Limites no uso, educação do consumidor e inovação tecnológica são caminhos para incluir estes materiais na economia circular
Por Ricardo Abramovay*
Os oceanos recebem hoje um caminhão de plásticos por minuto. Isso significa anualmente 8 milhões de toneladas que vêm acrescentar-se aos 150 milhões de toneladas ali presentes. Para cada 3 quilos de peixe, há 1 quilo de plásticos nos ambientes marinhos. A continuar nesse ritmo, em menos de 35 anos a proporção será de 1 para 1, como mostra relatório da Ocean Conservancy. Um estudo publicado na prestigiosa revista científica PNAS estima a existência de 580 mil peças de plástico por quilômetro quadrado nos mares. A produção vem dobrando a cada 11 anos, desde 1950. Entre 2015 e 2026, a sociedade fabricará mais plásticos do que tudo o que foi feito até hoje.
É preciso reconhecer, claro, que os plásticos (o termo deve ser sempre empregado no plural, dada sua imensa diversidade de materiais, composição e usos) trouxeram benefícios imensos, ampliando as possibilidades de armazenagem de alimentos e medicamentos, tornando mais leves os automóveis (dos quais, em média, hoje, cerca de 50% do volume e de 10% a 15% do peso vêm desses materiais) e aviões (com 50% de plásticos em seu peso) e permitindo engradados mais duráveis: sem eles, o uso de recursos materiais, energéticos e bióticos seria ainda maior que o atual.
Em muitos setores, os plásticos são sistematicamente reutilizados. Mas a reciclagem desse material é baixa. Só nos Estados Unidos, de 10 milhões a 15 milhões de carros saem de circulação anualmente. As partes metálicas dos veículos são razoavelmente bem reaproveitadas, mas, como reconhece um estudo recente, a reutilização dos plásticos está na sua infância.
O setor mais crítico, nesse sentido, é o das embalagens plásticas. É aí que se concentra o recém-lançado relatório da Fundação Ellen MacArthur, cuja questão básica é: como permitir que um produto tão útil e ao mesmo tempo de tão difícil reaproveitamento, uma vez utilizado, seja parte da economia circular? A resposta vai em três direções: redução no uso de embalagens plásticas (desde que não sejam comprometidas as funções de conservação de alimentos e medicamentos que os plásticos hoje propiciam, bem entendido), melhoria nos sistemas de coleta pública e, sobretudo, muita pesquisa para que possam ampliar-se as raras iniciativas de destinação dos plásticos para biocompostagem ou reciclagem.
O desperdício é o principal chamariz capaz de atrair o setor privado para uma “nova economia dos plásticos”. Hoje 95% do material que compõe os plásticos usados para embalagens (num valor que oscila entre US$ 80 bilhões e US$ 120 bilhões anualmente) são perdidos após um primeiro uso. Passados 40 anos do lançamento do símbolo da reciclagem, somente 14% dos plásticos são reciclados. Isso é muito menos que o papel (58%), o ferro e o aço (70% a 90%).
E essa reciclagem distancia-se dos princípios da economia circular. Na maior parte das vezes destina-se a produtos que, uma vez utilizados, só poderão terminar suas vidas úteis em aterros ou incineradores. A virtuosa reciclagem de embalagens PET no sistema de garrafa a garrafa (bottle-to-bottle), por exemplo, só beneficia 7% da produção global. Esta é uma das razões que alarmam especialistas diante da notícia de que hoje há no mundo mais água vendida em embalagens plásticas do que refrigerantes, conforme um estudo canadense.
Ao desperdício do não reaproveitamento junta-se a destruição: no mundo, um terço das embalagens plásticas ou não são coletadas pelos sistemas públicos de limpeza ou escapam dos caminhões responsáveis por seu recolhimento, sobretudo nos países em desenvolvimento. Se as empresas (e os consumidores, claro) tivessem de pagar pelos custos impostos ao meio ambiente por essa destruição, o valor superaria os lucros globais da indústria do plástico, segundo estudo publicado pelas Nações Unidas em 2014.
Mas o maior desafio é o da pesquisa. O relatório da Fundação Ellen MacArthur mostra que não existem normas internacionais definindo o que são plásticos compostáveis. Os chamados “plásticos verdes” atuais contam com biomassa em sua produção (emitindo menos gases de efeito estufa que os advindos do petróleo), mas nem de longe, em sua esmagadora maioria, são passíveis de compostagem. Não são materiais “biobenignos”. Experiências de plásticos que, misturados a restos de alimentos, se decompõem, transformando-se em fertilizantes, são raríssimas e localizadas, ainda que promissoras, como mostra o caso da cidade de Milão.
Qualquer tentativa de flerte com as técnicas anteriores à idade dos plásticos é irrealista e indesejável. Ao mesmo tempo, conformar-se com os danos socioambientais de sua crescente produção será cada vez menos aceito. Limites – como no caso das águas engarrafadas e das sacolas plásticas –, educação do consumidor e inovação tecnológica são os caminhos para enfrentar este tão difícil desafio.
*Professor Sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP. Blog: www.ricardoabramovay.com – Twitter: @abramovay