Em São Paulo, o aumento de ciclovias deve conectar-se a outras políticas públicas para potencializar seu efeito benéfico
As ciclovias e ciclofaixas [1] estão aí para ficar. Pelo menos a julgar pelo que está disposto no Plano de Mobilidade Urbana 2015 (PlanMob), apresentado pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e discutido em mesas temáticas com a população paulistana em audiência pública em 11 de abril. O projeto da prefeitura para 2016 é O ano de 2014 pode ser considerado histórico para quem anda de bicicleta em São Paulo, pois a cidade saltou de 63 quilômetros para 270 de infraestrutura cicloviária em cerca de 7 meses. Entretanto, ainda há um conflito a mediar. “Sabemos que haverá disputa por espaço”, diz Gabriel di Pierro, diretor geral da Ciclocidade – Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo.
[1] Ciclofaixa é uma faixa para uso exclusivo para circulação de bicicletas sem segregação física em relação ao restante da via.Já a ciclovia é uma pista exclusiva segregada fisicamente. Ambas são dotadas de sinalização vertical e horizontal (placas e pintura de solo)
Embora a cidade sofra de fragilidade institucional, como grande parte das cidades brasileiras, o professor da Faculdade de Arquitetura da USP Alexandre Delijaicov crê que a convivência entre modais não é impossível. “Deve-se entender que o leito carroçável não é só para veículos motorizados. Isso é garantido pelo Código Nacional de Trânsito.”
Para Daniel Guth, diretor-geral da rede Bicicleta para Todos e diretor de participação da Ciclocidade, qualquer política pública precisa de um tempo de assimilação. “São Paulo teve sempre ciclovias esparsas, o que inibia seu uso. Mas temos observado um aumento constante”, afirma. Na Avenida Eliseu de Almeida (Zona Oeste), por exemplo, ele diz ter detectado um crescimento de 53% no número de usuários em 2014, com relação ao ano anterior.
Todas as contagens realizadas pela ONG em ciclovias mostram aumento de uso das rotas nos últimos quatro anos. Na opinião do ativista, as questões relativas às ciclovias estão bem conduzidas, embora tenham contemplado timidamente duas questões prioritárias para os ativistas: o limite de velocidade nas ruas da cidade e a viabilização das pontes e suas alças para ciclistas e pedestres.
Das contribuições feitas para a implantação das ciclovias, Guth cita a preocupação em não retirar espaço de circulação de pedestres, a priorização de vias com menor inclinação, um teto de velocidade máxima de 50 km/h em toda a cidade, o funcionamento dos sistemas de bicicletas compartilhadas 24 horas por dia, a acessibilidade de pedestres e ciclistas em todas as pontes e viadutos.
Entre 800 mil e 1 milhão é o número de ciclistas (diários e eventuais) estimado pela ONG Ciclocidade em São Paulo. Segundo a 8ª Pesquisa Ibope de Mobilidade Urbana, 261 mil pessoas usam a bicicleta diariamente para se locomover na cidade
Empurrão do governo
Parece clara também a necessidade de políticas públicas complementares – a exemplo do que acontece na Colômbia, onde uma iniciativa da Prefeitura de Bogotá, denominada Al Colegio en Bici (Indo à Escola de Bicicleta), já capacitou 4.240 estudantes com oficinas que ensinam desde cuidados elementares com a magrela até o uso correto das ciclovias.
“Promover uma cidade diferente do ponto de vista da mobilidade significa lançar mão de um cardápio de políticas públicas. Isoladamente, a infraestrutura produz um efeito bem mais tímido do que se combinada com outras políticas, como a formação de ciclistas urbanos”, assinala Guth, que luta também pelo IPI zero para as magrelas. “Há mais de trinta projetos de lei no Congresso pedindo o IPI zero e temos 110 mil assinaturas apoiando as propostas.”
Segundo a Pesquisa de Mobilidade da Região Metropolitana de São Paulo, feita pelo Metrô, entre 2007 e 2012, houve um incremento de 7% nas viagens realizadas de bicicleta na cidade. E o percentual daqueles que “não usariam a bike nunca” para locomoção, medido pela 8a Pesquisa Ibope de Mobilidade Urbana, caiu de 34% em 2007 para 24% em 2014
Bogotá incentiva uso da bike para ir à escola
Capital colombiana, famosa por seu modelo de mobilidade urbana, cria sistema de uso compartilhado de bicicletas e adoção de rotas de segurança para formar os ciclistas do futuro
Em Bogotá, Colômbia, o projeto Al Colegio en Bici aposta na educação para a formação de ciclistas – e cidadãos. Iniciativa pública definida pela prefeitura em 2012, foi induzida por um importante grupo de cicloativistas e por meio de representantes ligados a entidades governamentais. “É uma ação pública em resposta a grupos e tendências sociais dos últimos 10 anos”, afirma Leonel Miranda, coordenador do projeto na Secretaria de Educação.
Atualmente, o Al Colegio en Bici está presente em 5 bairros e capacita 4.240 alunos de 59 colégios distritais. Eles assistem a oficinas, com duração que varia de acordo com a disponibilidade de tempo e espaço das escolas, e são chamados a fazer parte do Clube Siklas, um clube pedagógico para estudantes e usuários de bicicletas (http://www.dooin.tv/club-siklas-al-colegio-en-bici/). “Nos workshops são abordados temas como a aptidão no uso da bicicleta, mecânica básica, segurança, comportamentos adequados nas vias, apropriação do espaço público por meio do uso da bike, impactos desse meio de transporte, entre outros”, explica Miranda.
A Secretaria de Educação do Distrito adquiriu 4.443 bicicletas que fazem parte do acervo dos colégios vinculados. Os estudantes dispõem das bicicletas como num empréstimo. O uso delas é coletivo, e a periodicidade é acordada com cada uma das escolas participantes. Os alunos recebem ainda um kit com 11 itens para seu uso pessoal (capacete, colete, ferramentas…).
Para garantir a segurança dos ciclistas, foram desenhadas rotas de confiança, definidas passo a passo. Em primeiro lugar, e como marco das atividades do Clube Siklas, os alunos são chamados a propor as rotas pelas quais gostariam de se deslocar até a escola. Em seguida, um profissional em sistemas de informação georreferencia as rotas propostas, posteriormente analisadas por uma equipe de técnicos, que as otimiza. “Uma das considerações desta otimização, leva em conta a infraestrutura cicloviária presente nos locais em que se vai intervir. Portanto, parte dos deslocamentos se realiza por ciclorotas e ciclovias próximas aos estabelecimentos educativos”, esclarece Miranda.
Ele diz ainda que todos têm sua cota de responsabilidade no projeto, inclusive os pais dos alunos. “Para ter direito ao empréstimo da bicicleta, o estudante deve ter participado do processo de formação. Além disso, seus pais devem assinar um termo de corresponsabilidade no qual, entre outros compromissos, figura o de usar apenas as rotas de confiança para transitar, pois se espera que os alunos se locomovam em grupos, acompanhados por guias contratados pelo projeto”.
A parceria garante a execução das diferentes etapas do projeto pois, além da secretaria de Planejamento, participam ainda as de Mobilidade, de Cultura e de Educação, e os institutos de Recreação e Esportes e de Desenvolvimento Urbano. “Realizou-se um acordo de cooperação na qual cada instituição tem o seu papel: capacitar, fazer obras, adquirir as bicicletas… Elas formam um Conselho Administrativo, que segue um plano operacional. Além disso, há comitês específicos, como os de comunicação, de segurança operacional, e de infraestrutura”, diz. Segundo Miranda, a meta para 2015 é alcançar os 10 mil alunos capacitados.