Os discursos fortes dos líderes globais na abertura da Conferência do Clima de Paris (COP 21) parecem não ter surtido efeito na dinâmica da negociação técnica em torno de um novo acordo climático. No terceiro dia de discussões na capital francesa, divergências antigas se reforçaram entre as delegações dos 192 países que participam da COP 21, prejudicando o ritmo das negociações em meio a uma agenda carregada de tarefas até o final desta semana.
Um elemento crítico na construção do novo acordo internacional para combate às mudanças climáticas é o financiamento de suas atividades, particularmente nos países mais pobres – que, espera-se, também terão compromissos de redução no novo tratado. Para essas nações em desenvolvimento, os países mais ricos têm a obrigação de oferecer ajuda financeira para viabilizar medidas de mitigação e de adaptação climática. Já as nações desenvolvidas, Estados Unidos à frente, defendem que outros países com capacidade de auxiliar no financiamento climático também possam fazê-lo dentro do novo acordo – em particular, os países “emergentes”, como China. Índia e Brasil.
Nesta quarta, a discussão sobre financiamento esquentou em Paris, com o G77 (coalizão dos países em desenvolvimento nas negociações em clima) soltando uma nota com críticas ásperas aos países ricos. Para o G77, ao propor a flexibilização das fontes de financiamento, os países desenvolvidos violam os princípios centrais da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês).
Na nota, o G77 aponta que “qualquer tentativa de substituir a obrigação central dos países desenvolvidos de prover apoio financeiro aos países em desenvolvimento por diversas condicionantes econômica arbitrariamente identificadas é uma violação do processo multilateral e ameaça os resultados [das negociações] de Paris”.
A contrariedade do G77 ultrapassou as paredes tradicionais das salas de negociação e ganhou ressonância na imprensa e nas redes sociais. A embaixadora sul-africana Nozipho Mxakato-Diseko, porta-voz do grupo em Paris, postou diversos comentários críticos sobre o processo de negociação em financiamento no Twitter. A nota, que geralmente roda as salas de negociação antes de chegar ao espaço de mídia das COPs, foi mandada por e-mail para vários dos jornalistas que cobrem a COP 21 em Paris.
Os negociadores norte-americanos permanecem reticentes à concepção restrita da base de países para o financiamento climático. “Esta noção de uma base expandida de doadores já é uma realidade”, defendeu Todd Stern, chefe da delegação dos EUA em Paris, durante coletiva de imprensa ontem. “Apenas queremos que isso esteja presente em qualquer acordo que venhamos a assinar”.
Além da questão sobre os doadores, outros pontos referentes a financiamento permanecem abertos. Ainda restam dúvidas sobre como os países ricos vão conseguir cumprir sua meta de aumentar o fluxo de recursos para financiamento de ações climáticas nos próximos anos, de forma a chegar em US$ 100 bilhões anuais a partir de 2020, o quanto dessa porção irá para adaptação, e garantias de que os recursos continuarão crescentes após 2020. Por ora, Paris não tratou deles.
Movimento de desinvestimento em energia fóssil ganha espaço na COP 21
Se os processos oficiais de negociação continuam lentos como sempre, a movimentação fora das salas da ONU continua intensa em Paris. Liderada pela 350.org e pela Divest-Invest, a campanha mundial de desinvestimento dos combustíveis fósseis quebrou um novo recorde na COP 21: mais de 500 instituições, que representam mais de US$ 3,4 trilhões em ativos, fizeram algum tipo de compromisso de desinvestimento.
Ainda que os números reais desses compromissos ainda não estejam claros – o valor apontado se refere ao valor total dos ativos gerados pelas instituições que aderiram ao movimento, e não a quantidade de dinheiro desinvestido – o anúncio feito em Paris é um sinal de que os investidores começam a prestar atenção às negociações e estão deslocando seu capital dos combustíveis fósseis para fontes limpas e renováveis de energia.
Para Bill McKibbon, líder da 350.org, o movimento de desinvestimento está modificando de forma permanente o panorama do financiamento para energia em todo o mundo. “Nenhuma instituição quer ser financeira ou moralmente implicada com os combustíveis do passado”.
Índia e seus dilemas com a descarbonização
O anúncio recente do G7 em torno da descarbonização de suas economias até o final deste século pode ter animado algum debate sobre o tema no contexto da COP 21, mas um país estratégico já demonstrou estar desconfortável com essa ideia: a Índia, uma das maiores consumidoras globais de carvão.
No mês passado, durante encontro do G20, o governo indiano já tinha se oposto à ideia de colocar um compromisso de descarbonização no documento final da reunião. Mesmo com anúncio de uma aliança entre França e Índia para apoiar investimentos em energia solar no país asiático, feito no primeiro dia da COP 21, os negociadores indianos continuam manifestando desagrado com qualquer ideia de considerar uma meta de descarbonização dentro do novo acordo climático.
A Índia é, em muitos aspectos, um ponto de interrogação na COP 21. Por exemplo, o governo do primeiro-ministro Narendra Modi já declarou, em diversas ocasiões, sua oposição à possibilidade dos compromissos do acordo de Paris serem legalmente vinculantes – ou seja, terem força de lei e obrigatoriedade para os seus signatários. Em Paris, a Índia ainda não demonstrou ter uma posição consolidada sobre o tema, se posicionando à margem do debate atualmente polarizado entre G77 e Estados Unidos.