Por Bruno Toledo
Com a conclusão dos trabalhos dos negociadores em mais uma rodada de discussão política em Bonn, no mês passado, chegamos à reta final de um dos processos de negociação mais importantes e problemáticos dos últimos anos no âmbito das Nações Unidas. Faltam menos de seis meses para a abertura da decisiva Conferência do Clima de Paris, a COP 21, na qual os governos de 192 países deverão assinar um novo acordo climático global.
Nunca estivemos tão perto desse novo regime global para enfrentar as mudanças do clima. Ao mesmo tempo, na medida em que os entendimentos necessários não acontecem, também nunca estivemos tão distantes de um resultado final claro, robusto e eficiente. Faltando menos de um semestre para o martelo final em Paris, a sensação que se tem é que todas as definições necessárias para o acordo estão ficando para o último momento: a estrutura do acordo, os compromissos e a diferenciação das responsabilidades de cada país, o financiamento de esforços de mitigação e adaptação no mundo em desenvolvimento… Esses não são pontos triviais: são questões que atravancam as negociações internacionais em clima desde sempre, e, até o momento, não conseguimos chegar perto de entendimentos claros sobre elas.
No mês passado, os negociadores presentes em Bonn tinham como tarefa escrutinar detalhadamente o texto-base construído na última sessão de conversas, em fevereiro passado. Esse texto nada mais era do que uma sistematização de todas as opções possíveis de acordo, contemplando todos os interesses envolvidos na negociação – até por isso, o documento em si era um jumbo de 90 páginas, incongruente e incoerente. Mesmo depois de dez dias de discussões, os negociadores conseguiram rever apenas cinco páginas. Isso mesmo: pouco mais de 5% em dez dias!
Para que a situação não se tornasse irreversivelmente negativa, os negociadores concordaram em delegar aos co-presidentes do grupo de trabalho da Plataforma de Durban (ADP), que negocia os termos do futuro acordo no âmbito da UNFCCC, a tarefa de organizar uma revisão aprofundada do texto, a partir de consultas com diferentes coalizões negociadoras.
A promessa dos co-presidentes é apresentar uma proposta de texto no final de deste mês de julho, de forma a facilitar as conversas nas próximas rodadas de negociação (em agosto e outubro). Laurent Fabius, ministro do exterior francês e futuro presidente da COP 21, continua com a expectativa de concluir um texto final em outubro, dois meses antes da abertura da Conferência de Paris. Mas o tempo, nesse caso, é ilusório: nesses seis meses, os negociadores terão apenas dez dias dedicados a essa tarefa de construção do texto final, o que aperta bastante a agenda de negociação até Paris.
A vagarosidade não é exatamente algo surpreendente nessa agenda de negociação – afinal, o que estamos discutindo hoje deveria ter sido finalizado, “num mundo perfeito”, há seis anos, quando os principais chefes de governo do mundo se reuniram para pagar um mico “tamanho-gorilha” na Conferência do Clima de Copenhague, a malfadada COP 15. Por ora, os principais negociadores, observadores e analistas preferem enxergar o cenário com uma dose cavalar de cautela. Sim, o avanço em Bonn foi risível, mas nos bastidores as impressões continuam mais otimistas. O anúncio do G7 sobre a concordância das maiores potências econômicas globais sobre a descarbonização da economia mundial ainda neste século, também feito no mês passado, foi bastante celebrado e teve ressonância nas conversas em Bonn. Mas nada concreto foi anunciado: metas, compromissos, iniciativas unilaterais… Apenas boas intenções.
Na verdade, até o momento, temos pouca coisa definida – e, do pouco definido, muita coisa pode ser insuficiente para termos um acordo consistente em Paris. O único avanço efetivo em Bonn foi a concordância dos negociadores em incluir REDD+, o mecanismo de redução de emissões por desmatamento, no futuro acordo.
“Não há nada de novo quanto ao conteúdo, nem sobre o formato leal. Ficou de fora da agenda [de Bonn] compromissos de países desenvolvidos. Os EUA, por exemplo, afirmam que estão dispostos a contribuir, mas não expressam compromissos reais”, argumentou Mark Lutes, do WWF Brasil, ao Observatório do Clima.
A falta de novidades é bastante incômoda, faltando apenas seis meses para a COP 21. Poucos países apresentaram à UNFCCC suas contribuições nacionalmente determinadas (INDCs, sigla em inglês), que são documentos nos quais os governos expressam suas possibilidades de ação e meta de redução para o futuro acordo. Desse pouco apresentado (que inclui países e grupos importantes, como Estados Unidos, Japão e União Europeia), estima-se que as pretensões expressas por estes países nas INDCs sejam insuficientes para estabelecer uma trajetória de redução das emissões que impeça o aumento da temperatura média global neste século acima dos 2°C. O Brasil é um dos países que ainda não submeteu sua INDC, que ainda está em processo de construção dentro do governo. A expectativa é de que as metas e contribuições brasileiras sejam apresentadas apenas no limite do deadline definido pela UNFCCC – outubro.
Em suma, faltando seis meses para a Conferência de Paris, precisamos superar barreiras e interesses divergentes que nos atrapalham há seis anos, se quisermos chegar a um acordo efetivo. Precisamos que os países assumam uma postura construtiva e proativa, que dê confiança a negociadores e observadores de que tudo será feito para se chegar a um resultado final concreto. Ao final deste ano, chegaremos à conclusão de mais um capítulo da luta da humanidade contra as mudanças climáticas: que essa conclusão nos dê as condições necessárias para escrever os próximos capítulos num tom mais otimista.