Após dez anos, o Geoparque do Araripe, no Ceará, inspira novos modelos de desenvolvimento local
O verde da paisagem, a neblina e o frio típico de altiplanos úmidos contrastam com a secura tórrida do Semiárido ao redor. Na divisa do Ceará com Pernambuco, a Chapada do Araripe (do tupi, “água dos papagaios”) guarda a primeira Floresta Nacional brasileira, criada há 70 anos para proteção de nascentes e prática de extrativismo. Abençoado pelo Padre Cícero já na década de 1930 como fonte de alimento no futuro, o lugar é mais do que um oásis em meio ao sertão. Lá afloram jazidas repletas de fósseis, vestígios da vida animal e vegetal quando grandes lagos cobriam a região – hoje a única do Brasil reconhecida mundialmente pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como geoparque [1].
[1] Geoparques são áreas geográficas únicas, onde sítios e paisagens de significado geológico internacional são gerenciados com um conceito holístico de proteção, educação e desenvolvimento sustentável. Saiba mais aqui
Instituído há dez anos, o Geoparque do Araripe ocupa 3,8 mil quilômetros quadrados, em seis municípios. Próximo a Nova Olinda (CE), na Rodovia CE-292, a placa “Rota Turística Terra dos Kariris” atiça a curiosidade. Ao longo de 50 quilômetros, há 53 geossítios demarcados e sinalizados. Um deles, chamado Pedra Cariri, expõe rochas que são bastante exploradas para a construção civil e contêm fósseis de plantas, peixes, escorpiões e libélulas de 120 milhões de anos. Mais adiante, em Missão Velha (CE), o sertanejo que hoje pena para plantar e criar gado convive com os resquícios de uma floresta petrificada, herança do ambiente rico em água no passado.
Em Santana do Cariri (CE), o Museu de Paleontologia, com 7 mil peças, exibe réplicas da fauna pré-histórica como o dinossauro Angaturama limai (Angaturama, do tupi “nobre”), com 2 metros de altura e dieta baseada em peixes. Há também pterossauros carnívoros e frugívoros, entre tantos seres cujos registros continuam aparecendo na região. Em 2008, o trabalhador de uma mina de gipsita descobriu uma canela de dinossauro hoje estudada por cientistas com potencial de ser uma nova espécie.
“Além das atividades científicas e educativas, a ideia é valorizar a cultura popular e promover o desenvolvimento sustentável com base no melhor uso do território”, explica Nivaldo de Almeida, professor da Universidade Regional do Cariri, que mantém o geoparque. A chancela internacional ajuda a coibir o tráfico ilegal de fósseis e a buscar soluções contra o desmatamento causado para abastecer fornos da indústria gesseira.
Hoje a Unesco reconhece 120 geoparques em 33 países, com destaque para a China. Na América Latina, são apenas dois: além do Geoparque do Araripe, o Grutas del Palacio, no Uruguai. Fazer parte dessa rede dá prestígio e acesso a recursos internacionais, mas não é uma tarefa simples. São exigidos estudos que comprovam o valor do projeto sob o ponto de vista social e econômico. No Brasil, não faltam candidatos. Entre os 16 potenciais territórios listados pelo Departamento Nacional de Produção Mineral está a Serra da Capivara (PI), com seu múltiplo acervo de pinturas rupestres.
“A iniciativa não restringe atividades econômicas, pelo contrário, busca promovê-las”, afirma Luciana Fernandes, professora de Direito Ambiental na Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp em Limeira. Ela integra um movimento para transformar em geoparque a Bacia do Corumbataí, abrangendo oito municípios paulistas – entre eles Piracicaba e Rio Claro, onde universidades fizeram estudos técnicos e mapearam a área. “O selo da Unesco seria um passo natural”, diz Francisco Lahóz, secretário-executivo do Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. “Poderá ser o primeiro geoparque estabelecido em área de uma bacia hidrográfica”, completa o coordenador do projeto, Flávio Stenico.
“O título exige agregar valor cultural para além do patrimônio geológico”, reforça Thaís Guimarães, geógrafa da Universidade Federal de Pernambuco dedicada a estratégias de “geoconservação”. No Litoral Sul do Estado, as atenções voltam-se para uma área conhecida como “Suíte Magmática Ipojuca”. Lá, granitos e rochas vulcânicas de aproximadamente 100 milhões de anos representam o período final do processo que separou os continentes e formou o Atlântico Sul. Entre manguezais e remanescentes de Mata Atlântica, a belíssima paisagem costeira no município do Cabo de Santo Agostinho (PE) guarda marcos da ocupação holandesa, no século XVII – alternativa cultural à busca por sol, praia e mar, naquele destino de piscinas naturais de águas cristalinas.