Em um mundo onde a sustentabilidade é cada vez mais importante, uma atividade que englobe todos os seus aspectos – econômicos, sociais e ambientais – seria o modelo ideal de negócio. Apesar de parecer uma realidade distante, isso já existe no Brasil: trata-se da remanufatura de produtos.
Contudo, mesmo tendo surgido há cerca de 20 anos, o conceito de remanufatura ainda não decolou por aqui. A atividade abrange todos os segmentos da indústria, mas a ausência de regras específicas, falta de conhecimento e o retorno dos produtos aos fabricantes são entraves enfrentados pelo setor.
Um exemplo claro desse cenário se dá dentro do mercado de reposição de peças automotivas. Enquanto nos Estados Unidos a fatia de remanufaturados nesse segmento chega a 27%, no Brasil o índice não alcança 2%, números que mostram o potencial de crescimento do setor. Mas então quais as saídas para que a venda de peças automotivas remanufaturadas – que chegam a ser 40% mais baratas que uma peça nova e contam com garantia e qualidade de fábrica – deslanche por aqui?
O processo de remanufatura consiste no retorno de produtos duráveis gastos e descartados aos seus fabricantes, que farão a industrialização de um novo produto. Isso acontece por meio da desmontagem desse produto usado, limpeza, testes e armazenamento de componentes saudáveis que serão reutilizados em uma linha de montagem idêntica àquela que fabrica os produtos novos, resultando em um produto remanufaturado. E nesse ponto, começa o desafio. Para que as fabricantes de autopeças possam fazer a remanufatura de seus produtos, elas precisam que as peças usadas retornem para suas mãos. Mas como encontrá-las? Até então, as fabricantes não tinham uma fonte que garantisse esse retorno, porém o cenário começa a mudar.
A Lei do Desmanche, que passou a vigorar em julho no estado de São Paulo e prevê a regulamentação de todas as empresas que atuam no setor de desmonte de veículos, pode ser uma impulsionadora para o mercado de remanufatura de autopeças. Isso porque essa regulamentação vai criar uma oferta de peças estruturada e de fácil acesso à indústria de remanufatura, viabilizando inclusive o ingresso de outros players que ainda não haviam aderido à atividade por falta de peças usadas.
Apesar desse avanço, ainda é preciso progredir em outros pontos. A falta de informação sobre esse tipo de produto também é outro desafio. Há inclusive, uma cobrança das matrizes das fabricantes, localizadas fora do Brasil, que tentam entender o motivo pelo qual o segmento não avança. Como o exemplo dos EUA citado acima. Se nesse país, em que há uma forte demanda por veículos novos, esse mercado consegue rodar, o ideal seria que também rodasse em países como o nosso, que contam com um perfil consumidor muito mais compatível com o produto.
No que diz respeito ao ciclo da remanufatura, faz-se necessária a discussão sobre leis ou regras que aliviem a carga tributária de todo o processo, desde a logística reversa (retorno da peça usada ao fabricante) até a retributação sobre o produto remananufaturado acabado – atualmente é obrigatório o pagamento de todos os impostos para se vender as carcaças (peças usadas) no retorno à indústria, além de novos impostos na venda do produto remanufaturado ao consumidor final; vale lembrar que os mesmos encargos já foram pagos na venda do mesmo produto quando novo.
Ou seja, ainda precisam ser definidos muitos pontos para que se chegue a uma legislação ideal. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei n° 12.305 e que passou a valer no último mês de agosto, chega a abordar a questão. Isso porque a remanufatura está alinhada ao conceito da logística reversa, que está previsto na lei. Contudo, não fica clara qual a responsabilidade de cada envolvido no ciclo de vida dos produtos, em cada segmento econômico.
Enquanto essas questões não entram no eixo, cabe aos representantes do setor mostrar que esse é um mercado com grande potencial e benefícios à sociedade, meio ambiente e economia. O primeiro passo é conscientizar o consumidor de que ele tem opções além de produtos novos, que são mais baratas, têm a mesma qualidade e garantia e, ainda, contam com um forte apelo sustentável. Isso porque outro destaque da remanufatura é que ela consiste em uma estratégia de fim de vida de produtos que reduz o uso de matérias-primas em geral, além de evitar a emissão de CO2 no meio ambiente com a fabricação de novos artigos.
*Arthur Rufino é Diretor de Marketing e Desenvolvimento da JR Diesel, pioneira no Brasil e maior empresa de reciclagem de caminhões do país