No livro “Não Verás País Nenhum”, publicado em 1981, o escritor Ignácio de Loyola Brandão retrata um futuro quase apocalíptico para o Brasil. Tomado pela catástrofe ambiental, o país não tem mais sua esplendorosa Floresta Amazônica, transformada em deserto; as metrópoles sofrem com a falta de árvores e com o calor intenso; não há comida, água ou moradia para todos, sendo que os grupos mais inferiores e pobres sobrevivem do lixo acumulado nos arredores dessas cidades.
Um aspecto interessante desse livro – considerando que ele foi escrito há mais de 30 anos, quando mudanças climáticas e aquecimento global ainda eram temas insipientes na agenda global – é a forma como Ignácio traz as cidades sofrendo com o calor insuportável: na São Paulo “futurista” (relevando o fato de que a história se passa em 2003, que já faz parte do passado para nós em 2015), as pessoas não conseguiriam andar na rua sem algum tipo de proteção contra o sol, como sombrinhas e marquises. É simplesmente insuportável viver ao ar livre, sem árvores nem água para aliviar o calor inclemente que torra o asfalto na selva de pedra.
Isso me veio à mente quando li uma matéria recente no Guardian sobre os efeitos das mudanças climáticas em uma das regiões mais inóspitas e difíceis de estabelecer assentamentos humanos: o Golfo Pérsico. De acordo com estudo conduzido por dois pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT), essa região deverá sofrer com o calor intenso nas próximas décadas, superando os limites que permitem a vida humana.
O estudo aponta que ondas de calor extremo, que já ocorrem com mais frequência nos últimos anos, deverão se intensificar, ao ponto que, em 2070, os dias mais quentes de hoje podem se tornar o dia-a-dia do futuro. Muitas localidades do Golfo Pérsico, como Abu Dhabi, Dubai e Doha, além da costa iraniana, poderão ter o clima similar ao clima atual do deserto de Afar, no lado africano do Mar Vermelho, um dos lugares mais quentes do mundo, onde não existe assentamento humano permanente.
Ironicamente, os países do Golfo Pérsico, em particular a Arábia Saudita, entre os grandes exportadores mundiais de petróleo, frequentemente atuam para bloquear as negociações internacionais sobre mudanças climáticas. Alguns deles, como os sauditas e o Catar, sequer entregaram suas contribuições pretendidas para redução de emissões para o novo acordo climático internacional, que será finalizado em dezembro na cidade de Paris.
No livro de Loyola Brandão, o Brasil futurista seria governado por uma estrutura ditatorial chamada de “Esquema”, que impõe regras bastante rígidas à vida dos brasileiros no meio da catástrofe ambiental. Coincidentemente, muitos desses países do Golfo são ditaduras ou possuem regimes políticos claramente autoritários. São também países com desigualdades sociais gigantescas, ampliadas cada vez mais pelos rendimentos do petróleo direcionados para pouquíssimas pessoas. Obviamente, quem sofrerá mais com os efeitos desse superaquecimento serão as comunidades mais pobres, que já vivem em situação delicada. Mesmo cerimônias religiosas importantes para o islamismo, como a peregrinação à Meca, seriam praticamente inviabilizadas, já que o calor intenso dificultaria qualquer tipo de movimento à luz do sol.
O caminho para evitar esse cenário apocalíptico continua sendo o mesmo: reduzir as emissões de gases do efeito estufa (GEE) em todo o mundo, de forma efetiva e contínua, nas próximas décadas, de maneira a conter o aumento da temperatura média global em até 2ºC neste século.
Para tanto, o desafio dos países pérsicos não é pequeno: esse caminho de ação climática significa reduzir de forma ambiciosa o uso de combustíveis fósseis, o que atinge em cheio as economias nacionais da região, altamente dependentes dos rendimentos do petróleo local. Para esses países, a transição para uma economia de baixo carbono é uma revolução absoluta de suas economias. O medo disso tudo explica em grande parte a reticência desses países em torno do debate sobre clima, mas talvez eles venham a confrontar um medo muito maior, que os forçará a repensar a necessidade dessa transição: a inviabilidade da vida humana futura em seus territórios.[:en]
No livro “Não Verás País Nenhum”, publicado em 1981, o escritor Ignácio de Loyola Brandão retrata um futuro quase apocalíptico para o Brasil. Tomado pela catástrofe ambiental, o país não tem mais sua esplendorosa Floresta Amazônica, transformada em deserto; as metrópoles sofrem com a falta de árvores e com o calor intenso; não há comida, água ou moradia para todos, sendo que os grupos mais inferiores e pobres sobrevivem do lixo acumulado nos arredores dessas cidades.
Um aspecto interessante desse livro – considerando que ele foi escrito há mais de 30 anos, quando mudanças climáticas e aquecimento global ainda eram temas insipientes na agenda global – é a forma como Ignácio traz as cidades sofrendo com o calor insuportável: na São Paulo “futurista” (relevando o fato de que a história se passa em 2003, que já faz parte do passado para nós em 2015), as pessoas não conseguiriam andar na rua sem algum tipo de proteção contra o sol, como sombrinhas e marquises. É simplesmente insuportável viver ao ar livre, sem árvores nem água para aliviar o calor inclemente que torra o asfalto na selva de pedra.
Isso me veio à mente quando li uma matéria recente no Guardian sobre os efeitos das mudanças climáticas em uma das regiões mais inóspitas e difíceis de estabelecer assentamentos humanos: o Golfo Pérsico. De acordo com estudo conduzido por dois pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT), essa região deverá sofrer com o calor intenso nas próximas décadas, superando os limites que permitem a vida humana.
O estudo aponta que ondas de calor extremo, que já ocorrem com mais frequência nos últimos anos, deverão se intensificar, ao ponto que, em 2070, os dias mais quentes de hoje podem se tornar o dia-a-dia do futuro. Muitas localidades do Golfo Pérsico, como Abu Dhabi, Dubai e Doha, além da costa iraniana, poderão ter o clima similar ao clima atual do deserto de Afar, no lado africano do Mar Vermelho, um dos lugares mais quentes do mundo, onde não existe assentamento humano permanente.
Ironicamente, os países do Golfo Pérsico, em particular a Arábia Saudita, entre os grandes exportadores mundiais de petróleo, frequentemente atuam para bloquear as negociações internacionais sobre mudanças climáticas. Alguns deles, como os sauditas e o Catar, sequer entregaram suas contribuições pretendidas para redução de emissões para o novo acordo climático internacional, que será finalizado em dezembro na cidade de Paris.
No livro de Loyola Brandão, o Brasil futurista seria governado por uma estrutura ditatorial chamada de “Esquema”, que impõe regras bastante rígidas à vida dos brasileiros no meio da catástrofe ambiental. Coincidentemente, muitos desses países do Golfo são ditaduras ou possuem regimes políticos claramente autoritários. São também países com desigualdades sociais gigantescas, ampliadas cada vez mais pelos rendimentos do petróleo direcionados para pouquíssimas pessoas. Obviamente, quem sofrerá mais com os efeitos desse superaquecimento serão as comunidades mais pobres, que já vivem em situação delicada. Mesmo cerimônias religiosas importantes para o islamismo, como a peregrinação à Meca, seriam praticamente inviabilizadas, já que o calor intenso dificultaria qualquer tipo de movimento à luz do sol.
O caminho para evitar esse cenário apocalíptico continua sendo o mesmo: reduzir as emissões de gases do efeito estufa (GEE) em todo o mundo, de forma efetiva e contínua, nas próximas décadas, de maneira a conter o aumento da temperatura média global em até 2ºC neste século.
Para tanto, o desafio dos países pérsicos não é pequeno: esse caminho de ação climática significa reduzir de forma ambiciosa o uso de combustíveis fósseis, o que atinge em cheio as economias nacionais da região, altamente dependentes dos rendimentos do petróleo local. Para esses países, a transição para uma economia de baixo carbono é uma revolução absoluta de suas economias. O medo disso tudo explica em grande parte a reticência desses países em torno do debate sobre clima, mas talvez eles venham a confrontar um medo muito maior, que os forçará a repensar a necessidade dessa transição: a inviabilidade da vida humana futura em seus territórios.
Bruno Toledo