Finalizado na semana passada em Dubai, o 27º encontro das partes (MOP 27) do Protocolo de Montreal deu o primeiro – e pequeno – passo rumo à descontinuidade do uso dos gases hidrofluorocarbono (HFC) em todo o mundo. Depois de dias de negociação truncada, os governos signatários do acordo concordaram com um compromisso inicial para avançar no abandono completo desses gases comumente utilizados para refrigeração e controle de temperatura (ar-condicionado) e com potencial de aquecimento quase 12 mil vezes maior que o dióxido de carbono (CO2), o principal gás de efeito estufa (GEE).
A reunião em Dubai foi bastante conturbada, algo que não tem sido muito comum na mesa de negociação do Protocolo de Montreal nas últimas décadas. Criado pelas Nações Unidas em 1987 como parte da Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio (1985), o Protocolo de Montreal impôs a eliminação global da produção e uso de gases como clorofluorocarbono (CFC) e hidroclorofluorocarbono (HCFC), que eram frequentemente utilizados pela indústria para refrigeração e ar-condicionado até meados dos anos 1980. Na época, estudos científicos apontavam que o uso massivo desses gases estava degradando a camada de ozônio localizada na parte superior da estratosfera terrestre – sem a proteção dessa camada, a Terra poderia ficar vulnerável à radiação dos raios ultravioletas, ameaçando a vida no planeta.
O resultado desse acordo foi notável: em menos de uma década, os governos conseguiram banir estes gases, revertendo o processo de deterioração da camada de ozônio. Obviamente, esse resultado não foi fruto apenas dos compromissos internacionais: já nos anos 1980, existiam tecnologias que substituíam os CFC e HCFC em equipamentos de refrigeração e controle de temperatura, mas o custo de transição dificultava a substituição tecnológica nos países mais pobres. O regime internacional de Montreal serviu como um incentivo para essa transição, facilitando a proliferação dessas novas tecnologias na indústria mundial – em particular, os gases hidrofluorocarbonetos (HFC), menos agressivos ao ozônio, mas com potencial de aquecimento muito maior do que outros gases do efeito estufa. O uso dos gases HFC é crescente nos países em desenvolvimento; até 2050, os HFC poderão representar quase 1/4 dos GEE na atmosfera terrestre.
Isso coloca os HFC no alvo dos esforços globais para contenção de emissões de GEE e mitigação da mudança do clima. Há algum tempo, negociadores e especialistas apontam para a necessidade de o próprio Protocolo oferecer alguma estratégia de ação para reduzir o uso desse tipo de gás. No entanto, existe um obstáculo jurídico relevante: o mandato do Protocolo estabelece que seu foco está nas substâncias que empobrecem o ozônio, o que não é o caso dos HFCs.
Por trás disso, existe um obstáculo político notável, também relacionado com a estrutura do acordo: ao mesmo tempo em que a Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças do Clima (UNFCCC) e o Protocolo de Kyoto se baseiam nas chamadas “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, que implica em obrigações diferentes para cada signatário, o Protocolo de Montreal é legalmente vinculante para todos os seus signatários – ou seja, cada um dos 190 países que o assinaram possui responsabilidades iguais.
O encontro nos Emirados Árabes Unidos foi a primeira grande oportunidade para que os governos colocassem na mesa a questão dos HFC. Um dos incentivos para esse debate aconteceu no começo de 2015, quando Estados Unidos e Índia anunciaram entendimentos mútuos que superaram (pelo menos, em parte) a reticência de Nova Déli em emendar o mandato do Protocolo, um obstáculo diplomático que ameaçava qualquer tipo de consenso sobre o tema. No entanto, o MOP 27 deixou evidente que nem todos os atores globais estão confortáveis com essa questão na mesa de negociação.
A oposição dos países árabes à proposta de emenda do Protocolo de Montreal não é nova, mas se tornou ainda mais intransigente em Dubai. A região do Golfo Pérsico é um dos locais mais quentes do planeta, e muitas cidades – Dubai, entre elas – dependem de equipamentos de ar-condicionado para o conforto básico de seus habitantes, muitos abastecidos com HFC. Porém, o uso persistente desses gases pode levar a um efeito cíclico de mais calor naquela região, já que o Golfo Pérsico pode ser uma das zonas mais afetadas pelos efeitos da mudança do clima. “Arábia Saudita, Kuwait e outros países árabes estão bloqueando o acordo para redução dos HFC, e isso é chocante, pois a região do Golfo já está experimentando as consequências das mudanças climáticas”, explica Safa’ al Jayoussi, da ONG árabe IndyACT e coordenador regional árabe da Climate Action Network (CAN International). “Isto apenas piorará se não tomarmos alguma medida agora”.
Para David Doniger, diretor da Natural Resources Defense Council (EUA), que acompanhou as negociações em Dubai, a reticência dos países árabes com o acordo sobre HFC não tem fundamento, já que “alternativas mais amigáveis ao clima conseguem resfriar melhor, usar menos energia e causam menos danos quando emitidas à atmosfera”. Para uma região que também enfrenta o desafio energético no contexto das mudanças climáticas e gasta montantes significativos de seus orçamentos com resfriamento, essas novas tecnologias já disponíveis podem servir não apenas para continuar protegendo a camada de ozônio, mas também para conter as emissões de GEE.
As negociações terminaram com um compromisso básico dos países em descontinuar o uso dos HFC, mas sem citar prazos nem condições. Esta foi a única forma encontrada pelos negociadores para superar a oposição de indianos e árabes. A declaração não é o “mapa do caminho” que muitos países gostariam de ter na redução do uso dos HFC, mas já representa uma sinalização importante para as negociações da Conferência do Clima de Paris, a COP 21, que começa no final deste mês.