Por Bruno Toledo
Uma nova polêmica esquenta os bastidores políticos faltando duas semanas para a abertura da Conferência do Clima de Paris, a COP 21. Em entrevista ao jornal Financial Times no último dia 11, o secretário de Estados dos EUA, John Kerry, afirmou que o acordo internacional que emergirá da COP 21 “definitivamente não será um tratado” e que os compromissos não serão legalmente vinculantes, como no Protocolo de Quioto.
Essa é uma divergência fundamental que pode comprometer fatalmente a costura diplomática que vem sendo feita nos últimos anos em prol de um novo regime legal internacional para clima. Para os países em desenvolvimento e para a União Europeia, é crucial que o novo acordo seja legalmente vinculante – ou seja, que suas provisões e compromissos sejam obrigatórios a todos os seus signatários.
Essa visão foi reforçada pelo bloco europeu depois da fala de Kerry. “O acordo de Paris precisa ser um entendimento internacional legalmente vinculante”, contestou Miguel Arias Cañete, comissário da UE para clima e o principal negociador do bloco.
Os anfitriões da COP 21 também rejeitaram a alegação de Kerry. Laurent Fabius, ministro do exterior da França, disse que o acordo de Paris possuirá elementos legais óbvios e sugeriu que seu colega norte-americano estaria “confuso” sobre essa questão. Já o presidente francês François Hollande disse compreender que possíveis dificuldades internas compliquem o entendimento político nos EUA, mas que isso não pode impedir um acordo climático de caráter vinculante, com compromissos a serem assumidos e respeitados.
A posição de Kerry revela um desafio interno importante para o governo Barack Obama nos EUA: a reação do Congresso, hoje dominado pela oposição republicana tradicionalmente reticente a políticas em clima. O principal temor da Casa Branca é que, no caso de um tratado legalmente vinculante, ele precise passar por apreciação do Legislativo: se o Congresso rejeitar a ratificação do acordo, os EUA poderiam repetir o que aconteceu com o Protocolo de Quioto, quando os parlamentares rejeitaram sua aprovação (posteriormente, a administração George W. Bush acabou abandonando-o).
Para a Casa Branca, uma saída que facilitaria a aprovação de um acordo pelo Congresso seria o estabelecimento de compromissos “híbridos”, nos quais o país signatário não possuiria metas obrigatórias de redução de emissões, mas sim objetivos monitoráveis por outras partes, e com restrições legais em outras provisões do acordo.
Esta proposta de acordo “híbrido” tem despertado desconfiança de negociadores nos países em desenvolvimento, que defendem um acordo com objetivos e metas legalmente vinculantes para todas as partes. Para eles, a proposta inviabiliza um acordo internacional efetivo na luta contra as mudanças climáticas, ao permitir a flexibilização do cumprimento das metas de redução ao sabor dos desejos e interesses de cada país membro.
A natureza do futuro acordo é um dos pontos quentes na agenda de negociação na COP 21. A base para essa discussão é a declaração final da Conferência do Clima de Durban (COP 17), realizada na África do Sul em 2011, que estabeleceu a chamada Plataforma de Durban (ADP) e definiu um mapa do caminho para o processo de construção do novo acordo climático. Na declaração, os países concordaram com o objetivo de se chegar a um novo protocolo, instrumento legal ou outro dispositivo com força legal com compromissos e obrigações para todos os países. Desde então, pouco se avançou no detalhamento exato do caráter legal do novo acordo climático, algo que precisará ser finalmente discutido e pactuado nesta COP 21. As declarações de Kerry e a resposta dos europeus deixam claro que os obstáculos para o entendimento persistem e, sim, podem comprometer o resultado final em Paris.