Com a alta nos preços dos combustíveis, cresce a procura pelas pequenas usinas de energia produzidas pela Biotechnos, movidas a óleo de cozinha usado
A visita do papa Francisco ao Brasil em 2013 emocionou uma multidão de católicos em todo o País, que acompanhou cada passo do pontífice. Mas para a Biotechnos, pequena empresa de Santa Rosa (RS), que fabrica equipamentos para produção de biodiesel com o uso de óleos que seriam jogados fora, a visita do papa representou mais que um momento para celebrar a fé: foi uma oportunidade de ganhar visibilidade. Isso porque a empresa forneceu o biodiesel fabricado com óleo de cozinha para compor o combustível utilizado para abastecer os geradores que deram suporte à realização da missa com o papa no Rio de Janeiro. Foram utilizados cerca de 30 mil litros de combustível, com mistura de 20% de biodiesel produzido em um Arranjo Produtivo Local (APL) [1] na Zona Norte do Rio, o que contribuiu para uma redução de até 60% nas emissões de carbono dos geradores.
[1] Aglomerado de empreendimentos em determinado território e indivíduos que atuam em torno de uma atividade produtiva predominante e pode incluir pequenas, médias e grandes empresas
Fundada em 2007 pela administradora de empresas Márcia Werle, a Biotechnos surgiu da necessidade da empresária, que trabalhava no polo metalmecânico de Santa Rosa, de unir satisfação pessoal a um negócio próprio com propósito ambiental. Já estava pesquisando sobre a área de biocombustíveis e, na ocasião, teve a oportunidade de visitar uma feira de tecnologias ambientais em Hannover, na Alemanha. Sem falar inglês muito bem, acabou lançando mão de um dialeto alemão aprendido na infância com os avós para se comunicar com um dos pesquisadores da área de biodiesel, que detinha uma tecnologia para produzir o combustível em pequenas unidades produtivas e sem gerar efluentes.
De volta ao Brasil e inspirada pelos alemães, Werle investiu todas as suas economias para estruturar o novo negócio, a princípio utilizando matérias-primas como óleos de soja e girassol, com o objetivo de atender pequenos agricultores rurais que desejassem gerar energia para suas atividades lançando mão de grãos excedentes de suas produções.
A ideia de utilizar óleos residuais veio mais tarde, em 2009, com uma campanha para arrecadar óleo de cozinha usado em sua cidade. Era a chance de unir dois benefícios que a coleta dos óleos residuais poderia oferecer: produzir um combustível menos poluente e contribuir para a educação ambiental, já que a coleta inclui a colaboração da comunidade para separar e destinar esse resíduo. No mesmo período, a Biotechnos estruturou um sistema de franquia industrial para trabalhar com a formação de arranjos produtivos locais, ou seja, estruturar o sistema de coleta local de óleo residual, instruções sobre os danos do descarte incorreto desse resíduo, formas de armazená-lo, os pontos de entrega e o envio para as usinas. Hoje são 17 plantas de biodiesel espalhadas por vários estados brasileiros e uma produção que gira em torno de 350 mil litros mensais.
Um dos diferenciais da Biotechnos está na possibilidade de gerar biodiesel em pequena escala, por meio de redes e insumos locais, de modo a garantir que o combustível limpo seja produzido sem gerar externalidades negativas, tal como um alto consumo energético de fontes não renováveis para transportar matéria-prima de um local distante até as grandes usinas.
Os principais equipamentos da empresa são pequenas usinas de biodiesel (com capacidade para até 10 mil litros/dia), pequenas usinas móveis (ideais para eventos), sistemas de extração de óleo, mesa filtradora (realiza a limpeza do óleo residual antes da transformação em biodiesel) e destilador de álcool para produção de etanol.
O trabalho foi ganhando reconhecimento, como o Prêmio Finep de Inovação e um convite da Apex-Brasil para expor a tecnologia durante a Copa do Mundo de 2010 na África do Sul
Além disso, a Biotechnos oferece o projeto como um todo, o que inclui a estruturação do APL e o suporte para obtenção das linhas de crédito. A empresa também desenvolve equipamentos para projetos específicos. Um deles é voltado para o beneficiamento do coco babaçu, nas regiões Norte e Nordeste, e deve ser uma das grandes apostas da Biotechnos para os próximos anos, afirma Márcia Werle. “Estamos testando uma tecnologia piloto no Maranhão que separa o babaçu em todos os seus componentes – óleo, fibra, pó e amêndoa, e cada um deles tem um aproveitamento e pode ser uma ótima alternativa para gerar renda nas comunidades”, diz.
Confiante nas oportunidades que a crise traz – a alta no preço dos combustíveis, por exemplo, levou a um aumento na procura pelas plantas de biodiesel –, a empresária planeja minuciosamente os próximos passos, como a expansão do seu modelo de franquia industrial e a exportação dos equipamentos para produzir biodiesel para países como Argentina, Chile e Nova Zelândia.
Não que não existam obstáculos. Um dos principais é a dificuldade para obtenção de crédito para pequenas usinas de biodiesel. O BNDES só financia plantas de biocombustíveis a partir de R$ 10 milhões, o que automaticamente exclui as unidades pequenas. Os benefícios ambientais de sua tecnologia também são um fator pouco valorizado. “De nossa clientela, 60% buscam os equipamentos por motivações econômicas, e 40% com o intuito de resolver as questões ambientais. Mesmo assim, vamos continuar buscando conhecimento para agregar valor ambiental aos produtos”, conclui.
FICHA – BIOTECHNOS
‒ Microempresa
‒ Setor: Energia (biodiesel)
‒ Faturamento 2015: R$ 2.202.400
‒Funcionários: 12
‒ Fundação: 2007
‒ Principais clientes: Cooperativas de pequenos agricultores, de catadores de materiais recicláveis, pequenas propriedades rurais e pequenos e médios empreendedores urbanos.
‒ O que faz: Oferece projetos de instalação de pequenas usinas de biodiesel para geração de energia com base em recursos energéticos subutilizados, como óleos e gorduras residuais e excedentes da colheita de grãos. Estrutura o Arranjo Produtivo Local (APL) para coleta da matéria-prima a ser utilizada. No caso dos óleos residuais, cria o projeto e a logística de coleta na região, o programa de educação ambiental para descarte/armazenamento adequado e, por fim, a produção e o uso do biocombustível.
Inovação para a Sustentabilidade: Viabiliza a produção de um combustível menos poluente em pequena escala à base de resíduos de difícil tratamento, como os óleos residuais. Oferece o modelo de pequenas usinas e, por isso, não traz alguns dos impactos negativos mais comuns à geração de biocombustíveis em grande escala, que são a ameaça à segurança alimentar – devido ao uso de terras para produção de combustíveis em detrimento da produção de alimentos –, as más condições de trabalho das grandes plantações e a alta pegada hídrica em seu processo de produção. A estruturação dos APL possibilita também o envolvimento da comunidade com o tema e a educação ambiental sobre um resíduo que, de forma geral, não tem um processo de coleta adequado no País.
Potencial: O mercado mundial de biocombustíveis está em expansão. Na matriz energética brasileira, ele responde por 7% do combustível. As pequenas usinas são uma opção para a redução de custos com consumo de combustíveis em locais onde há matéria-prima alternativa e em abundância, como os óleos e gorduras residuais. No Brasil, são descartados ao ano 1,5 bilhão de litros de óleos residuais todos os anos, com impactos significativos para a qualidade da água. Atualmente, a empresa se beneficia da alta no preço dos combustíveis, por isso tem levado a um aumento na procura pelas plantas de biodiesel.
Gestão: Possui algumas práticas de boa governança, como critérios para a destinação dos resultados, reuniões periódicas entre os sócios da empresa, além de manter a contabilidade separada das contas pessoais. Estrutura cartas de compromisso com seus parceiros e fornecedores com abordagem do tema do combate à corrupção. Adota um sistema de gestão de desempenho baseado no acompanhamento de indicadores relacionados a seus objetivos e metas.