Uma amiga com três filhos entre 7 e 4 anos veio me visitar. Sugeri que as crianças brincassem no quintal, separado da rua por uma pequena cerca. Era um dia raro de sol em pleno inverno. As crianças do quarteirão, inclusive minha filha de 8 anos, vendiam limonada na esquina, sob o olhar de uma das mães. “Não quero meus filhos lá fora de jeito nenhum”, disse ela. Explicou que algum estranho poderia passar e levá-los. Ela não é exceção num país em que muitas famílias vivem em tensão permanente e mantêm as crianças à frente da televisão, embrulhadas em plástico bolha. Note-se que o fenômeno ocorre até mesmo numa cidade pacata como a minha, com baixa criminalidade, onde poucos se lembram de trancar seus carros.
Tais excessos chegaram ao noticiário há poucos dias, quando um casal de cientistas que mora perto da capital americana foi ameaçado de perder a guarda de seus filhos, de 10 e 6 anos, porque deixou que as crianças fossem sozinhas a um parque próximo à sua casa. Um vizinho denunciou o suposto abuso à polícia, que, por sua vez, comunicou o serviço de proteção à infância, que alertou Danielle e Alexander Meitiv que tal liberalidade representava abuso e crime. Não é um caso isolado. Nos últimos meses, mães de dois outros estados, South Carolina e Florida, foram presas por deixar que suas filhas, de 9 e 7 anos, respectivamente, brincassem sozinhas num parque.Esses episódios abriram um intenso debate aqui nos Estados Unidos que passa não só pela forma como educamos nossos filhos mas também pela demonização dos espaços públicos e ao ar livre.
A obsessão pela segurança como entrave na formação das crianças é tema de um novo programa do DiscoverLife Channely , “World’s Worst Mom” (A Pior Mãe do Mundo). O nome é uma referência aos insultos comumente dirigidos à estrela da atração, Lenore Skenazy. Ela ganhou notoriedade em 2008 quando publicou um artigo em que contava como deixou seu filho, de então 9 anos, numa loja de departamentos no centro de Nova York, munido de dinheiro, um passe de metrô e um mapa, para que achasse sozinho o caminho de casa. A aventura foi ideia do garoto, uma espécie de rito de passagem, um desejo de demonstrar sua competência na relação com a metrópole. Desde então, Skenazy vem sendo caracterizada como exemplo de mãe desnaturada e negligente. Na sua opinião, é uma reação compreensível:
Se você vive em um país onde basta mudar de canal algumas vezes para esbarrar na imagem de uma criança morta, seja no noticiário, seja num episódio de Law & Order [série de TV sobre crime e medicina forense]; se você pode ir a uma loja de produtos infantis e comprar um monitor capaz de fazer uma varredura do quarto do seu bebê com raios infravermelhos, como se buscasse terroristas no Afeganistão; se você é cercado por meios de comunicação que mostram todas as formas como o seu filho poderia morrer ou se machucar, você certamente estará sempre em alerta máximo.
No seu programa de TV (bem como no seu blog e no seu livro, “Free-Range Kids: How to Raise Safe, Self-Reliant Children (Without Going Nuts With Worry)”), ela tenta abrir a cabeça de pais superprotetores, para que seus filhos tenham acesso a instrumentos para enfrentar o mundo como ele é. O caminho da autossuficiência demanda confiança. E o caminho da sustentabilidade, para voltar ao tema principal da Página 22, passa pela exposição de crianças às realidades do mundo. A rua e os parques públicos não são um campo minado – a não ser, é claro, que você seja um adolescente negro. Mas, aí, é uma outra história.[:en]
Uma amiga com três filhos entre 7 e 4 anos veio me visitar. Sugeri que as crianças brincassem no quintal, separado da rua por uma pequena cerca. Era um dia raro de sol em pleno inverno. As crianças do quarteirão, inclusive minha filha de 8 anos, vendiam limonada na esquina, sob o olhar de uma das mães. “Não quero meus filhos lá fora de jeito nenhum”, disse ela. Explicou que algum estranho poderia passar e levá-los. Ela não é exceção num país em que muitas famílias vivem em tensão permanente e mantêm as crianças à frente da televisão, embrulhadas em plástico bolha. Note-se que o fenômeno ocorre até mesmo numa cidade pacata como a minha, com baixa criminalidade, onde poucos se lembram de trancar seus carros.
Tais excessos chegaram ao noticiário há poucos dias, quando um casal de cientistas que mora perto da capital americana foi ameaçado de perder a guarda de seus filhos, de 10 e 6 anos, porque deixou que as crianças fossem sozinhas a um parque próximo à sua casa. Um vizinho denunciou o suposto abuso à polícia, que, por sua vez, comunicou o serviço de proteção à infância, que alertou Danielle e Alexander Meitiv que tal liberalidade representava abuso e crime. Não é um caso isolado. Nos últimos meses, mães de dois outros estados, South Carolina e Florida, foram presas por deixar que suas filhas, de 9 e 7 anos, respectivamente, brincassem sozinhas num parque.Esses episódios abriram um intenso debate aqui nos Estados Unidos que passa não só pela forma como educamos nossos filhos mas também pela demonização dos espaços públicos e ao ar livre.
A obsessão pela segurança como entrave na formação das crianças é tema de um novo programa do DiscoverLife Channely , “World’s Worst Mom” (A Pior Mãe do Mundo). O nome é uma referência aos insultos comumente dirigidos à estrela da atração, Lenore Skenazy. Ela ganhou notoriedade em 2008 quando publicou um artigo em que contava como deixou seu filho, de então 9 anos, numa loja de departamentos no centro de Nova York, munido de dinheiro, um passe de metrô e um mapa, para que achasse sozinho o caminho de casa. A aventura foi ideia do garoto, uma espécie de rito de passagem, um desejo de demonstrar sua competência na relação com a metrópole. Desde então, Skenazy vem sendo caracterizada como exemplo de mãe desnaturada e negligente. Na sua opinião, é uma reação compreensível:
Se você vive em um país onde basta mudar de canal algumas vezes para esbarrar na imagem de uma criança morta, seja no noticiário, seja num episódio de Law & Order [série de TV sobre crime e medicina forense]; se você pode ir a uma loja de produtos infantis e comprar um monitor capaz de fazer uma varredura do quarto do seu bebê com raios infravermelhos, como se buscasse terroristas no Afeganistão; se você é cercado por meios de comunicação que mostram todas as formas como o seu filho poderia morrer ou se machucar, você certamente estará sempre em alerta máximo.
No seu programa de TV (bem como no seu blog e no seu livro, “Free-Range Kids: How to Raise Safe, Self-Reliant Children (Without Going Nuts With Worry)”), ela tenta abrir a cabeça de pais superprotetores, para que seus filhos tenham acesso a instrumentos para enfrentar o mundo como ele é. O caminho da autossuficiência demanda confiança. E o caminho da sustentabilidade, para voltar ao tema principal da Página 22, passa pela exposição de crianças às realidades do mundo. A rua e os parques públicos não são um campo minado – a não ser, é claro, que você seja um adolescente negro. Mas, aí, é uma outra história.