties do petróleo para a educação, e 25%para a saúde
O coordenador do Observatório do Clima, Tasso Azevedo, destaca que, apesar do grande potencial para geração de energia solar, eólica e de biomassa, o Brasil investirá nos próximos 10 anos apenas US$ 20 bilhões nas renováveis, ante US$ 700 bilhões no petróleo. No entanto, Roberto Schaeffer faz uma distinção do dinheiro para investimento em pré-sal e para as fontes renováveis. “São dinheiros diferentes”, diz. O combustível fóssil ainda é a base do sistema energético do mundo. Qualquer banco emprestaria US$ 200 bilhões para ser investido em petróleo, porque sabe que esse dinheiro se pagará. O que não é necessariamente verdade no caso das renováveis. “Mas parte dos recursos que virão da venda do petróleo e do gás natural do pré-sal, sim, pode ser alocada em renováveis e educação.”
Leia a integra da entrevista com Maurício Tolmasquim, Roberto Schaeffer e Carlos Rittl aqui.