Ignorance Surveys são pesquisas de opinião que visam identificar o nível de conhecimento de cidadãos médios sobre tendências globais. Elas são promovidas pela Fundação Gapminder, uma não-governamental sueca que já levou a enquete para os Estados Unidos e um punhado de países europeus. Os entrevistados são convidados a responder a questões de múltipla escolha que parecem fáceis para quem acompanha o noticiário. Só que não.
Estas são algumas das perguntas da edição mais recente, que ouviu 1.008 alemães em agosto do ano passado. Veja como você se sairia:
1) Em 1950, havia menos de 1 bilhão de crianças (com idades entre 0 e 14 anos) no planeta. Em 2000 havia quase 2 bilhões. Quantas haverá em 2100, segundo especialistas das Nações Unidas?
A) 4 bilhões
B) 3 bilhões
C) 2 bilhões
2) Qual a porcentagem global de adultos que sabem ler e escrever?
A) 80%,
B) 60%,
C) 40%
3) Qual a porcentagem global de crianças de um ano vacinadas contra o sarampo?
A) 20%,
B) 50%,
C) 80%
4) Como você acha que o número anual de mortes associadas a desastres naturais mudou desde 1970 em nível global?
A) Ele mais do que dobrou
B) Ele permaneceu mais ou menos o mesmo
C) Ele caiu a menos da metade
Na sua opinião, quais são as respostas corretas?
Ei-las:
Pergunta 1 – Apenas 16% dos entrevistados alemães acertaram ao indicar a opção C, 2 bilhões de crianças. O restante ficou dividido igualmente entre as duas outras alternativas, 4 e 3 bilhões. (Fonte)
Pergunta 2 – A resposta certa, 80%, foi escolhida por 28%. A maioria, 59%, ficou com a alternativa B. Os 13% restantes pensaram que apenas 40% são alfabetizados. (Fonte)
Pergunta 3 – Embora 49% tenham escolhido a opção A (20%) e 41% apontaram a B (50%), o correto é 80%, alternativa C, que foi a indicada por apenas 10% dos entrevistados. (Fonte)
Pergunta 4 – Só 6% indicaram a resposta certa, C (o número de mortes por desastres naturais caiu a menos da metade desde 1970), enquanto 54% apostaram em A e 40% foram com a alternativa B. (Fonte)
Note que, em todos esses exemplos, uma maioria absoluta optou por alternativas que são, ao mesmo tempo, erradas e sombrias, o que sugere que os entrevistados tendem a fazer uma leitura pessimista da realidade.
Esta pesquisa me vem à mente num momento em que vejo uma dificuldade coletiva em se manter o espírito alegre e a disposição de brigar por uma sociedade mais justa e menos predatória. Não dá para sair por aí assobiando em meio à crise político-econômica brasileira, à fuga desesperada dos refugiados sírios e à miscelânea de desgraças cotidianas que a mídia não cansa de destacar.
Se você, como eu, está tendo dificuldade em levantar a cabeça e seguir na luta, recomendo beber na fonte dos raros otimistas com credibilidade do mercado. Meu favorito é o médico sueco Hans Rosling, que talvez você tenha ouvido numa conferência TED de 2006,”As melhores estatísticas que você já viu” (em inglês, com subtítulos em português). A apresentação, que já foi vista por quase 10 milhões de pessoas, deu origem à Fundação Gapminder, promotora das Ignorance Surveys. A entidade usa o poder das estatísticas oficiais, sobretudo dados do Banco Mundial e da ONU, para combater mitos e dar visibilidade a tendências globais ignoradas pela mídia. Seus gráficos interativos mostram a evolução de indicadores essenciais, como o PIB per capita, longevidade, taxa de natalidade e de alfabetização. Os resultados são visualmente fascinantes e funcionam como uma injeção de serotonina na veia.
Rosling não é uma Poliana deslumbrada. É um cientista cosmopolita, com estofo e formação em Medicina pela Universidade de Uppsala, na Suécia, e Saúde Pública pelo Saint John’s Medical College em Bangalore, na Índia. Nos anos 70, morou em Moçambique, onde atuava como médico em comunidades rurais miseráveis. Foi conselheiro da Organização Mundial da Saúde e do Fundo das Nações Unidas para a Infância, a Unicef, e foi um dos introdutores dos Médicos sem Fronteiras na Suécia.
Mas é importante notar que Rosling não é imparcial. Ele deixa claro que quer combater o pessimismo que nos distancia da realidade e mina nossa combatividade. É provável que, para atingir seu objetivo ele jogue luz sobre o que vai bem – queda da natalidade, aumento da longevidade e da escolaridade – e varra para baixo do tapete os números mais dramáticos. Não dá para consumir seu gráficos sem senso crítico, até porque ele pouco discute tendências que podem virar o jogo global, como as mudanças climáticas. Mas eles são aliados preciosos para quem, como eu, precisa de uma ajuda para sair da cama de manhã.