Um movimento difuso em várias cidades ao redor do mundo tem provocado as pessoas a repensar a forma como vivem no meio urbano. E mudado os eixos de poder na tomada de decisão – em vez de necessariamente impostas de cima para baixo, são protagonizadas por cidadãos engajados, interessados em transformar os lugares onde vivem, por meio da ocupação do espaço público. “Essa mudança é liderada por cidadãos e jovens em busca de uma vida socialmente ativa, em espaços onde possam andar a pé e pedalar, vivendo em cidades dinâmicas e cheias de energia”, diz Fred Kent nesta entrevista concedida a Página22 por email. Kent é fundador da Project for Public Spaces, organização sem fins lucrativos que se dedica ao placemaking, uma iniciativa voltada para criar lugares que propiciem o encontro, o bem-estar, a cidade na qual se possa viver em comunidade.
Em que consiste o Novo Urbanismo? Surgiu para atender a que demandas?
Joan Clos, diretor-executivo do UN-Habitat [Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos], tem repetido em seus discursos que precisamos de um novo paradigma para a formação de cidades. Ele também indicou a necessidade de um novo tipo de governo que leve em consideração os espaços públicos como força motriz para transformações nas comunidades ao redor do mundo. Nossa organização [Project for Public Spaces] tem liderado um movimento para incluir a ideia de place e placemaking. Esse movimento tem sido chamado de revolução silenciosa, uma vez que sensibiliza as pessoas de todo o mundo a repensar como vivem em comunidades e como podem participar dessa transformação. Mudar o paradigma da decisão top down [de cima para baixo] para instâncias como “comunidade” e “lugar” tem sido alvo de interesse crescente em todos os níveis de governo e dentro das disciplinas tradicionalmente responsáveis pelo desenvolvimento de cidades. Nós acreditamos que esta é a mudança de paradigma que Clos está pedindo.
O que o conceito de placemaking traz de novidade em relação ao Novo Urbanismo?
Essa mudança de paradigma é relativamente nova. Tem sido fortemente criticada por profissionais e funcionários do governo, porque o futuro das comunidades está sendo definido no nível local, por parte dos cidadãos, e não no nível municipal. Essa mudança é liderada por cidadãos e jovens em busca de uma vida socialmente ativa, em espaços onde possam andar a pé e pedalar, vivendo em cidades dinâmicas e cheias de energia.
São Paulo é um exemplo de cidade voltada para os carros. O senhor, que esteve aqui recentemente, acredita que a cidade tem solução? É preciso fazer uma mudança estrutural ou o jeito é promover pequenas mudanças , algo como um miniplacement?
A presença esmagadora de veículos que têm “direito” deslocou o sentido de “lugar” que as pessoas estão buscando. Ter a percepção disso é uma parte fundamental da revolução do placemaking. Isso está acontecendo por toda a parte. Em Nova York, o Project for Public Spaces proporcionou um movimento de renascimento das ruas, combinado ao uso de transportes alternativos. Isso fez com que o governo a liderasse esforços para criar uma cidade amiga da bicicleta, criando praças onde havia um espaço excessivo dedicado a ruas. Esse movimento levou algumas cidades a repensar todo o seu sistema viário. Los Angeles é um exemplo dessa mudança, ao liderar a campanha Great Streets, em que a prioridade agora são os “destinos”, em vez do tráfego. Estamos trabalhando na Pershing Square, onde a praça, destino principal para toda a cidade de Los Angeles, terá mais importância que o trânsito. Barcelona é uma cidade que está tomando medidas significativas para reduzir o tráfego de carros em torno dos 43 mercados de bairro que definiram suas comunidades há mais de cem anos. Eles estão fechando ruas para pedestres e criando ramblas [uma rua larga, com calçadão central para pedestres, além de lojas, cafés, restaurantes, floriculturas, performances artísticas etc.].
Essa mudança de prioridade é fundamental para remodelar as comunidades em todas as partes do Brasil, cidades, bairros e pequenas cidades. No passado, nós fomos submetidos a um traçado de ruas que foi imposto para cidades inteiras. Agora, temos de definir nossas cidades em torno de destinos. Isso vai ajudá-las a se tornar parte de um novo mundo, formado por lugares seguros, dinâmicos e saudáveis para viver, trabalhar e se divertir. Não há outra escolha.
Podemos ter esperança em uma cidade como São Paulo?
A questão não é essa. Cada cidade tem seus problemas e os de São Paulo são o trânsito e a água. Ambos exigem uma mudança sistêmica na forma como se vive, e estão ligados. Há dois anos, promovemos uma grande campanha em Detroit para recuperar a cidade. Placemaking foi a estratégia adotada para partes importantes da cidade. Desenvolveu-se um esforço de implementação que se revelou muito bem-sucedido. A ideia básica foi fazer as coisas acontecerem de forma experimental.
Buscamos fazer as coisas de modo mais leve, mais rápido e mais barato, considerando o curto prazo como 1 a 4 meses e o longo prazo como 2 anos. Criamos atividades em locais-chave usando o “Power of 10”. Na prática, isso significa o seguinte: cada cidade do Brasil define 10 principais destinos; cada destino define 10 lugares, cada lugar requer 10 coisas a fazer. Isso funciona
de escalas pequenas a grandes. Também promovemos crowdsourcing de ideias, encontros nas ruas, equipes móveis, incentivos para andar a pé e ocupação para tornar os espaços públicos mais seguros e atraentes.
Quais os principais elementos para que um movimento de placemaking dê certo? Uma sociedade civil ativa? Um poder público sensível e aberto às sugestões?
É essencial que os líderes comunitários, empresariais e governamentais liderem a campanha. Deve haver uma equipe para cada projeto. Todo mundo é fundamental na criação de uma cultura de mudança.
Como envolver os players do mercado imobiliário a favor desse movimento? Um grande problema que surge ao se melhorar lugares é a gentrificação. Há alguma solução encontrada no mundo para esse problema? É possível pensar em uma cidade onde não exista um conflito constante entre a especulação imobiliária e lugares públicos?
O mercado imobiliário tem mais a ganhar e deve ser participante-chave, juntamente com os proprietários locais. Se ficar apenas por conta do desenvolvimento da comunidade, gentrificação será um resultado e o sucesso será marginal. Mas, se a comunidade se tornar um player fundamental nesse mercado, investindo seu talento e competências empresariais, o sucesso estará em linha com o seu investimento.
Que exemplo de estratégia bem-sucedida em placemaking no mundo o senhor destacaria?
Amsterdã, Paris, Barcelona, Los Angeles e Adelaide são alguns que estão liderando o caminho.
Qual a importância dos parques urbanos e de que forma estes afetam o movimento do placemaking?
Parques urbanos representam uma grande oportunidade, desde que sejam multiúso. O Tivoli Gardens, em Copenhague, é uma grande atração tanto para moradores quanto para visitantes. É um exemplo de como os destinos foram desenvolvidos em meados dos anos 1800, quando o prazer era um grande atrativo. Eram chamados de Jardins do Prazer e foram exemplo para muitas cidades da Europa. Hoje, os nossos parques são muito passivos e tornaram-se cenários naturais onde as pessoas são meros visitantes. O parque do futuro é mais diversificado, com empresas dinâmicas e criativas dentro de um ambiente ativo e verde.