Embora os evangélicos representem apenas um quarto da população americana, têm crescente poder econômico e influência política sobre questões como a mudança climática
Durante boa parte das últimas décadas, os Estados Unidos recusaram-se a participar ativamente no debate climático. É fácil enxergar aí o dedo do lobby do carvão e do petróleo, defendendo os seus subsídios e a sua licença de operação. Mas a indústria dos combustíveis fósseis não foi a única a pressionar um dos líderes mundiais em emissões de gases-estufa a ignorar uma catástrofe amplamente aceita pela ciência. Ela teve o apoio de outro grupo de interesse, os fundamentalistas cristãos.
Embora os evangélicos representem apenas um quarto da população americana, eles têm crescente poder econômico e influência política. Eles são, inclusive, um dos pilares principais do Partido Republicano.
Há alguns anos, a revista The Economist ilustrou essa proximidade entre os evangélicos e o poder com uma descrição do fervor religioso de assessores próximos ao ex-presidente George W. Bush. No Domingo de Ramos de 2002, poucos meses depois de excluir seu país do Protocolo de Kyoto, Bush retornava a Washington de uma visita a El Salvador. Como a delegação perderia a chance de ir a uma igreja, improvisaram um culto no avião presidencial, liderado pela então secretária de Estado, Condoleezza Rice, com direito a entoar Amazing Grace, um clássico litúrgico americano.
Como no Brasil, a força cristã no Congresso também é bastante visível, sobretudo nas votações com teor científico (evolucionismo, mudança climática) ou ligadas aos direitos individuais (aborto, união civil de homossexuais), que põem os eleitores evangélicos em alerta máximo. Hoje, 56% dos republicanos no Congresso negam o aquecimento global ou o papel das emissões antrópicas no seu agravamento. Em muitos dos casos, eles utilizam as Escrituras para justificar sua posição. “A Terra só acabará quando Deus anunciar que chegou a hora. A Humanidade não vai destruí-la”, professa John Shimkus, representante do estado de Illinois. Seguindo a mesma linha, seu colega texano Joe Barton prega que “se você acredita na Bíblia, terá de admitir que o Grande Dilúvio é um exemplo de mudança climática. E ele certamente não ocorreu porque a Humanidade superexplorou a energia dos hidrocarbonetos”.
Naturalmente, os membros do Congresso reproduzem as crenças do seu eleitorado. Estudos recentes confirmam que os evangélicos de várias denominações são os líderes absolutos do ceticismo climático nos EUA. E, não por coincidência, eles também tendem a combater qualquer tipo de regulamentação ambiental e o ensino do evolucionismo nas escolas.
Uma pesquisa divulgada em março pelas universidades Yale e George Mason apontou que apenas 51% dos evangélicos acreditam que o clima está efetivamente mudando, contra 69% dos católicos e 62% dos outros protestantes . Em novembro, o Public Religion Research Institute , organização que pesquisa o papel das religiões na vida pública americana, já havia publicado estudo na mesma linha, indicando que menos da metade dos evangélicos brancos faz a correlação entre furacões e longas estiagens com a mudança climática. Além disso, mais de três quartos dessa população vê nesses fenômenos extremos um alerta divino, sinal de que a profecia bíblica do fim dos tempos estaria perto de se confirmar. E o Apocalipse é um tema particularmente caro para os evangélicos americanos.
Enquanto os evangélicos se digladiam com a militância ambiental, a comunidade católica, que representa um quinto da população, tem postura mais discreta e tende a sentar em cima do muro. Mas há exceções, como o pré-candidato presidencial republicano Rick Santorum. Ligado ao Opus Dei, ele declarou recentemente que, apesar de ser fã do papa Francisco, entende que “a Igreja cometeu alguns erros no passado no que tange à Ciência e seria melhor se a deixasse a cargo dos cientistas”. Foi ridicularizado pela mídia por ignorar que o papa, quem diria, é mestre em Química pela Universidade de Buenos Aires.
Há expectativas de que a nova Encíclica climática do Vaticano e que novas lideranças evangélicas, com maior consciência ambiental, ajudarão a esvaziar o poder dos fundamentalistas. Mas é bem possível que o desprezo pela ciência, que eles impuseram às escolas da América profunda, impeça que ideias mais arejadas se espalhem.[:en]Embora os evangélicos representem apenas um quarto da população americana, têm crescente poder econômico e influência política sobre questões como a mudança climática
Durante boa parte das últimas décadas, os Estados Unidos recusaram-se a participar ativamente no debate climático. É fácil enxergar aí o dedo do lobby do carvão e do petróleo, defendendo os seus subsídios e a sua licença de operação. Mas a indústria dos combustíveis fósseis não foi a única a pressionar um dos líderes mundiais em emissões de gases-estufa a ignorar uma catástrofe amplamente aceita pela ciência. Ela teve o apoio de outro grupo de interesse, os fundamentalistas cristãos.
Embora os evangélicos representem apenas um quarto da população americana, eles têm crescente poder econômico e influência política. Eles são, inclusive, um dos pilares principais do Partido Republicano.
Há alguns anos, a revista The Economist ilustrou essa proximidade entre os evangélicos e o poder com uma descrição do fervor religioso de assessores próximos ao ex-presidente George W. Bush. No Domingo de Ramos de 2002, poucos meses depois de excluir seu país do Protocolo de Kyoto, Bush retornava a Washington de uma visita a El Salvador. Como a delegação perderia a chance de ir a uma igreja, improvisaram um culto no avião presidencial, liderado pela então secretária de Estado, Condoleezza Rice, com direito a entoar Amazing Grace, um clássico litúrgico americano.
Como no Brasil, a força cristã no Congresso também é bastante visível, sobretudo nas votações com teor científico (evolucionismo, mudança climática) ou ligadas aos direitos individuais (aborto, união civil de homossexuais), que põem os eleitores evangélicos em alerta máximo. Hoje, 56% dos republicanos no Congresso negam o aquecimento global ou o papel das emissões antrópicas no seu agravamento. Em muitos dos casos, eles utilizam as Escrituras para justificar sua posição. “A Terra só acabará quando Deus anunciar que chegou a hora. A Humanidade não vai destruí-la”, professa John Shimkus, representante do estado de Illinois. Seguindo a mesma linha, seu colega texano Joe Barton prega que “se você acredita na Bíblia, terá de admitir que o Grande Dilúvio é um exemplo de mudança climática. E ele certamente não ocorreu porque a Humanidade superexplorou a energia dos hidrocarbonetos”.
Naturalmente, os membros do Congresso reproduzem as crenças do seu eleitorado. Estudos recentes confirmam que os evangélicos de várias denominações são os líderes absolutos do ceticismo climático nos EUA. E, não por coincidência, eles também tendem a combater qualquer tipo de regulamentação ambiental e o ensino do evolucionismo nas escolas.
Uma pesquisa divulgada em março pelas universidades Yale e George Mason apontou que apenas 51% dos evangélicos acreditam que o clima está efetivamente mudando, contra 69% dos católicos e 62% dos outros protestantes . Em novembro, o Public Religion Research Institute , organização que pesquisa o papel das religiões na vida pública americana, já havia publicado estudo na mesma linha, indicando que menos da metade dos evangélicos brancos faz a correlação entre furacões e longas estiagens com a mudança climática. Além disso, mais de três quartos dessa população vê nesses fenômenos extremos um alerta divino, sinal de que a profecia bíblica do fim dos tempos estaria perto de se confirmar. E o Apocalipse é um tema particularmente caro para os evangélicos americanos.
Enquanto os evangélicos se digladiam com a militância ambiental, a comunidade católica, que representa um quinto da população, tem postura mais discreta e tende a sentar em cima do muro. Mas há exceções, como o pré-candidato presidencial republicano Rick Santorum. Ligado ao Opus Dei, ele declarou recentemente que, apesar de ser fã do papa Francisco, entende que “a Igreja cometeu alguns erros no passado no que tange à Ciência e seria melhor se a deixasse a cargo dos cientistas”. Foi ridicularizado pela mídia por ignorar que o papa, quem diria, é mestre em Química pela Universidade de Buenos Aires.
Há expectativas de que a nova Encíclica climática do Vaticano e que novas lideranças evangélicas, com maior consciência ambiental, ajudarão a esvaziar o poder dos fundamentalistas. Mas é bem possível que o desprezo pela ciência, que eles impuseram às escolas da América profunda, impeça que ideias mais arejadas se espalhem.