Roberto S. Waack*, um dos conselheiros editoriais da Revista Página22, participou na sexta-feira 4 de uma reunião reservada para 20 CEOs dos principais fundos de institucionais de investimento do mundo.
Estavam presentes no Executive Secretary Paris Dialogue a secretária executiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, Christiana Figueres, o ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore, o investidor Tom Steyer, além de investidores institucionais, com total de recursos sob gestão devendo ultrapassar USS 2 trilhões (Calpers, MN, CalSTRS, ABP Pension Fund, BT Pension Fund, Hermés Investment, PGGM, IGCM Australia, PRI, ERAFP e outros).
Publicamos abaixo o relato de Waack sobre o encontro e uma visão sobre a COP 21:
O momento da COP de Paris é de preocupação com a evolução das negociações. A partir de uma abertura inspiradora feita pelos chefes de Estado presentes, o processo passa às mãos dos negociadores e avança com dificuldades. Al Gore deu o tom com uma caricatura bastante esclarecedora: ‘’O presidente dos Estados Unidos chega em um jantar e pede manteiga. O garçom se nega. O presidente o questiona: Você sabe com quem está falando? Eu sou o presidente dos Estados Unidos! E o garçom responde: e eu cuido da manteiga”.
Pois bem, os negociadores tomam conta da manteiga, de certa forma, indicando limitações de seus mandatos. Obviamente não depreciando a função, mas indicando suas limitações. Na ausência da manteiga, cabe aos visionários presidentes e a seus ministros encontrarem outras iguarias para passar no pão. Não faltarão opções. Mais do que isso, o cardápio de oportunidades que esta COP apresenta é, no mínimo, instigante.
Christiana Figueres apresenta um cenário inspirador. Há um evidente e irreversível movimento em direção à economia de baixo carbono. As negociações são difíceis, mas avançam. O maior obstáculo é o “medo político do desconhecido”. As tendências estão claras em sua direção, mas não indicam precisamente para onde estão indo. Não há clareza de como o cenário econômico funcionará em um ambiente onde a “economia do carbono” terá papel preponderante.
Nesse jogo, o setor privado passa a ter papel determinante. Não apenas enfrentando o dilema moral das externalidades, mas liderando as oportunidades que o novo cenário oferece. Esse ambiente desafiador é distinto da forma como a economia se desenvolve tradicionalmente. Por isso, ainda não está completamente claro como evoluirá. A inclusão social e ambiental é inexorável.
Como diz Figueres, “the signal is above the noise”. O barulho é confuso, mas o sinal é claro. O setor privado e a comunidade de investidores já leu o sinal. Para esses atores, ele basta. “We created a dream that is very powerfull. Now we need to create the reality”, disse Figueres, citando Golda Meir. Os próximos cinco anos serão determinantes.
Não nos resta outra opção a não ser expandir as possibilidades econômicas, ressalta Al Gore. Com sucessivas citações, o Prêmio Nobel da Paz (2007), lembra que “depois do último não, vem o sim”. São esforços repetitivos que fazem a agenda avançar. “As coisas demoram mais do que esperamos, mas quando acontecem, progridem com uma velocidade maior do que somos capazes de imaginar.”
O diálogo entre nações não é trivial, mas a entrada em campo da comunidade de investidores institucionais muda tudo. O entendimento de que suas responsabilidades fiduciárias estão relacionadas às mudanças climáticas é evidente e requer novas formas de lidar com perfis de investimentos. O entendimento da realidade da economia de baixo carbono emergiu claramente na COPcde Paris, independentemente do rumo das negociações formais.
Este parece ser o tom da COP 21: a forte presença do setor privado e da comunidade financeira, influenciando as negociações. Tom Steyer, um dos grandes nomes do universo das gestoras de capital, ressalta que o jogo passa por 3 “C”. Clareza, especialmente dos compromissos dos países, alinhando a agenda privada às INDCs (mesmo que algumas deixem de ser audaciosas) e ao compromisso vinculante com transparência e mensurações do universo das emissões de gases de efeito estufa. Cooperação, ou interdependência – nada ocorrerá de forma isolada. Os vínculos estão se tornando evidentes e em meio deles, oportunidades de novos arranjos institucionais e empresariais. E, finalmente, Confiança, crucial para expectativas e decisões de longo prazo, mas altamente dependente do momentum que a agenda de Paris impõe. Clareza é a base para a construção de Cooperações e estas geram Confiança. Este é o caminho que se pavimenta em Paris.
A conversa entre os fundos de investimento e as lideranças presentes (Figueres, Gore e Steyer) nesse encontro singular navegou pelo mundo do impacto da agenda do clima na valoração de ativos. Valuations mudarão dramaticamente com a inclusão de riscos futuros associados às mudanças climáticas. Mas não só riscos. A perda de momentum em mergulhar em oportunidades das novas fronteiras e inovações que essa agenda oferece terá efeito determinante no desenho das lideranças que ocuparão o espaço da economia de baixo carbono.
Ou seja, um dos grandes riscos é justamente a perda da oportunidade. Avanços na precificação e taxação de carbono, um dos sinais mais claros da COP 21, estão nesse horizonte. Riscos e oportunidades. Negócios associados a emissões – como os relacionados a combustíveis fósseis – frente aos que promovem sequestro e estoque de carbono, a exemplo dos florestais. Mas, alerta Al Gore, não se pode restringir esses fundamentos apenas ao que é monetizável. Sim, um price tag em carbono é essencial, mas a visão sistêmica de riscos e oportunidades, incluindo o que ainda não é monetizável (e talvez nunca venha a ser) se faz essencial. O momento é de uma análise crítica sistêmica de externalidades, positivas e negativas, e seu impacto em valor.
A Conferência de Paris não é o fim da linha, a não ser para aqueles presos à armadilha da atenção seletiva e que não conseguem ver o que está diante dos seus olhos (Al Gore cita o famoso vídeo Selective Attention Test, disponível no youtube). Parte do setor privado e da comunidade financeira não enxerga aquilo que o cérebro, pré formatado, vê. INDCs são um enorme gorila mudando a economia. Formatarão a nova realidade econômica. A manteiga pode ter acabado e o garçom não tem alternativa a não ser negá-la até para o presidente dos EUA. Mas há muitas coisas novas para passar no pão. O setor privado, iluminado pela sociedade civil organizada e com suporte de tradicionais investidores, oferecerão este cardápio.
* Roberto S. Waack é membro fundador e presidente do conselho da Amata S.A., empresa florestal brasileira. Membro dos conselhos da Global Reporting Initiative (GRI), WWF Brasil, Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e do Instituto Ethos. Ex-presidente do conselho do Forest Stewardship Council (FSC) e membro do conselho de outras entidades envolvidas na sustentabilidade, gestão de tecnologia e governança. Foi director e CEO de empresas no segmento florestal e farmacêutico. Biólogo, tem mestrado em administração de empresas pela Universidade de São Paulo, com foco em Nova Economia Institucional. Membro ativo e co-fundador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.