OLHA ISSO!
Há oitenta anos, Jorge Luis Borges já brincava com a ideia de escala e representação no pequeno conto Do rigor na ciência, descrevendo o mapa de um império que, de tão detalhado, tinha o tamanho do próprio império, o que também o tornava inútil.
Mapas e outras representações do real precisam trabalhar com a noção de escala. E, quando falamos de cidades, parte dos problemas relacionados à qualidade de vida de seus habitantes diz respeito ao descompasso entre a escala real dessas cidades e a “escala humana”.
Diz-se que os brasilienses são compostos de cabeça, corpo e rodas. O arquiteto Jan Gehl, que ajudou a reinventar cidades como Copenhague, Londres e Nova York em torno do conceito de “cidades para pessoas”, diz que Brasília é muito bem planejada — caso você seja um pássaro ou a observe de um helicóptero. Para Gehl, enquanto urbanistas olhavam para projetos de cidade e arquitetos para edifícios, quem de fato olhava para a cidade no nível dos olhos das pessoas eram os engenheiros de tráfego, e foram estes que acabaram moldando nosso entorno (leia entrevista). Os “usuários” das cidades – as pessoas – acabaram esquecidos.
O que significa pensar as cidades em escala humana? As ciências adotam escalas de tempo e espaço muito maiores (geologia, astronomia) ou menores (química, física quântica) do que as experimentadas pelo corpo humano: tamanho e velocidade dos passos, alcance da visão, tempo de atenção, fôlego durante uma caminhada etc.
No planejamento urbano, a escala adotada foi a do automóvel, cujas dimensões exigidas vão de encontro à escala humana, pois são pensadas para serem “lidas” por carros trafegando a uma velocidade muito superior à nossa. Estudo publicado na revista Attention, Perception, & Psychophysics mostra o tamanho dessa diferença de percepção da cidade: a vasta maioria das pessoas estimou em 60 centímetros o comprimento das linhas tracejadas das rodovias, que têm na verdade o quíntuplo, 3 metros (ver estudo).
Ao transformar o padrão de ocupação do território, a escala automotiva priva cidades exatamente do que as tornam lugares agradáveis para as pessoas. Pior: torna os deslocamentos urbanos um tormento diário, custoso em termos de tempo e dinheiro, e arriscado em termos de mortes no trânsito e pelo estilo de vida sedentário (assista à palestra TED de Jeff Speck sobre a cidade “caminhável”).
Quando passei a me deslocar predominantemente a pé, comecei a notar elementos do meu bairro despercebidos durante as três décadas anteriores. Descobri comércio de rua, pessoas e experiências que, apesar da proximidade, eram inacessíveis trafegando a 60 km/h. Vejo que ainda há muito o que melhorar por aqui, e talvez agora consiga percebê-lo de maneira mais clara. Mas também me dou conta de que, como em quase tudo na vida, mais do que alcançar o destino, a riqueza pode estar no trajeto.