Mais da metade dos ativos sob gestão na Europa tem uma estratégia alinhada com o desenvolvimento sustentável e nos Estados Unidos esses investimentos correspondem a quase 20% dos ativos. Em uma pesquisa conduzida pela Bloomberg com o Morgan Stanley Institute for Sustainable Investing, a maioria dos detentores de ativos respondeu que já pratica algum tipo de investimento sustentável.
No entanto, para essa agenda avançar mais, os mercados e as companhias precisam de mais padronização e formação sobre a análise ESG. “Neste momento, as companhias publicam relatórios de sustentabilidade de uma maneira bastante subjetiva, com dados pouco comparáveis com dados de outras companhias da indústria. Uma empresa pode reportar sobre o carbono e outra sobre o total de gases de efeito estufa”, afirma Lenora Suki, responsável por Estratégia de Negócios e Finanças Sustentáveis da Bloomberg LP, que esteve recentemente no Brasil por conta do seminário: “ESG de Sustentabilidade nas Empresas e nos Investimentos” (avaliação das questões ambientais, sociais e de governança – ESG, na sigla em inglês).
Leia abaixo a entrevista concedida à Página22 e saiba mais sobre Finanças Sustentáveis aqui.
Em termos relativos, poucos recursos têm sido destinados a apoiar mudanças mais alinhadas à ideia de sustentabilidade. As regras e incentivos que regem mercados financeiros geralmente não consideram os riscos ambientais a longo prazo e as oportunidades de novos negócios e de setores verdes não têm sido suficientemente valorizadas. Qual o papel do sistema financeiro para mudar esse quadro e qual a perspectiva de mudança dessa realidade?
O sistema financeiro tem um papel fundamental na realização de um mundo mais sustentável, primeiramente porque os investidores podem canalizar muito mais capital para alcançar as metas de desenvolvimento sustentável do que os governos. Nesses fluxos de capital privado, seja nos mercados de ações públicas, renda fixa ou capital fechado, por qualquer classe de ativo, é preciso integrar sistematicamente a sustentabilidade ambiental e social e a boa governança corporativa. Como esses fatores são necessariamente relacionados à boa qualidade da gerência no longo prazo, os investidores terão de realinhar as expectativas de forma mais relevante para a realização estratégica do negócio.
Atualmente, os mercados financeiros estão evoluindo para levar em consideração os fatores ambientais, sociais e de governança. Mais da metade dos ativos sob gestão na Europa tem uma estratégia explicitamente alinhada com o desenvolvimento sustentável. Nos Estados Unidos são quase 20% dos ativos. Em uma pesquisa conduzida pela Bloomberg com o Morgan Stanley Institute for Sustainable Investing, a maioria dos proprietários dos ativos respondeu que já pratica algum tipo de investimento sustentável e que vai pedir mais atenção dos gestores de investimentos.
Essa nova realidade está impulsionando a inovação financeira. O fenômeno de green bonds é só um exemplo dos tipos de produtos que os investidores agora solicitam aos bancos e aos gestores de investimentos. Cada vez mais são estabelecidos fundos de investimento sustentáveis e mais bolsas têm mudado os requisitos para as companhias listadas. Os dados e produtos de informação têm melhorado muito também para facilitar a tomada de decisão de investimento. Neste caso, a Bloomberg permite uma maior transparência de todos os riscos e as oportunidades dos investimentos relacionados à sustentabilidade.
Quais são os maiores obstáculos que impedem essa agenda de avançar?
Os mercados e as companhias precisam de mais padronização e mais formação sobre a análise ESG para avançar esta agenda. Neste momento, as companhias publicam relatórios de sustentabilidade de uma maneira bastante subjetiva, com dados pouco comparáveis com dados de outras companhias da indústria. Uma empresa pode reportar sobre o carbono e outra sobre o total de gases de efeito estufa. Como os investidores não têm dados suficientemente padronizados, nem compreensão de como analisar estas informações, às vezes eles dependem das pontuações e pesquisas não transparentes e calculados por terceiros.
Os participantes dos mercados também têm que desenvolver modelos financeiros para valorizar os riscos e as oportunidades relacionados com ESG. Já temos modelos tradicionais e amplamente utilizados para avaliar a rentabilidade e o fluxo de caixa semestralmente, por exemplo. No investimento sustentável, somente pouco gestores sofisticados já têm desenvolvido este tipo de modelo financeiro, que valoriza a gerência efetiva de elementos menos tangíveis, como a imagem ou a marca da empresa e confiança pública nos seus produtos. Essa mudança na mentalidade dos gestores de investimentos está alinhada com a compreensão do crescimento das companhias ao longo prazo.
Por parte das empresas, existem os líderes corporativos que conseguiram integrar no próprio negócio e na cultura das companhias os valores de sustentabilidade. Lamentavelmente, na maioria das empresas ainda falta uma visão de como a sustentabilidade faz parte integral da criação de valor para os acionistas e para a sociedade ao mesmo tempo.
O fato de o PIB ser a principal métrica das contas nacionais não é uma referência danosa para os mercados financeiros, uma vez que esse índice desconsidera em seus cálculos todas as externalidades socioambientais positivas e negativas?
Os participantes dos mercados financeiros devem mudar a forma de perceber e medir as externalidades que as métricas econômicas tradicionais não consideram neste momento. Por exemplo, o capital natural se torna ainda mais importante para as companhias e os governos agora que estamos confrontados com elevado estresse hídrico e catástrofes naturais. Como provedor dos dados e informações sobre sustentabilidade, a Bloomberg está empenhada no avanço da medição e na comparabilidade deste tipo de informação. Nosso time tem respondido ao desafio global de escassez de água desenvolvendo um modelo financeiro para valorizar o estresse hídrico e agregando a nossa ferramenta de mapas de ativos à base de dados gerido pelo World Resources Institute (WRI) sobre o estresse hídrico. Este esforço dá aos investidores mais informações sobre os riscos hídricos que as companhias têm que gerar, mas que normalmente não consideram como parte importante da gerência dos riscos.
Que resultados poderiam ser alcançados no Brasil caso as iniciativas de valorização da economia verde fossem amplamente implementadas?
É claro que o Brasil desempenha um papel importante na conservação do patrimônio ecológico do País e do mundo. Já estão sendo desenvolvidos instrumentos financeiros, como os green bonds e os títulos climeaticos [climate bonds], que poderiam valorizar os serviços ecossistêmicos como a disponibilidade de água. Por isso, os investimentos poderiam estimular a manutenção melhorada das massas de água, como as represas e a resistência das companhias, os governos e as comunidades, aos choques climáticos. Outra opção seria provocar a transição em direção a uma economia de baixo carbono pela securitização da instalação dos painéis solares. Meus colegas na Bloomberg New Energy Finance estão analisando estas oportunidades e o crescimento destes mercados no Brasil e na região e acreditamos que o Brasil pode ser um líder global na emissão destes tipos de veículos financeiros.
Como a senhora vê o quadro regulatório brasileiro no que diz respeito ao estímulo à transição para uma economia verde?
O quadro regulatório do Brasil já avançou de uma maneira significativa. O nível geral de divulgação no Brasil é relativamente bom comparado com outros países da América Latina e outros mercados emergentes. Por exemplo, o Banco Central executou a Resolução 4.327, que exige que todas as instituições financeiras executem uma Política de Responsabilidade Socioambiental. O setor banqueiro também assumiu compromissos voluntários incorporados no Protocolo Verde. A regulação ambiental e social tem sido direcionada também para as empresas de maneira mais geral. As associações industriais, como Abradee do setor da energia elétrica, estão fomentando transparência voluntária. Não obstante, a evolução das regulações relacionadas a ESG e seu cumprimento é um processo dinâmico. As questões devem ser definidas por acordos e normas internacionais, políticas de governo e ações regulatórias, em constante evolução. Por isso, e indispensável também que existe um ecossistema robusto para a supervisão e a aplicação das regras e regulações pelos governos, as ONGs e os investidores mesmos.
É muito utópico acreditar que governo, setor financeiro e setor produtivo podem se alinhar a fim de mobilizar recursos para uma economia verde?
Essa tendência já se está tornando realidade, porém estamos ainda no começo desta viagem, com muitos desafios técnicos e políticos a se conquistar.
Quais os principais atores de toda essa articulação?
Toda a cadeia de valor da indústria de gestão de ativos deve participar dessa transição. Os proprietários dos ativos têm de solicitar aos gestores mais informações, mais produtos de investimento e mais análises profundas dos temas de sustentabilidade ambientais e sociais. Nós vemos que as fundações familiares e os fundos previdenciários públicos são os mais motivados no engajamento dessas questões.
Os gestores de capital e os consultores de investimento devem investir no capital humano e trabalhar para que a gerência de seus negócios integre os fatores ESG para criação de valor. Neste ponto é fácil perceber que a educação dos participantes nos mercados tem de acontecer.
As bolsas e os reguladores estão desenvolvendo regras e requisitos para elevar a visibilidade do negócio sustentável e de boa governança e também as penalidades para desempenho ruim. Os índices sustentáveis da BM&FBovespa, por exemplo, ajudam neste esforço.
Logicamente, para os provedores de informação como a Bloomberg, há uma oportunidade e uma responsabilidade de desenvolver as bases de dados, padrões, modelos analíticos, pesquisas úteis e relevantes e outros conteúdos para tornar os mercados financeiros mais transparentes e líquidos.
Finalmente, as ONGs e os governos devem atuar como cães de guarda do sistema, estimulando a participação ampla, proporcionando uma maior padronização e garantindo o dinamismo do setor. Por este motivo, a Bloomberg concede doações as ONGs, como o SASB nos Estados Unidos (Sustainability Accounting Standards Board, um conselho de contabilidade que promove a padronização de relatórios de sustentabilidade para investidores), para dar mais energia ao movimento na direção de investimento responsável e sustentável.