Notório “cético climático” e provável candidato do Partido Republicano para a Presidência dos Estados Unidos, o bilionário Donald Trump promete colocar a agenda global de clima de cabeça para baixo caso ele vença a disputa.
Em entrevista exclusiva para a Reuters, o presidenciável prometeu renegociar os compromissos assumidos pelo governo norte-americano durante as negociações do Acordo de Paris, concluídas no final de 2015. “Eu verei isso de forma séria e, no mínimo, irei renegociar esses compromissos, isso no mínimo. No máximo, eu posso fazer outra coisa”, afirmou Trump, sem deixar claro o que ele faria caso a renegociação não seja possível.
Para ele, a agenda climática global é propositadamente bastante prejudicial aos interesses dos Estados Unidos e favorece países como a China. “Não sou um grande fã [desse acordo] porque outros países não o cumprem, a China não o cumpre, e ela está vomitando [emissões de carbono] na atmosfera”.
Donald Trump é historicamente um “cético” sobre mudanças do clima. Em novembro de 2012, através de sua conta no Twitter, o magnata do mercado mobiliário chegou a afirmar que o conceito de aquecimento global “foi criado por e para os chineses para tornar não-competitiva a indústria dos EUA”.
Em entrevista ao canal de notícias Fox News em março passado, Trump afirmou não ser um “grande crente” nas mudanças climáticas decorrentes da ação humana. O presidenciável republicano denominou a agenda climática como uma forma “muito, muito cara” de imposto e que muitas pessoas estão ganhando dinheiro às custas da competitividade da indústria norte-americana.
Na costura final do Acordo de Paris, o governo norte-americano se comprometeu a reduzir as emissões de GEE dos Estados Unidos entre 26% e 28% até 2025 com relação aos níveis de 2005. O presidente Barack Obama trabalha para que o Congresso ratifique o tratado climático até o final de seu mandato, em janeiro de 2017.
Ceticismo rumo à Casa Branca?
Trump não está sozinho em sua posição negacionista. O Partido Republicano também é historicamente reticente a agendas ambientais em geral, principalmente a de mudanças do clima – isso a despeito do fato de que as primeiras leis federais sobre meio ambiente terem sido propostas e aprovadas por um presidente republicano, Richard Nixon (1969-1974).
No final dos anos 1990, a maioria republicana impediu que o governo Bill Clinton (1993-2001) conseguisse ratificar a assinatura do Protocolo de Quioto pelo Congresso norte-americano. A eleição do republicano George W. Bush (2001-2009) acabou inviabilizando qualquer envolvimento de Washington com esforços globais para redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE), esvaziando o Protocolo de Quioto e dificultando entendimentos internacionais no tema por quase uma década.
No entanto, mesmo a base política republicana está começando a abandonar o ceticismo na questão climática. Uma pesquisa do jornal The New York Times publicada no ano passado apontou que quase metade das pessoas que se identificam como republicanos apoiaria candidatos que defendessem ações contra as mudanças do clima.
Mas o avanço de Trump ameaça a evolução da conscientização pública sobre o desafio climático nos EUA. Diversos auxiliares de Trump na campanha presidencial compartilham a visão reticente do presidenciável em clima.
Por exemplo, o deputado Kevin Cramer, principal assessor de Trump em matéria de energia, é defensor ferrenho da indústria do carvão e crítico ácido das regulações federais definidas pelo governo Barack Obama. Em entrevista recente, Cramer chegou a defender uma “muito modesta” taxa de carbono para financiar pesquisa em “energia fóssil limpa”.
“Minha ideia de uma taxa do carbono seria para ajudar a financiar pesquisa e desenvolvimento em combustíveis fósseis limpos, não para financiar o governo nem para punir a geração [de energia] fóssil e nem para manipular a escolha de combustível”, argumentou Cramer.
Ameaça global ou promessa vazia?
A despeito do desejo de Trump, diplomatas norte-americanos afirmam que a participação dos Estados Unidos nos esforços globais contra as mudanças do clima não depende mais da iniciativa da Casa Branca e as forças do mercado não enxergam razões econômicas para recuar dos compromissos atuais do país em clima.
“Elas [as políticas de Trump] mudariam a trajetória das emissões dos Estados Unidos? Isto não soa provável. Por que não? Porque ele não vai aumentar o preço do gás. Porque ele faria isso? Isso vai completamente contra tudo o que ele acredita”, afirmou um alto oficial do Departamento de Estado ouvido pelo jornal The Guardian, citando o uso massivo de gás de xisto no país, que ajudou a reduzir as emissões norte-americanas nos últimos anos.
Entretanto, existe o temor de que os Estados Unidos sob um governo Trump impactaria profundamente a dinâmica de negociações internacionais sobre mudança do clima no futuro, dificultando o entendimento em prol de ações efetivas. Para Laurent Fabius, ex-ministro francês do Exterior e principal liderança política na costura final do Acordo de Paris, a eleição de um negacionista nos Estados Unidos “ameaçaria dramaticamente a ação global contra a perturbação climática”.
A China, um dos alvos prediletos da artilharia verbal de Trump no decorrer de sua campanha, assiste em silêncio às ameaças do republicano. Pequim e Washington tornaram-se parceiros importantes na agenda climática nos últimos anos, e essa proximidade ajudou a dissipar a desconfiança entre Estados Unidos e China, um dos problemas que inviabilizou um acordo final durante a Conferência do Clima de Copenhague (COP 15), em 2009. Porém, se houver uma ruptura política do novo governo com os compromissos assumidos pelos dois países, a China pode suavizar o seu engajamento nos esforços globais e reduzir a ambição de suas ações em clima – o que seria catastrófico para o enfrentamento das mudanças do clima nas próximas décadas.
Por ora, a promessa de Trump não está sendo levada a sério no âmbito das Nações Unidas. Diplomatas ouvidos pelo portal Climate Home em Bonn (Alemanha), onde acontece nesta semana uma nova rodada de negociações para implementação do Acordo de Paris, consideram a ameaça de Trump inofensiva na prática. Além da inviabilidade de se construir um novo acordo com mais de 190 países num curto prazo, uma Casa Branca reticente não faria muita diferença na luta pela redução global das emissões.
“Os Estados Unidos não são mais um poder central. Não é como durante o governo Bush, quando o país era o maior emissor do mundo”, comentou Nick Mabey, do think tank britânico E3G. “Há um limite realista sobre o dano que ele poderia fazer, e de todas as questões geopolíticas que me preocupam, a implementação [continuada] de energia limpa é uma que eu estou menos preocupado”.