Baía de Paranaguá – agosto de 2015
Entre os dias 26 e 28 de agosto, 12 representantes de empresas-membros das Iniciativas Empresariais do GVces participaram da Jornada Empresarial Terceira Margem, em que os participantes são convidados a ir a campo e questões relativas aos temas de cada Iniciativa podem ser compreendidas de maneira integrada e na complexidade com que se dão na prática.
Nesta edição – a primeira foi em 2013 em Extrema/MG para conhecer o Programa Conservador das Águas – o grupo foi à Baía de Paranaguá, no litoral norte do Paraná, região com o pior IDH do estado e que conta com a presença de um dos maiores portos do país e diversas unidades de conservação ambiental, que compõem o maior remanescente de mata atlântica brasileira.
Tendo em vista o paradigma presente na região, que coloca como conflitantes o desenvolvimento socioeconômico e a conservação ambiental, o grupo teve como desafio a investigação dos diversos modelos de desenvolvimento presentes no território a partir da conversa com atores como representantes do porto, de organizações ligadas à preservação ambiental e de comunidades ligadas à pesca e outros pequenos empreendedores.
Os três dias em campo e o conteúdo e percepções das visitas e conversas são relatados no diário a seguir:
1º dia
Após a chegada em Paranaguá pela manhã, fizemos uma roda de conversa para apresentação do grupo e levantamento de expectativas, na qual cada um também respondeu à pergunta “O que é desenvolvimento para você?”. As respostas ajudaram o grupo a se conhecer e iniciar as conversas da Jornada já com um olhar investigativo sobre os modelos de desenvolvimento presentes naquele território, que retomaríamos no último dia.
Dali partimos para nossa primeira visita: o porto de Paranaguá.
Fomos recebidos na sede da APPA – Administração do Portos de Paranaguá e Antonina pelo André Oliveira, profissional ligado à superintendência do porto e responsável pela estatística. Depois de fazer uma apresentação para o grupo trazendo os números surpreendentes ligados à operação, por cujo corredor passam anualmente 14 milhões de toneladas de soja, milho, farelo de soja e açúcar, além de serem movimentados 680 mil contêineres, 230 mil veículos, gerando uma receita cambial das exportações de 17,6 bilhões de reais, fomos levados a percorrer o cais e ver de perto as embarcações operando.
Foi um momento importante para o grupo relacionar as contradições ligadas à importância do porto para nossa sociedade – como porta de entrada e saída de bens essenciais, gerador de emprego e renda etc. – e aos fortes impactos socioambientais consequentes.
No final do dia, recebemos em nosso hotel o Clóvis Borges, fundador e diretor-executivo da SPVS – Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental, que foi acompanhado da Sueli Alves, representante da Cooperguará – Cooperativa de Turismo de Base Comunitária de Guaraqueçaba, e do Antônio e do Mateus, da Acriapa – Associação de Criadores de Abelhas Nativas da APA de Guaraqueçaba.
A SPVS tem um papel importante na conservação da natureza na região, mantendo algumas reservas na APA de Guaraqueçaba, entre outras atividades, como o incentivo à criação da Cooperaguará e da Acriapas, organizações que buscam gerar renda à comunidade aliada à preservação da floresta. Vale destacar que a Cooperguará foi nossa parceira em campo para articular as nossas visitas e viabilizar transporte, acomodação e alimentação para o grupo.
O Clóvis trouxe para o grupo um panorama geral dos atores mais importantes na região e a falta de articulação entre eles para se pensar uma agenda de desenvolvimento para o local que contemplasse a conservação da floresta.
Na conversa com a Sueli, o Antônio e o Mateus ouvimos as dificuldades de manter um negócio, como a burocracia, a gestão etc., em especial no caso de produtos e serviços como os oferecidos por eles (mel de abelhas nativas e turismo de base comunitária). Os três falaram, por outro lado, sobre como mudou a vida deles e a realidade da região após a criação das organizações de que fazem parte, pois antes eles trabalhavam em fazendas de búfalo que foram convertidas em reserva florestal, para a qual contribuem agora com sua preservação.
2º dia
O nosso segundo dia seria mais intenso: após quase 3 horas em um barco, chegamos à Ilha Superagüi, Parque Nacional de 33.988 ha em que vivem algumas espécies ameaçadas de extinção e uma comunidade de cerca de 700 famílias, a maioria de pescadores.
Após uma breve caminhada – que teve o percurso alterado por causa de uma ponte quebrada (isso sim é conhecer o lugar de perto!) – chegamos à sede do ICMbio.
Conversando com a equipe do Instituto, soubemos dos desafios de se gerenciar uma Unidade de Conservação em que vive uma comunidade e para a qual está sendo desenvolvido um plano de manejo: como acolher todos os interesses divergentes? A comunidade, que já estava lá antes da Ilha se tornar um Parque, se sente prejudicada por não poder mais cultivar sua roça e por não ter sido devidamente ouvida; os órgãos responsáveis pelo plano alegam terem sido mais inclusivos e permissivos do que o exigido (a rigor, em uma Unidade de Conservação não deveria ter uma comunidade estabelecida).
Todas essas provocações, feitas em contato direto com a natureza exuberante do local e com o modo de vida das comunidades, contribuiram bastante para as reflexões do grupo sobre os modelos de desenvolvimento para a região e para a percepção de que há uma dificuldade muito grande de diálogo entre os diversos atores.
Após a conversa no ICMbio, almoçamos no restaurante Golfinho, associado da Cooperguará, e conversamos com o marido da proprietária, o Seu Nagib, um pescador da Ilha, que nos contou sobre sua atividade e as dificuldades que os pescadores artesanais têm tido de competir com barcos maiores, de pesca industrial.
Depois de todas essas conversas e novas informações sobre aquela realidade, subimos de novo no barco, tendo como destino a cidade de Guaraqueçaba.
Em nosso caminho presenciamos um espetáculo único naquela região: a revoada do papagaio-da-cara-roxa, espécie que habita a ilha do Pinheirinho, no caminho de Superagüi para Guaraqueçaba, e passa o dia na ilha em frente. Todos os dias, no final do dia, os papagaios fazem uma revoada, sempre de dois em dois, para “ voltar para casa”.
3º dia
No nosso último dia em campo, acordamos bem cedo e fomos para o Salto Morato, uma RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.
Foi importante para o grupo conhecer as diferenças entre os modelos público e privado de gestão de áreas de conservação, bem como as características de áreas habitadas e não habitadas – que é o caso do Salto Morato.
Aproveitamos a beleza cênica do local para fazer o encerramento de nossa jornada com vista para a cachoeira que dá nome à Reserva.
Em uma roda de conversa, o grupo pôde compartilhar suas percepções sobre o território e sobre a experiência, além de revisitar a pergunta “O que é desenvolvimento para você?”.
Ficou muito forte para todos a necessidade de maior articulação, diálogo e busca por convergência de interesses entre os atores da região, situação que é similar à de muitos territórios em que as empresas do grupo atuam e deve inspirar sua atuação.
Com essa segunda experiência integradora no âmbito das Iniciativas Empresariais o GVces fortaleceu a sua crença de que experiências em campo são um espaço privilegiado de aprendizagem, troca de experiências e desenvolvimento pessoal.
Para os próximos ciclos, esperamos contar com cada vez mais representantes de empresas conosco nessa jornada e explorar temas em sustentabilidade que representem ao mesmo tempo desafio e inspiração às empresas.
Por Manuela Santos