Aos olhos do Brasil e do exterior, a pecuária é uma atividade que pressiona os ambientes frágeis, força o desmatamento, e lança mão de processos e insumos que geram elevadas emissões de gases de efeito estufa. “Não adianta tapar o sol com a peneira”, afirma o presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Maurício Lopes. “A emissão da pecuária é algo que o Brasil tem de olhar com carinho porque está na mira do mundo”.
Mas ao mesmo tempo em que o próprio presidente da Embrapa descreve os impactos deletérios da pecuária, ele acena saídas e, mais que isso, promete o desenvolvimento de técnicas que vão garantir uma produção de carne carbono neutro.
Criar bois de forma isolada dificilmente ajudaria a promessa a se cumprir. Mas a saída a que Lopes se refere está na Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF), em que um sistema mais diversificado – formado, por exemplo, por soja, milho, braquiária, pecuária e árvores – permite estocar carbono no solo e na madeira, enquanto utiliza menos agrotóxicos e adubos químicos que elevam a conta das emissões. Trata-se da mais nova tendência que – depois da inovações trazidas pelo Plantio Direto – pode revolucionar a produção agropecuária no País.
Por definição, a ILPF é uma estratégia de produção que integra atividades agrícolas, pecuárias e florestais, realizadas na mesma área de forma consorciada. Busca sinergia entre os componentes do agroecossistema, a adequação ambiental, a valorização humana e a viabilidade econômica.
Trocando em miúdos, substitui a monocultura por um cultivo diversificado, em que a rotação e a combinação de culturas diferentes aumentam a resiliência e a produtividade, ao depender de menos insumos químicos e conservar maior quantidade de água no solo. Fora isso, permite empregar mais gente no campo e pede inovações na gestão da propriedade e no uso de tecnologia, uma vez que o gerenciamento de um sistema diversificado é mais complexo que o de uma monocultura.
As estimativas são de que a técnica já seja usada em 1,5 milhão a 2 milhões de hectares no Brasil, dos quais 750 mil hectares somente no estado do Mato Grosso.
Solo contra a mudança do clima
Ao proteger os solos, a ILPF pode servir como um poderoso mecanismo de mitigação da mudança climática. Lopes cita recente estudo da revista Nature segundo o qual os solos acumulam três vezes mais carbono que a atmosfera. “A agricultura do futuro será carbono neutro e trará contribuição incrível contra a mudança do clima”, aposta.
Não foi difícil encontrar uma sombra sob o calor forte de Ipameri, no Sudeste goiano, para Lopes dar essas declarações à imprensa em um Dia de Campo na Fazenda Santa Brígida, promovido em 8 de abril. Lá, os renques (fileiras) de eucalipto dão o sombreamento necessário para o bem-estar do gado, elevando a produção de carne e leite, contribuem para a captura de carbono e formam uma barreira natural contra o vento que em outras pastagens resseca o solo.
A fazenda constitui uma Unidade de Referência Tecnológica da Embrapa. Inicialmente tinha pastos degradados, mas hoje comemora, após 10 anos de implantação da ILPF, o aumento de produtividade frente aos métodos convencionais ditados pela Revolução Verde desde os anos 1960. A ILPF é apoiada por uma parceria público-privada da qual fazem parte a Embrapa, a Cooperativa Agroindustrial Cocamar e as empresas John Deere, Dow AgroSciences, Parker e Syngenta.
“Essas unidades estão se tornando os pontos de referência para coletar dados de eficiência produtiva, dinâmica de carbono, de impacto no ecossistema”, diz Lopes. Para ele, a ILPF é um passaporte para a descarbonização da pecuária. Ele informa que a Embrapa já está com modelagem da pecuária carbono neutro praticamente pronta, a partir de métricas e estudos desenvolvidos em Campo Grande. Isso permitirá desenvolver um procedimento que permita rastrear e certificar a produção de carne. Vamos lançar esse programa da carne carbono neutro em breve”, afirma.
Lopes lembra do compromisso que o Brasil assumiu na Conferência do Clima, em Copenhagen, para descabornizar o setor de agro. Criou, então uma política pública para isso – o Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono) – é agora é preciso de gerar dados para comprovar que a estratégia brasileira está funcionando.
Resistência natural
Mas para tudo isso vingar, é preciso combinar com os russos – no caso, os pecuaristas. No evento sobre ILPF promovido em Ipameri, foi mencionada a resistência natural dos criadores de bois em aderir à técnica, dado o seu conhecido perfil conservador. Imagine o pecuarista tradicional, às voltas com os desafios de fazer lavoura, usar máquinas, aderir a um conceito novo.
A conclusão é de que há bastante trabalho a ser feito, para gerar informação e estímulos. “Tem uma geração nova de pecuaristas que já percebe claramente que este é o caminho a seguir”, rebate o presidente da Embrapa. “Os mercados internacionais, especialmente os da Ásia, estão se abrindo para o Brasil. O pecuarista vai ter que incorporar o novo paradigma de produção [de baixo carbono]”.
E arremata: “Já é preciso pensar na versão 2.0 do Plano ABC, voltado para inovação gerencial, com o objetivo de lidar com sistemas gerenciais complexos. Estamos entrando na era da complexidade na agricultura”, diz Lopes.
Quando se olha para a assistência técnica rural que já apresenta enormes dificuldades atuando no plantio convencional, percebe-se que, de fato, há muito trabalho pela frente.
Saiba mais sobre o assunto em estudos do FGVces clicando aqui e leia entrevista com um personagem chave da ILPF, João Kluthcouski, pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão.