Num futuro relativamente próximo, as crises em andamento no Golfo Pérsico – conflitos étnicos, guerras civis, invasões, fim da era do petróleo – empalidecerão diante do impacto devastador das mudanças climáticas. Este ano, ondas de calor acima de 50 graus Celsius assolaram a região. Em julho, o governo iraquiano foi obrigado a decretar feriado nacional por quatro dias em partes do país, devido à elevação da temperatura a 50°C, impondo a permanência da população dentro de casa. A situação complicou-se ainda mais devido ao desabastecimento de água e energia. Na cidade de Bandar Mahshahr, uma combinação de alta temperatura e alta umidade criou uma sensação térmica de 73°C, embora a temperatura real fosse na faixa de 46°C. O Kuwait presenciou um quadro semelhante, com os termômetros marcando até 52°C no norte do país.
É um quadro que poderá inviabilizar a sobrevivência humana na região em três gerações. Estudo recém-publicado pela revista de divulgação científica Nature Climate Change, de autoria de Jeremy Pal e Elfatih Eltahir, do Ralph M. Parsons Laboratory, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), afirma que a isso deverá ocorrer até o fim deste século, a menos que as emissões globais de gases-estufa sejam drasticamente reduzidas. Modelos matemáticos empregados pelos autores apontaram que as atuais ondas de calor se tornarão mais agudas após 2070, transformando o Golfo Pérsico numa nova versão do Deserto de Afar, área completamente inóspita da Etiópia junto ao Mar Vermelho. No verão, a região deverá enfrentar médias de 45°C, mas os termômetros poderia subir ainda mais, chegando a 60°C no Kuwait. O trabalho, cuja íntegra não está disponível gratuitamente, destaca a incapacidade do corpo humano de se resfriar via transpiração quando a combinação de temperatura e umidade atinge determinados patamares. Em algumas cidades, como Abu Dhabi e Dubai, mesmo pessoas em boa forma física terão dificuldade de sobreviver ao ar livre por mais de seis horas em dias de extremos climáticos.
A notícia me faz lembrar uma viagem que fiz à fronteira do Egito com o Sudão. Disposta a visitar as ruínas do templo de Abu Simbel, construído pelo faraó Ramsés II e transferido de lugar nos anos 60, para evitar que fosse inundado pela gigantesca barragem de Assuã, no Rio Nilo. Saí de táxi de Luxor, às 5 da manhã, para chegar no templo às 10 horas. Trazia no porta-malas algumas garragas plásticas de água mineral, tamanho família, completamente congeladas. Ao chegar ao templo, descobri que carregava água fervente, perfeita para fazer chá. As garrafas haviam derretido e estavam a ponto de quebrar. E o sol ainda nem estava a pino. Isto ocorreu há mais de 30 anos. Pergunto-me como seria a mesma visita hoje.