Olha isso!
Como será o amanhã?”, pergunta a famosa canção. Embora não saibamos a resposta, nosso cérebro rapidamente oferece uma: será provavelmente parecido com hoje. O sol vai nascer de manhã e se pôr no fim da tarde; teremos o mesmo emprego; nossa torneira continuará a jorrar água toda vez que a abrirmos. A confirmação de muitos desses pressupostos reforça diária e positivamente a projeção que fazemos do presente sobre o futuro.
O “viés de projeção”, nossa tendência a projetar no futuro as mesmas preferências e crenças de hoje, tem implicações importantes para questões relacionadas à sustentabilidade, que dependem de nossa capacidade de atribuir valor presente a um bem futuro — mais sobre a “taxa de desconto intertemporal” na coluna “Espere um pouco”, da edição 71.
Estudo publicado no centro de pesquisas NBER em 2012 testou esse viés em dois mercados importantes para a economia: de veículos e de imóveis .
Usando dados de milhões de compras de carros e imóveis nos EUA, os autores observaram que as condições climáticas do dia da compra influenciaram as características do bem comprado: dias quentes aumentavam as vendas de veículos conversíveis e casas com piscina e ar-condicionado central, enquanto dias com neve faziam crescer as vendas de carros 4×4.
Há quase um ano, quando nossas autoridades mal pareciam reconhecer o problema, Página22 buscou desconstruir o mito da abundância da água no Brasil (disponível aqui).
Naquele momento, no entanto, ainda prevaleciam entre a população dois vieses cognitivos importantes: a dissonância cognitiva — que aceitava o discurso “Não falta água em São Paulo, não vai faltar água em São Paulo” e descartava informações contrárias — e o viés de projeção.
Mas, se antes de começar a faltar água de maneira mais generalizada parecíamos tratar o problema com certa indiferença, o viés de projeção continua a operar forte mesmo quando, por fim, aceitamos que o rei está nu, evidenciado, por um lado, pelo surgimento de “patrulhas da água” e, por outro, pelo aumento dos casos de dengue no início de 2015, em parte fruto da instalação residencial de cisternas, de maneira improvisada e sem o devido cuidado.
Saímos de uma projeção de abundância para uma igualmente perniciosa — por também resultar em decisões equivocadas — projeção de catástrofe.
Alguns especialistas estimam que o cenário atual poderá resultar em uma mudança permanente da nossa relação com a água e que, para além das ações emergenciais (muitas delas começadas com anos de atraso), poderá haver uma profunda e positiva mudança de hábito em nossa população. Caso venhamos a viver futuramente uma nova situação de “normalidade” hídrica, nosso maior desafio será o de não permitir que nosso viés de projeção nos faça esquecer das lições supostamente aprendidas.